sábado, 13 de julho de 2013

Santa e pecadora(História da Igreja é feita de momentos heroicos e degradantes) - J. D. Vital‏

Santa e pecadora 

Brasil recebe este mês a Jornada Mundial da Juventude, maior evento católico em congregação de jovens, que terá a presença do papa Francisco. História da Igreja é feita de momentos heroicos e degradantes
 



J. D. Vital

Estado de Minas: 13/07/2013 

Depois que Jesus morreu crucificado, ressuscitou e subiu aos céus, aqueles a quem Ele chamava de amigos permaneceram em Jerusalém, reunidos “na sala de cima onde costumavam ficar”, segundo os Atos dos apóstolos. Não passavam de 120 seguidores, entre eles Maria, a mãe de Jesus, os apóstolos e algumas mulheres piedosas.  

Eles tinham acompanhado o Mestre a Jerusalém para a celebração da Páscoa. Mas dera tudo errado. Membro do bando de “vagabundos” sem trabalho e endereço fixos que seguiam o Nazareno, Judas Iscariotes traiu Jesus e o entregou aos sacerdotes do templo. Esses o acusaram de blasfêmia e o colocaram nas mãos de Pôncio Pilatos, nomeado pelo imperador Tibério como o quinto governador da província romana da Judeia.

A crucificação era um espetáculo banal naqueles tempos, segundo o historiador Flávio Josefo. Três décadas antes, quando Jesus tinha entre 2 e 3 anos, o general Varo incendiou cidades da região, fez milhares de prisioneiros e crucificou 2 mil judeus que desafiaram o império de César.

Agora, os primeiros cristãos escondiam-se. Oravam, repartiam o pão e ouviam os apóstolos. Inauguraram assim a tradição de viver em assembleia permanente e daí surgiu o nome da instituição: eclésia, assembleia em grego; igreja, em português.

 Depois do episódio de Pentecostes, quando línguas como que de fogo desceram sobre eles, os discípulos perderam o medo. Pedro foi pregar em praça pública. Havia muitos judeus da diáspora em Jerusalém e, cada um em seu idioma, ouviu Pedro. Muitos aderiram à nova fé e foram os primeiros missionários do cristianismo. De volta às suas cidades, estabeleceram as primeiras comunidades cristãs em Antioquia e Alexandria, no Egito; em Damasco, na Síria; e na própria Roma.

Em Jerusalém, a igreja primitiva deu passos para recompor seu grupo dirigente depois do suicídio do traidor e para se organizar como a instituição religiosa que, 2 mil anos depois, ultrapassaria a casa de 1,214 bilhão de batizados, segundo o Anuário pontifício de 2013.

Pedro ganhou o reconhecimento de líder da comunidade. Ele tomou a iniciativa de encontrar alguém para substituir Judas no colégio dos 12 discípulos, chamados de apóstolos, “enviados” em grego. Apresentaram-se dois candidatos – José e Matias. Na dificuldade de escolher um, rezaram pedindo luz divina e, em seguida, tiraram a sorte entre os dois homens. A sorte caiu sobre Matias.

Dessa forma, ficaram sacramentadas duas tradições: o primado de Pedro, mais tarde bispo de Roma e primeiro dos 266 papas da Igreja; e a escolha dos sucessores dos apóstolos para a recomposição do colégio episcopal, atualmente com cerca de 5 mil bispos.

Logo em seu nascedouro, a Igreja foi marcada por desavenças e o convívio entre santos e pecadores. Ainda hoje, durante as missas celebradas diariamente no planeta pelos 413 mil padres (22 mil no Brasil) há uma oração no Canon, logo após a consagração eucarística, em que o mistério divino e humano da instituição é relembrado. O sacerdote convida os fiéis a rezarem pela Igreja, santa e pecadora. Pecadora como no episódio do casal Ananias e Safira, que contrariando o costume da comunidade primitiva, vendeu um terreno e escondeu para si parte do valor da venda.

