sábado, 13 de julho de 2013

Novos blocos comerciais enfraquecem o Mercosul? [tendências/debates]

folha de são paulo
IVAN RAMALHO
TENDÊNCIAS/DEBATES
Novos blocos comerciais enfraquecem o Mercosul?
NÃO
Integração sul-americana: mitos e verdades
O Mercosul enfrenta críticas vinculadas à não conclusão de novos acordos comerciais e ao grau de liberalização de suas economias. De modo geral, tais análises marcam alegada rivalidade com a recém-constituída Aliança do Pacífico (Chile, Colômbia, Peru e México).
A Aliança tem merecido atenção por seus objetivos comerciais inegavelmente liberalizantes. O grupo procura se aproximar dos centros mais dinâmicos do comércio mundial e estabelecer procedimentos de ampla facilitação comercial. Esses objetivos não são distantes dos perseguidos pelo Mercosul.
Como representante do Mercosul, participei da cúpula da Aliança em Cali em maio e retornei convicto da convergência entre os dois grupamentos. A Aliança anunciou liberalização comercial de 90% dos itens comuns do universo tarifário até o final de junho. Esse nível de desgravação já foi alcançado pelo Mercosul, graças à rede de acordos mais antiga e plenamente consolidada.
São também convergentes iniciativas que buscam a ampliação de investimentos estrangeiros. Em 2012, os países do Mercosul receberam US$ 84 bilhões em IED (investimentos estrangeiros diretos), enquanto na Aliança os IED foram de US$ 71 bilhões. Destaque-se que, nos últimos anos, muitos dos investimentos recebidos pelo Mercosul foram de países da Aliança e também são muitos os investimentos de países do Mercosul naquele bloco.
O fator relevante de aproximação, contudo, está no fato de que os integrantes da Aliança já são países associados do Mercosul, participando das reuniões semestrais do bloco. Existem tratados em vigor que estabelecem grandes níveis de desgravação e facilitação, inclusive com concessões do Mercosul que buscam expandir o comércio com os países da Aliança. Certamente é por isso que esses países registram com o Mercosul um comércio anual de US$ 20 bilhões, exatamente o mesmo nível que alcançam em seu próprio comércio intrabloco.
Com o ingresso da Venezuela, o Mercosul promoveu verdadeira reconfiguração geoestratégica da América do Sul. Também já foi assinado o protocolo de adesão da Bolívia, e é grande a expectativa por novos membros plenos como o Equador. Guiana e Suriname, por sua vez, acabam de tornar-se membros associados.
O Mercosul estende-se do Caribe à Patagônia e apresenta números muito expressivos: PIB de US$ 3,3 trilhões (83% do PIB da América do Sul), com taxa de crescimento de 4,3% entre 2002 e 2011 e mercado consumidor de 276 milhões de habitantes. O comércio intrazona cresceu de US$ 5 bilhões para US$ 60 bilhões em 20 anos e o comércio exterior se aproxima de US$ 1 trilhão por ano, o que faz do Mercosul um dos mais expressivos blocos de comércio mundiais. As regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil são agora vizinhas de membros plenos, o que certamente ensejará maior interesse pela integração.
Está também consolidada agenda abrangente na área social do Mercosul. São muitas as decisões, programas e instrumentos existentes. O Fundo de Convergência Estrutural (Focem) financia US$ 1 bilhão em projetos voltados à redução de assimetrias. Há acordos sobre contagem de tempo para aposentadoria, residência, mobilidade de cidadãos (inclusive para trabalho em outros países), isenção de vistos, intercâmbio acadêmico, reconhecimento de títulos e acreditação de carreiras.
O Mercosul apresenta-se como a experiência sul-americana consolidada mais bem-sucedida de integração. Suas iniciativas comerciais, que também alcançam os países da Aliança, estão transformando a América do Sul em ampla área de livre-comércio.

ROBERTO LUIS TROSTER
TENDÊNCIAS/DEBATES
Novos blocos comerciais enfraquecem o Mercosul?
SIM
Pátria Grande
Os primeiros passos para a construção de uma América Latina integrada foram dados pelos libertadores José de San Martín, da Argentina, e Simón Bolívar, da Venezuela, que expulsaram os colonizadores do continente. Compartiam o mesmo ideal, mas tinham visões opostas sobre o processo.
A visão sanmartiniana era a de um bloco continental integrado norteado por um marco institucional. A bolivariana era a de uma liderança pessoal forte conduzindo o processo. Foi a que prevaleceu, com uma abundância de caudilhos populistas que transformaram o sonho em pesadelo, retalhando o continente com lutas entre irmãos.
Quase dois séculos depois, o Mercosul despertou o projeto da Pátria Grande. Uruguai, Argentina, Paraguai e Brasil firmaram um acordo que era o embrião de uma América Latina focada em construir uma potência. Os planos iniciais eram audaciosos, incluíam até uma moeda única para o bloco, batizada de "gaucho". Outras partes do mundo tiveram projetos de integração, o mais conhecido foi o da União Europeia.
O Mercosul avançou em várias frentes como educação, cultura, turismo e pesquisa. Entretanto, na economia, a visão sanmartiniana foi mais uma vez derrotada. Os egos dos líderes pesaram mais. Registram-se poucos desenvolvimentos na sincronia das políticas macroeconômicas, minando as perspectivas do projeto. Os desequilíbrios são cada vez maiores. Agravando o quadro, por motivo torpe, o Paraguai, que agora será reintegrado, fora afastado do bloco e a Venezuela, convidada em seu lugar.
Se na costa do Atlântico, o cenário piorou, no outro lado do continente começou a se vislumbrar uma saída. Foi formada a Aliança do Pacífico em 2011. Peru e Chile, que já haviam travado uma guerra entre si no passado, juntos com Colômbia e México, puseram em prática o sonho de San Martín.
O grupo se autointitula a oitava economia do planeta, tem um projeto ambicioso de integração, já anunciou embaixadas comuns e tem dois países observadores, Costa Rica e Panamá, com intenções de participação. Trabalham a todo vapor no projeto.
Em dois anos, construíram mais do que o Mercosul em 20 e provaram que o sonho da Pátria Grande pode virar uma realidade. É uma oportunidade para ações e ambições.
Nesse sentido, a Câmara Argentina Brasil propôs a reintegração urgente do Paraguai ao Mercosul e avanços na integração. Há muitos ganhos a usufruir.
Novos acordos estão acontecendo em todo o planeta. São ferramentas potentes para crescer, atrair investimentos e abrir mercados. O mais importante é a intenção de um livre-comércio entre a União Europeia e os Estados Unidos, que pode mudar a economia mundial. Em todos os blocos, quanto maior e mais integrado, melhor. Urge reagir.
O momento permite que todo o Mercosul ambicione a integração com a Aliança do Pacífico e concretize a Pátria Grande. Faria da América Latina a terceira economia do mundo. É difícil que aconteça.
Lamentavelmente, a colonização ibérica foi substituída pela colonização populista. A boa notícia é que líderes de tal vertente já começaram a ser expulsos do outro lado da cordilheira dos Andes, libertando-o do atraso. Melhor só se isso acontecer do lado de cá das montanhas.

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