domingo, 21 de julho de 2013

Elio Gaspari

folha de são paulo
Cármen Lúcia e o 'clamor das ruas'
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral defendeu a Viúva com um gesto simples: ligou o gravador
Na noite de quarta-feira o consórcio de empresas que cuida da manutenção e do funcionamento das 500 mil urnas eletrônicas do país entrou com um pedido de prorrogação do seu contrato, vencido na véspera. Entre os muitos argumentos apresentados, mencionou "a voz do povo que clama por mudanças".
Coisa interessante, o povo "clama por mudanças" e os empresários do consórcio querem prorrogação por cinco anos de um contrato de um ano que caducou. Coisa de R$ 120 milhões, o maior na área do Tribunal Superior Eleitoral.
Um dia antes do vencimento do contrato, a ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE, recebeu os empresários e seu advogado. Mostrou-lhes um gravador e informou que a audiência seria formalmente gravada.
O consórcio é liderado pela empresa Engetec, que sucedeu a outra, que faliu. Ele prestou à Justiça Eleitoral dois serviços. Um, regular, de manutenção das urnas, pelo qual seus técnicos verificavam as baterias e o funcionamento elementar dos equipamentos. Essa parte valia R$ 5 milhões. Na outra, de R$ 115 milhões, às vésperas das eleições suas equipes conectavam as urnas, testavam o sistema e suas transmissões.
O advogado das empresas, Toshio Mukay, fez uma exposição demonstrando que, pela lei, um contrato que pode ser prorrogado, prorrogado deve ser. Valeu-se de 22 citações de 16 autores, inclusive ele próprio.
O consórcio não quer que o tribunal abra uma nova concorrência. Ia muito bem a conversa, sobretudo porque pretendia-se prorrogar um serviço de manutenção das urnas que parecia contínuo. Cármen Lúcia ouviu a exposição, elogiou os autores citados e bateu de frente: "A Constituição manda licitar. (...) O próprio consórcio pode ganhar outra licitação. (...) A administração não quer e nem deixa de querer. (...) [Ela] tem dever jurídico. Neste caso, um dever constitucional de licitar. (...) Quando tem um contrato por prazo determinado, assim que acabar o contrato, tenho que fazer licitação."
Mais: o contrato está sob investigação do Ministério Público.
O empresário Helon Machado, da Engetec, informou: "Renovar o contrato para nós hoje, pensando pelo lado do consórcio, não é... para nós o contrato é o de 2014 que nós vamos brigar, que é mais uma eleição".
No decorrer da conversa ficou demonstrado pela ministra que havia dois serviços e que, a prevalecer o argumento (com o qual ela não concorda) segundo o qual deveria ser prorrogado o mais barato, o outro, com o filé, era episódico. Lá pelo terço final da audiência, veio a surpresa, trazida pelo advogado Mukay: "O outro não é contínuo? Então, não prorrogaríamos o não contínuo e prorrogaríamos o contínuo. Porque, se é contínuo, está dentro do que eu falei aqui, agora, se uma parte não é contínuo, e isso foi contestado pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas da União, então não pode conter no aditivo, retira essa parte, essa parte não prorroga, prorroga a outra parte. (...) Na verdade, estou voltando atrás no meu pensamento".
Largar o filé e ficar com o osso? Passaram mais uns minutos, e Machado disse ao advogado: "Eu posso até te explicar isso depois".
E assim terminou a audiência. Se Cármen Lúcia não tivesse gravado o encontro, ele poderia ter perdido sua natureza coloquial e o povo que clama nas ruas por mudanças talvez tivesse dificuldade para entender o juridiquês de uma versão formal. Com a gravação, só não entende quem não quer.
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O ÓBVIO
Na discussão em torno da eventual candidatura de Lula à Presidência há dois fatos óbvios:
1) Ele ficará no banco, vendo o seu time seguir para o cadafalso?
2) Se ele resolver entrar em campo, quantos minutos Dilma Rousseff demorará para ir ao vestiário? Cinco? Dez?
No imaginário petista está a final do Brasil x Rússia de vôlei masculino da Olímpiada de Londres. No fim do terceiro set o técnico russo botou Dmitriy Muserskiy na quadra. Perdera dois sets, e o Brasil precisava de um só ponto para liquidar a fatura. Nada feito.
HADDAD E A VIÚVA
O prefeito Fernando Haddad esclarece que o dinheiro da reforma do autódromo de Interlagos virá do PAC Turismo, "vale dizer, recursos federais". (A obra sairá por R$ 161 milhões à Viúva. O custo anual da redução da tarifa de transportes públicos, contra a qual Haddad lutou como um gladiador vândalo, será de R$ 175 milhões.)
O comissário deve achar que os "recursos federais" do PAC Turismo saem da bolsa de Farah Diba, viúva do xá do Irã.
PISTA LIMPA
A sucessão do Rio de Janeiro pode embaralhar de vez. O grande eleitor Sérgio Cabral voava com a imponência do zepelim Hindenburg chegando a Nova York em 1937. (Carbonizou-se ao pousar.) Candidato oficial, o vice-governador Pezão não consegue decolar.
Já o petista Lindbergh Farias será submetido a uma barragem de denúncias relacionadas com a sua administração na Prefeitura de Nova Iguaçu. Arrisca ficar preso na malha da Lei da Ficha Limpa.
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A BASE DE ALCÂNTARA VOLTOU PARA A AGENDA
Está na agenda de negociações da doutora Dilma com o companheiro Obama o tema da participação americana na base de lançamento de foguetes de Alcântara. Até 2000 os Estados Unidos mostraram interesse em operar na privilegiada localização da base, pela sua proximidade da linha do Equador. A FAB não gostava da ideia de criação de áreas restritas em seu território. À época, o PT foi um feroz adversário da iniciativa. Eleito, Lula matou a conversa.
O projeto de Alcântara é de 1983, já consumiu R$ 400 milhões, matou 21 cientistas e não serviu para lançamento relevante. Atualmente, patina numa parceria com a Ucrânia. (O programa espacial americano foi à Lua e a Marte, mas só matou 24 pessoas e um macaco.)
Pode ser boa ideia, mas vale lembrar que nos anos 50, quando JK permitiu que os Estados Unidos montassem uma base de rastreamento de mísseis em Fernando de Noronha, a charanga nacionalista assegurava que a operação resguardaria a soberania nacional na ilha.
Por baixo do pano, aceitaram um documento americano pelo qual alguns equipamentos ficariam fora da área de acesso dos brasileiros. Com isso, um oficial brasileiro foi barrado ao tentar entrar numa sala. Quando o ministro da Guerra Henrique Lott quis empunhar uma causa nacionalista em torno da proibição, o caso foi ao Estado-Maior do Exército, e o coronel encarregado do assunto respondeu:
"Tais restrições foram aceitas por Vossa Excelência."
Ele se chamava Ernesto Geisel.

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