Universidade persegue meta posta pelo governo de ter 50% dos calouros provenientes de escolas públicas
Mudança em bonificação racial e para alunos de escolas públicas foi aprovada pelo Conselho Universitário neste mês
Situação parecida vive a Unicamp, que também alterou recentemente sua política de benefício a estudantes das escolas públicas.
As instituições perseguem a meta posta pelo governo estadual de ter 50% dos calouros provenientes da rede pública, em cada curso. Na USP, a média hoje é de 28%, mas chega a 17% em medicina.
A universidade aprovou no início deste mês bônus de 5% para vestibulandos pretos, pardos e indígenas. Para os demais alunos de escolas públicas, o benefício subiu de 15% para 20%.
SEM EXPLICAÇÃO
Proposta pela pró-reitoria de graduação, a mudança foi aprovada pelo Conselho Universitário. Membros do órgão reclamaram que não foram apresentados estudos que mostrassem seu impacto.Assim, não foi explicado, por exemplo, qual será a mudança no perfil dos ingressantes nem se a medida será suficiente para chegar à meta. "A pauta do dia tinha 200 páginas. Para a parte da inclusão era apenas uma", disse Leandro Salvatico, representante dos pós-graduandos.
A Folha pediu nas três últimas semanas os estudos que deram embasamento à alteração. Sem sucesso.
A universidade informou apenas que há "várias" simulações, mas não as mostrou. Afirmou ainda que a ideia é "ajustar" os bônus nos próximos anos e incentivar que mais alunos de escolas públicas prestem o vestibular.
O próprio reitor, João Grandino Rodas, disse logo após a votação que uma possibilidade era aumentar os bônus nos cursos mais elitizados, como medicina e engenharia.
PRESSÃO
A alteração aprovada pela USP foi feita após o governador Geraldo Alckmin (PSDB) pressionar as universidades a se tornarem menos elitistas.Nas federais, já neste ano, começou a implementação das cotas, tanto para escolas públicas quanto para negros.
Alckmin e os reitores chegaram a apresentar um modelo de metas no final do ano passado, que previa que, até 2016, metade dos calouros sairiam das escolas públicas, sendo 35% deles pretos, pardos ou indígenas.
Pressionadas, mas com autonomia, as universidades buscaram alternativas à proposta. A USP determinou que as metas podem ser atingidas até 2018; a Unicamp, até 2017. Não haverá punição caso os objetivos não sejam atingidos.
Além disso, as duas instituições recusaram uma das ações propostas pelo governo: a criação do "college" --um curso intermediário semipresencial, de dois anos, em que os alunos que terminassem o ensino médio poderiam estudar nas universidades.
"Foi mais uma maneira da USP de burlar a sociedade", afirma Frei David, presidente da ONG Educafro.
"A USP está acirrando os ânimos da comunidade negra. Não aceitaremos sermos enganados mais uma vez."
No vestibular deste ano, não houve nenhum negro aprovado no curso de medicina, por exemplo.
OUTRAS INSTITUIÇÕES
A direção da Unicamp também não apresentou ao Conselho Universitário ou à reportagem os estudos que embasaram o aumento em seus bônus no vestibular.Das três universidades estaduais paulistas, apenas a Unesp decidiu manter 2016 como prazo para se atingir as metas de inclusão.
Foi a primeira das três instituições a tomar uma decisão, em abril passado.
Mas a instituição não fez alterações na sua seleção e não deixa claro como aumentará a participação de quem estudou em escolas públicas entre os matriculados.
Apesar de sua proposta ter sido alterada, gestão Alckmin afirma estar satisfeita com decisões das universidades
Uma das dificuldades para chegar aos objetivos é a baixa procura das escolas públicas ao vestibular
"A aprovação das metas pelas universidades é a espinha dorsal da proposta", diz Carlos Vogt, assessor especial do governo para assuntos de ensino superior.
De acordo com ele, cada universidade fará o que for preciso para atingir as metas.
"As universidades estão avaliando suas próprias estratégias", afirma.