Religião de sapateiros Com o reforço de Paulo de Tarso, a Igreja ganhou ares cosmopolitas. Judeu fundamentalista, Paulo considerava hereges os seguidores de Jesus. De perseguidor dos cristãos converteu-se em principal propagandista da “boa notícia” (evangelho, em grego) expandindo a nova religião até os confins do império romano.
Para isso, Paulo não temeu enfrentar o número um do cristianismo. Ele se posicionou contra o conservadorismo de Pedro que, temeroso em contrariar a comunidade de Jerusalém, hesitava se o cristão precisava seguir as normas do judaísmo – a circuncisão, por exemplo. Paulo venceu.

Na adolescência da Igreja, o cristianismo é visto como uma seita de gente humilde, de escravos e populacho. Ou, na palavra de Aulus Cornelius Celsus (25 a.C – 50 d.C), “uma religião de cardadores (ajudantes de tecelagem), sapateiros e engomadores”. Mais tarde, alastra-se entre gente do Exército e da nobreza.

O sucesso entre os romanos custou caro à jovem instituição, considerada clube de hereges. O imperador Nero, morto no ano 68, criou um instrumento jurídico para legalizar a perseguição aos cristãos. “Non licet esse christianos” (Não é lícito ser cristão), segundo relato do cartaginês Tertuliano.

O apóstolo Pedro foi crucificado nesse período, no ano 64. Não se sabe quantos cristãos foram mortos durante as perseguições romanas, talvez alguns milhares. Mas a religião de Jesus crescia e multiplicava-se porque, segundo Tertuliano, “o sangue dos mártires é semente de cristãos”.

Os cristãos refugiaram-se nas catacumbas, que ainda hoje podem ser visitadas em Roma, uma delas a de São Calisto. O imperador Valeriano (253–260) tentou extirpar o cristianismo perseguindo os cabeças da Igreja, ou seja, os bispos, sacerdotes e diáconos.

Nos períodos de caça aos cristãos, como nos dias da mais cruel perseguição desencadeada pelo imperador Diocleciano (302 a 311), a face humana do cristianismo não raras vezes ofuscou o brilho dos mártires. No livro de Hermas, de meados do século 2, há registro de casos de apostasia de cristãos, que para fugir da morte aceitam sacrificar aos deuses pagãos. Noticia-se também sobre um mal que se pensava contemporâneo: os ricos não aceitavam ficar ao lado dos pobres nas assembleias eucarísticas. A corrupção enlameava alguns diáconos encarregados da administração dos bens materiais da Igreja antiga.

Contudo, os cristãos conquistaram a admiração dos pagãos, como se pode ler em um texto de autor desconhecido, provavelmente escrito em Alexandria entre os anos 90 e 200, a “Carta a Diogneto”.

Os cristãos são apresentados como gente comum, igual a todo mundo. “Casam-se como todos e geram filhos, mas não jogam fora os bebês. Colocam em comum a mesa, mas não a cama. Estão na carne, mas não vivem segundo a carne. Habitam na Terra, mas têm a sua cidadania no céu. Obedecem às leis estabelecidas e com a sua vida superam as leis. Amam todos e por todos são perseguidos. Não são conhecidos e são condenados. São mortos e retornam à vida. São pobres e a muitos fazem ricos; não têm nada e abandonam tudo. São desprezados e nos desprezos têm glória. São ultrajados e proclamados justos. São injuriados e abençoam, são maltratados e honram. Fazendo o bem e são punidos como malfeitores; condenados, se alegram como se recebessem a vida...”.

 A partir do “Edito de Milão” (313) e com a proteção do imperador Constantino, a Igreja sai da clandestinidade. Em 389, o cristianismo foi declarado religião oficial do Estado pelo imperador Teodósio I.  Um século depois, com a invasão dos bárbaros e a queda do Império Romano, a Igreja sobrevive ao caos. E substitui, de certa forma, a antiga estrutura imperial, com seus bispos elevados à condição de administradores das províncias e de príncipes.

