domingo, 21 de julho de 2013

Mesmo com salário melhor, periferia de SP perde médico - Talita Bedinelli

folha de são paulo
Números de profissionais em oito regiões da capital é menor do que em 2009
Das 8 regiões, 6 estão a mais de 20 km do centro; redução ocorreu apesar de salários de até R$ 14.600 ao mês
TALITA BEDINELLIDE SÃO PAULO
Na tarde da última sexta, a dona de casa Diana Alves dos Santos, 21, deixava uma unidade de saúde na zona leste de São Paulo levando nos braços o filho Kauã, três meses, enrolado em um cobertor.
Desolada e sem dinheiro, planejava caminhar sob garoa fina e vento forte pelos 2,4 km que separam a AMA (Assistência Médica Ambulatorial) Castro Alves, onde estava, do hospital Cidade Tiradentes.
Kauã acordou com bolinhas no corpo, tosse e "amuado". Na AMA Castro Alves não havia pediatras. Os pais que ali chegavam eram orientados a procurar o hospital, onde a espera era de até 2h30 na tarde da mesma sexta.
No prédio da AMA, também funciona uma UBS (Unidade Básica de Saúde), onde é possível marcar as consultas de rotina. Mas quem quisesse ser atendido pelo único ginecologista dali teria que esperar, pelo menos, até outubro.
"Quem não tem dinheiro para passar no médico está lascado", desabafava a aposentada Anita dos Santos, 70, que também usa o sistema público de saúde na região. "Parece que as coisas pioraram nos últimos anos".
A impressão da piora da aposentada tem sustentação.
Levantamento da Folha feito com base em dados da prefeitura mostra que algumas áreas periféricas perderam médicos nos últimos quatro anos --ainda que a média de médicos em AMAs e UBSs na cidade tenha aumentado 18% no período.
Dos 24 distritos de saúde da cidade (que se assemelham à distribuição das subprefeituras), oito tiveram redução de médicos desde 2009 --quando as OSs (Organizações Sociais) já estavam consolidadas na administração de unidades de saúde municipais.
Desses oito, seis ficam a mais de 20km do centro.
A zona leste foi a mais prejudicada: tem, hoje, 10% menos médicos trabalhando.
Um dos argumentos do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) para as parcerias com OSs era, justamente, a facilidade que elas teriam para contratar médicos.
Isso porque, ao contrário do poder público, as instituições poderiam pagar salários maiores na periferia.
Segundo a prefeitura, o salário base pago pelas OSs vai de R$ 10.390 a R$ 12.770 (jornada de 40h semanais). A prefeitura paga R$ 4.200 (20h).
E o valor pago pelas OSs aumenta mais na periferia.
A Santa Marcelina, que gere unidades em Cidade Tiradentes, Guaianases e Itaim Paulista, paga até R$ 14.600 nas áreas mais distantes. No Itaim Paulista, a 35 km do centro de carro, foi onde a proporção de médicos mais caiu.
Prefeitura diz que até 2014 vai contratar mais médicos
Secretário diz que serão 2.400 a mais; organizações sociais terão mudanças
Já a gestão Gilberto Kassab (PSD) aponta que número de profissionais cresceu durante seu mandato
DE SÃO PAULOO secretário da Saúde, José de Filippi Júnior, reconhece o problema da falta de médicos na rede municipal e diz que o déficit hoje é de 2.800 profissionais na cidade, mesmo com o aumento médio registrado desde 2009.
De acordo com ele, a gestão de Fernando Haddad (PT) pretende contratar 2.400 médicos até o início de 2014. O edital do concurso será publicado em até duas semanas.
A gestão Haddad disse que 194 unidades de saúde, que ficam em áreas de alta vulnerabilidade social, também estão aptas a receber profissionais pelo programa Mais Médicos, do governo federal.
A pasta realiza agora um levantamento da carência de médicos nesses locais.
O secretário também afirmou que as cláusulas de remuneração dos contratos com as OSs (Organizações Sociais) estão sendo revistas.
Atualmente, as entidades recebem o mesmo valor todos os meses, mesmo se não tiverem cumprido as metas.
"Há OSs com unidades em que faltam médicos em seis das sete equipes de saúde da família e elas recebem todo o dinheiro, como se estivessem com o quadro completo."
As OSs passarão a ser punidas com desconto nos repasses se não cumprirem o que está no contrato.
O secretário disse ainda que a partir da próxima quarta-feira a prefeitura passará a centralizar a divulgação das ofertas de vagas de todas as OSs e, assim, tentar acelerar as contratações dos profissionais necessários em cada uma.
Outra mudança já realizada, segundo ele, é a realocação de médicos em plantões de emergência com "buracos". A prefeitura passou a monitorar todos os dias a quantidade de médicos em hospitais e AMAs e, quando há falta de profissionais, tenta escalar outro para o local.
Segundo ele, a prefeitura já identificou que a zona leste é a área mais problemática para fixar profissionais, mas ainda não analisou os motivos.
"Uma das hipóteses é que o extremo leste é muito denso [em população] e, por isso, há maior dificuldade de acesso. Há mais trânsito, o metrô é mais lotado", diz Filippi.
Segundo o secretário, algumas OSs do extremo sul contrataram serviços de van para ajudar na locomoção dos funcionários e a ideia poderá ser replicada na zona leste.
Funcionários de unidades da região ouvidos pela Folha relataram que a violência também afasta profissionais.
GESTÃO KASSAB
A gestão Gilberto Kassab (PSD) ressaltou que o número de médicos cresceu em todas as outras regiões da cidade. Entre 2005 (início da primeira gestão) até 2012 (final da última) houve aumento de 66,1% no número de profissionais de toda a rede.
Na zona leste, além de um novo hospital na região, o número de unidades de saúde aumentou de 9 (em 2004) para 18 (2012) no Itaim Paulista.
"E mais: o número de equipes de Saúde da Família passou de 722 para 1.225 entre 2005 e 2012. Nesse período, foram entregues 120 AMAs e 19 AMAs Especialidades. Na prática, as unidades de saúde passaram de 545 para 946, quase o dobro", disse a nota da assessoria do ex-prefeito.

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