Em privado, professores que participaram da elaboração da proposta inicial do governo --que teve o apoio dos reitores-- afirmam que chegaram a temer que as metas nem fossem aprovadas pelos Conselhos Universitários.
Um dos problemas, dizem, foi a proposta da criação do "college", que enfrentou forte resistência nas faculdades.
A ideia era que o aluno de escola pública se preparasse melhor no curso intermediário, de dois anos, antes de ingressar nas universidades.
Mas houve críticas em relação ao modelo semipresencial e à demora que haveria até o aluno entrar na USP, na Unesp ou na Unicamp.
Assim, o governo passou a defender que o importante eram as metas. As ações ficariam a cargo de cada escola.
ATRATIVIDADE
Um dos problemas para que as metas de aprovados egressos do ensino médio público sejam atingidas é a baixa procura desse público pelos vestibulares.Apesar de a rede pública representar 85% do total de matrículas no Estado, a participação desses alunos entre os inscritos na Fuvest é de apenas 35%. Na Unicamp, a taxa chega a 28%.
Professores da USP envolvidos nas discussões apontam que corre-se o risco de se aprovar estudantes com muito deficit de conteúdos se a universidade "forçar" que 50% dos calouros sejam de escolas públicas.
Além disso, é preciso garantir que os alunos permaneçam nas instituições.
"Sabemos que os alunos que vieram de escolas públicas terão dificuldades, inclusive financeiras, para se manter", afirma Vera Lucia Felicetti, doutora em educação e especialista em inclusão social na educação superior.
"As universidades também precisam se preparar para isso", complementa.
DESIGUALDADE INTERNA
A participação de egressos de escolas públicas varia de curso para curso.Na Unesp, por exemplo, 40% dos matriculados vieram do ensino oficial. Mas, em medicina, a taxa cai para 2%.
A universidade afirmou, via assessoria de imprensa, que aposta em cursinhos pré-vestibulares gratuitos para que as metas sejam atingidas.
Assim, quem não teve um bom ensino médio --que, em geral, é particular-- poderia compensar o deficit no cursinho da própria Unesp.
A partir deste ano, a USP também seguirá estratégia dos cursinhos. Serão oferecidas mil vagas, destinadas a alunos que tiveram bom desempenho no vestibular. Eles também ganharão auxílio financeiro.
ANÁLISE
Universidades exerceram sua autonomia e mudaram plano
LEANDRO TESSLERESPECIAL PARA A FOLHAO Pimesp (programa para inclusão social nas universidades paulistas, apresentado em dezembro) propõe atingir o mesmo objetivo da lei de cotas das instituições federais de ensino superior por meio de uma formação inicial em um colégio semipresencial e posterior transferência.Na proposta, essas metas deveriam ser atingidas até 2016. Como as universidades estaduais paulistas gozam de autonomia, o projeto precisava ser aprovado nos Conselhos Universitários.
USP, Unicamp e Unesp recusaram a transferência automática dos alunos do curso semipresencial e também o prazo proposto para se chegar às metas (só a Unesp manteve o prazo).
A Unicamp decidiu dobrar o bônus que já concedia no vestibular aos oriundos de escola pública. A USP também aumentou o seu bônus.
As medidas permitem prever que a meta do Pimesp será atingida em qualquer prazo? Não. Ou pelo menos não foram fornecidos aos conselheiros dados que demonstrem isso claramente. As decisões foram tomadas em um prazo bastante curto.
É possível chegar a 50% das vagas para oriundos da escola pública admitindo os melhores talentos?
Sim, mas somente se o percentual de candidatos de escola pública for de 50%. Não, se ele se mantiver em 30%.
É difícil entender por que a lei de cotas e o Pimesp propõem só 50% enquanto 88% dos concluintes do ensino médio saem da rede pública.
Não há cota capaz de compensar uma formação deficiente. O ideal seria romper a separação que se configura com as crianças das classes A e B estudando em escolas particulares quase totalmente brancas e as demais em escolas públicas, que em média formam mal os estudantes.
Inclusão social requer uma mudança na sociedade. O convívio entre brancos e pretos, pobres e ricos deve ocorrer desde o início da formação, não só durante o ensino superior.
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