Esse processo levou à criação dos estados pontifícios em 756, pelo papa Estevão III. Formados por territórios do centro da Itália, os estados eram governados pelo soberano da tríplice tiara, o papa. A tiara papal, um chapéu em forma de cone com três coroas, foi usada pela última vez por Paulo VI, coroado em 1963. Ela foi arrematada em 1968 pelo cardeal americano Francis Spellman, arcebispo de Nova York, e o dinheiro destinado aos assistidos pela Igreja na África.

Polêmica por natureza A Igreja enfrentou, desde seu início, crises internas, com disputas teológicas sobre questões variadas, como a natureza de Jesus. Os movimentos gnósticos foram condenados como heréticos. Naqueles tempos, conta o frade dominicano Oswaldo Resende, prior dos dominicanos em Belo Horizonte, “discutia-se teologia com a mesma paixão com que hoje se discute futebol”.

Com a tolerância religiosa dos novos tempos, a Igreja passa a enfrentar uma ameaça que deixou marcas na sua organização: a ingerência do Estado. O imperador Constantino convocou e presidiu o primeiro concílio ecumênico, realizado em Niceia, no ano de 325, com a participação de 318 bispos, para combater o arianismo. Padre de Alexandria, Ário ensinava que Jesus possuía uma divindade secundária, de segunda classe.

Mesmo sem saber que o texto tem o dedo imperial de Constantino, ainda hoje os cristãos professam o “Credo Niceno-Constantinopolitano” em dias especiais da liturgia. É um “Creio em Deus Pai” um pouco mais longo, elaborado para refutar as teses heréticas de Ário.

 Foram muitos os movimentos dissidentes, entre eles, os cátaros (puros). Pelágio não aceitava a doutrina do pecado original.  Macedônio negava a divindade do Espírito Santo. Juliano foi chamado de apóstata. Nestório, bispo de Constantinopla, negou que a Virgem Maria fosse mãe de Deus. Frei Oswaldo Resende diz que esses movimentos heréticos podem ser definidos como agrupamentos de iluminados que se proclamavam os escolhidos de Deus.

 Eles foram combatidos pelos “padres da Igreja”, como São Jerônimo, São João Crisóstomo, Santo Ambrósio e Santo Agostinho. Seus escritos, a Patrística, consolidaram os fundamentos doutrinais do cristianismo e sua opção pelos imperfeitos e os pecadores.

Segundo frei Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia nos tempos de Bento XVI, depois de superar a batalha contra o arianismo, a Igreja desenvolveu um grande esforço para levar o evangelho aos povos bárbaros da Inglaterra, Holanda, França e Alemanha. Ele conta: “Um momento decisivo nesta empreitada foi a conversão do rei merovíngio Clodoveu, que, na noite de Natal de 498, ou 499, se deixou batizar pelo bispo de Reims, São Remígio”. Então candidato a governador de Minas, Tancredo Neves apreciava citar esse episódio para fustigar o governo João Batista Figueiredo, que mudara de opinião sobre a organização partidária na primeira eleição direta para os governos estaduais. Provavelmente, Tancredo Neves diria hoje o mesmo do PT de Lula no governo.

Declamada de cor por Tancredo e relembrada por Cantalamessa, a frase famosa foi dita pelo bispo Remígio no momento de batizar Clodoveu: “Mitis depone colla, Sigamber; adora quod incendisti, incende quod adorasti”. “Inclina humildemente a nuca, Sigambro altivo; adora o que tu queimavas, queima o que tu adoravas”.

Nesse período, o italiano Benedetto da Norcia, nascido em 480, fundou a Ordem dos Beneditinos – a mais antiga ordem monástica do mundo. A Regra dos Monastérios foi inspiração para as ordens religiosas. São Bento morreu na Abadia de Monte Cassino, destruída pelo bombardeio aliado e por pracinhas brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial e posteriormente restaurada.


Sopro sobre o barro
Em mais de 2 mil anos de história, a Igreja mostra que, mesmo fundamentada em mensagem universal, se esmerou em responder às demandas da política e da cultura, mas nem sempre de maneira muito santa 


J. D. Vital

Na virada do segundo milênio, a unidade cristã sofreu um abalo que ainda divide a Igreja: o cisma do Oriente. Em 1054, o patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, da Igreja Bizantina, rompeu com a Igreja de Roma. Fazia algum tempo que os orientais não reconheciam a supremacia do papa.

Anos conturbados se seguiram na cátedra de Pedro, com papas depostos, dissolução de costumes e lutas entre cardeais. Os papas já não subiam aos altares para a devoção dos católicos. De Pedro, o primeiro, até João I (523–526), o 53º papa, todos os sumos pontífices foram declarados santos, com exceção de dois: Libério (352–366) e Anastácio II (496–498). A maioria morreu mártir.

Os tempos mudaram. Na Igreja, prosperam a simonia e o nicolaísmo (concubinato de padres, que têm mulheres e filhos). Roma virara terra de escândalos entre os anos de 880 e 950 – afirmam os historiadores.  

 Em sua sina de santa e pecadora, a Igreja gera naqueles tempos obscuros a maior expressão do cristianismo após Jesus – Francesco Giovanni di Pietro Bernardone (1182 – 1226), São Francisco de Assis. Padroeiro da ecologia, sua influência ultrapassa os limites do cristianismo e encanta a humanidade. E perdura com tamanha força que até no filme A dama de ferro, a primeira-ministra Margareth Thatcher, vivida por Meryl Streep, assume o governo inglês em 1979 recitando os versos franciscanos – “onde houver discórdia que eu leve a união”.

Na Idade Média, o cristianismo cria monastérios e catedrais. Monges copistas preservam obras da cultura universal. A arquitetura religiosa brota em toda parte da Europa. Santo Tomás de Aquino (1225 – 1274) recupera o pensamento de Aristóteles para a filosofia e na “Suma Teológica” sistematiza a doutrina cristã.

 Em boa convivência com a Igreja Oriental, os muçulmanos durante séculos permitiram o livre acesso dos cristãos a Jerusalém. Após o cisma, a situação mudou. O papa Urbano II organizou em 1095 a primeira expedição de libertação, que recebeu o nome de cruzada porque os soldados estampavam uma grande cruz em suas vestimentas.

Com a morte de Clemente IV, em 1268, o trono de Pedro permaneceu vago quase três anos, devido às disputas de poder. Como os cardeais não chegavam a um consenso, o povo romano trancou-os, “cum clave”, ou seja, com chave, até que elegessem o papa. A medida deu resultado. Em 1º de setembro de 1271, foi eleito o cardeal Teobaldo Visconti com o nome de Gregório X. Daí em diante, a eleição dos papas ganhou o nome de conclave.

Na sucessão do papa Nicolau IV, em 1292, aconteceu outro período de vacância no Vaticano, embora os cardeais fossem apenas 12. Em 5 de julho de 1294, finalmente, a Igreja conheceu o novo papa. E ele era um santo. Foram buscar o monge beneditino Pietro Del Morrone, que vivia em uma caverna, para calçar as sandálias do Pescador.

Aos 79 anos, montado em um burro, Celestino V entrou na cidade de L’Aquila, a poucos quilômetros de Roma. A esperança de conversão do papado e de renovação da Igreja não durou seis meses: em 13 de dezembro do mesmo ano, Celestino V renunciou.

Marcha da insensatez A cidade francesa de Avignon, a 650 quilômetros de Paris, foi de 1309 a 1377 residência de sete papas – chamados papas franceses, por sua subordinação aos reis da França.

A volta de Gregório XI ao Vaticano, em 1377, por intervenção direta de Santa Catarina de Sena, não encerrou a confusão. Ao contrário, criou uma crise que ameaçou a unidade da Igreja, conhecida como grande cisma do Ocidente, com um papa em Roma, outro em Avignon e o terceiro em Pisa. Eles se excomungaram mutuamente.

O ambiente na corte vaticana só piorou dali para frente. Dá para repetir a pergunta que o papa Bento XVI fez em 2008, durante visita ao campo de concentração de Auschwitz, na Polônia: “Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele se calou então? Como pôde tolerar este excesso de destruição, este triunfo do mal?”.

Paradoxalmente, é desse período obscuro da Igreja que hoje a civilização ocidental mais se orgulha, quando milhões de turistas se extasiam diante dos tesouros artísticos preservados nos museus vaticanos.
 
O nepotismo tomou conta de Roma. Sisto IV (1471–1478), que construiu a Capela Sistina, nomeou cardeais sobrinhos e primos. Júlio II, o papa de botas, pai de três filhas, descansava das batalhas contemplando Michelangelo Buonarotti pintando o teto da Capela Sistina. Na parede atrás do altar, seu afresco do juízo final resume o esplendor da Renascença.  

Quando a América foi descoberta por Cristóvão Colombo, em 1492, e Pedro Álvares Cabral desembarcou em Porto Seguro, em 1500, reinava em Roma um papa espanhol, o nobre Rodrigo Borgia, símbolo dos tempos de trevas na Santa Sé. Ricaço e sem escrúpulos, Rodrigo subornou membros do colégio cardinalício com tesouros, bispados e posições eclesiásticas para chegar ao trono de São Pedro.

Em 11 de agosto de 1492, Borgia iniciou seu pontificado como Alexandre VI. Na corte papal, orgias sexuais, assassinatos, corrupção e comércio de nomeações clericais tornaram-se triviais. Foi numa festa em seu palácio que o cardeal Rodrigo Borgia, bispo titular da diocese de Porto (onde funciona o Aeroporto Internacional Leonardo Da Vinci, em Fiumicino), enamorou-se da linda Giulia Farnese, a mulher mais bela do Renascimento segundo a crônica da época.

 A dissolução dos costumes desmoralizava o comando da Igreja. O frade dominicano Girolamo Savonarola rebelou-se e acabou queimado em praça pública. Tantos crimes, segundo a historiadora norte-americana Barbara Tuchman no livro A marcha da insensatez, resultaram em nova cisão no cristianismo, com o advento da reforma protestante de Martinho Lutero, monge da ordem agostiniana.

Para financiar a construção da atual Basílica de São Pedro, iniciada em 1506, o papa Leão X definiu um sistema de indulgências para os doadores de dinheiro. Lutero esteve em Roma e não gostou do que viu. Em 1517, o monge alemão pregou na porta da igreja de Wittenberg 95 teses que desaguaram no rompimento com Roma. Em 1534, o rei inglês Henrique VIII, que de tão fiel a Roma mandara queimar escritos de Lutero, também rompeu com o papado, porque Clemente VII não aceitou anular seu casamento com a espanhola Catarina de Aragão. Ele queria casar-se com Ana Bolena. Assim nasceu a Igreja Anglicana.

Nesse mesmo período, funcionou o tribunal do Santo Ofício para investigar e punir judeus e cristãos heréticos. A Inquisição Espanhola, fundada em 1478, sob o comando de Tomás de Torquemada, queimou na fogueira cerca de duas mil pessoas processadas nos autos de fé. No reinado dos reis católicos Fernando e Isabel, cerca de 170 mil judeus fugiram da Espanha.

Como contraponto, a Espanha comparece nessa época com nomes de primeira grandeza: Bartolomeu de las Casas, Teresa de Ávila e Inácio de Loyola. O dominicano Bartolomeu de las Casas, intitulado “protetor dos índios” pela coroa espanhola, lutou, em vão, contra as atrocidades cometidas pelos cristãos na jovem América.

Teresa reformou a ordem carmelita e 400 anos depois foi declarada doutora da Igreja por Paulo VI. Em 1540, Inácio de Loyola fundou em Roma a Companhia de Jesus, a ordem dos jesuítas, e iniciou o movimento da contrarreforma protestante. Em 1541, inaugurou o Colégio Romano para a formação do clero, atual Pontifícia Universidade Gregoriana.

A Igreja reage à expansão do protestantismo, convocando em 1546 o Concílio de Trento – o mais longo dos 19 concílios. Só encerrado em 1563, Trento disciplinou e modificou a Igreja. Determinou a criação de seminários para a formação do clero e tornou o celibato sacerdotal obrigatório; regulou a nomeação dos bispos e definiu a hierarquia, a supremacia papal; unificou o missal e a liturgia para a celebração da missa; criou o “Index librorum prohibitorum” (lista de livros proibidos); legislou sobre os sacramentos, indulgências e o catecismo.

Os jesuítas desempenharam um papel importante na formação religiosa e cultural do Brasil. Sem sua atuação em defesa dos nossos primeiros habitantes, o massacre das tribos indígenas teria sido maior. Para cá vieram em 1547 na comitiva de Tomé de Souza os primeiros cinco jesuítas. Um deles, o padre Manoel da Nóbrega.

A pedido dele, a Companhia de Jesus enviou uma segunda leva de missionários ao Brasil e nela estava José de Anchieta, com menos de 20 anos. Ele chegou em 13 de junho de 1553 na expedição de Duarte Góis. No ano seguinte, Anchieta participou da fundação do Colégio de São Paulo, origem da capital paulista.

Padre Antônio Vieira notabilizou-se em sua obra literária (Sermões) pela inteligência, a defesa dos índios e do reino de Portugal. Não teve o mesmo ímpeto no combate à escravatura. No “Sermão décimo quarto”, pregado em 1633 no engenho de São João Evangelista, na Bahia, Vieira diz aos negros presentes que deviam “dar infinitas graças a Deus por vos ter dado conhecimento de si, e por vos ter tirado de vossas terras, onde vossos pais e vós viveis como gentios; e vos ter trazido a esta, onde instruídos na fé, vivais como cristãos, e vos salveis”.

Durante os 300 anos de escravidão negra no Brasil, a Igreja Católica não fica bem na foto, segundo o cientista político e historiador mineiro José Murilo de Carvalho. Com raras exceções. Uma delas foi o lazarista português e sétimo bispo de Mariana, dom Antônio Ferreira Viçoso (1787-1875).

 O professor Maurílio Camello e o bispo dom Gil Moreira lembram sua luta abolicionista: ele proibiu os padres de Mariana de serem proprietários de escravos.  Dom Viçoso estava em sintonia com Joaquim Nabuco, que em audiência pediu a Leão XIII a condenação da escravatura. O papa se mostrou de acordo, mas, por artes do gabinete conservador brasileiro, sua bula a favor dos escravos somente chegou ao Brasil depois de a princesa Isabel assinar a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888.

De volta às origens Leão XIII rompeu o isolamento da Igreja num mundo que fervia de ideias novas. A independência dos Estados Unidos da América, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial na Inglaterra desafiam uma Igreja habituada ao sistema medieval. Em vez de servos, a Europa tinha agora trabalhadores organizados em sindicatos. Surgem santos com preocupação social, como os italianos dom Bosco e dom Orione.

Em 1891, Leão XIII lança a encíclica Rerum novarum e inaugura a doutrina social da Igreja. Em 1917, durante os conflitos da Primeira Guerra Mundial, outra revolução, desta vez na Rússia, perturba a Igreja.  Os comunistas de Moscou explodem catedrais, perseguem padres e bispos.

Papa Pio XII enfrenta dias difíceis durante o regime nazista de Adolf Hitler, que promoveu a matança de judeus. Finda a Segunda Guerra Mundial, explode a Guerra Fria, dividindo o mundo em esferas de influência dos Estados Unidos e da União Soviética, em meio a conflitos coloniais e tribais na África.

Eleito em 1958, João XXIII convoca o Concílio Vaticano II. Ele revolucionou a Igreja e morreu como santo. Esse grande concílio, que em 2012 completou 50 anos de sua abertura, reconduziu a Igreja às suas origens. Abriu o diálogo com os judeus, os cristãos do Oriente e com os protestantes. Iniciou uma aproximação com os anglicanos. Reaproximou a Igreja dos mais pobres e reconciliou-a com a ciência, da qual andava afastada desde que o Santo Ofício condenou o astrônomo italiano Galileu Galilei (1564 – 1642), defensor do heliocentrismo.

Novos focos de tensão colocam a Igreja em confronto com a modernidade, como a questão do aborto e a pílula anticoncepcional, largamente usada pelas católicas, à revelia do ensinamento oficial. O divórcio tornou-se banal mesmo em países de forte tradição cristã, como Portugal, Espanha e o Brasil.

Os cardeais elegem papa o polonês Karol Wojtyla. Ele toma o nome de João Paulo II. O papa globe-trotter arrasta multidões em suas frequentes viagens pelos continentes, mas tem sua autoridade desafiada pelos seguidores da Teologia da Libertação.

 A partir de ideias difundidas pelo dominicano peruano Gustavo Gutierrez, muitos sacerdotes passaram a se valer das técnicas e teorias do marxismo ateu para anunciar o evangelho, como forma de combater as desigualdades e a injustiça social.

Segundo o ex-jesuíta Malachi Martin, a Nicarágua foi o campo de teste da Teologia da Libertação, sob a liderança dos irmãos Fernando e Ernesto Cardenal – o primeiro, padre jesuíta; o outro, da congregação dos padres Maryknoll. Dezenas de sacerdotes participaram ativamente da revolução sandinista. Até pegaram em armas.

 Palmatória dos teólogos de esquerda, João Paulo II não se constrangeu em apoiar, abertamente, a derrubada do regime comunista soviético, por meio de seu conterrâneo sindicalista Lech Walesa. Tempos de debandada de sacerdotes.  Mais de 120 mil padres deixaram a batina entre 1960 e 1980, período de rearrumação da Igreja.

Quando a Igreja conseguiu estancar sua sangria, uma crise muito mais grave veio a público: os escândalos de pedofilia no clero. Escancarados na mídia, os crimes dos padres pedófilos abalaram a Igreja Católica, com destaque para os Estados Unidos, a Irlanda e até a cidade alagoana de Arapiraca.

Disputas pelo poder na cúria romana, suspeitas de fraudes e de lavagem de dinheiro no Banco do Vaticano, bispos e cardeais acusados de abuso sexual fragilizaram Bento XVI. A exemplo de Celestino V, ele renunciou ao papado. Com inspiração, os cardeais elegeram o argentino Jorge Mario Bergoglio com o nome de Francisco. Carismático, ele já recuperou boa parte da credibilidade da Igreja.

Fundada há 2 mil anos por Jesus de Nazaré, a Igreja parece condenada a conviver mais com pecadores do que com santos, seguindo sua herança de compaixão pelos que pecam. Essa surpreendente organização (a mais antiga instituição ocidental ainda em pé, segundo o escritor americano Peter Drücker) equilibra-se na misteriosa dualidade de um corpo feito de barro animado pelo sopro divino.
 
J. D. Vital é jornalista e autor de Como se faz um bispo segundo a alto e o baixo clero (Editora Civilização Brasileira).

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