domingo, 25 de agosto de 2013

Aqui se faz, aqui se vê [Cine Holliúdy] - Carolina Braga

Cine Holliúdy, comédia falada em "cearensês", dirigida por Halder Gomes, tem estreia vitoriosa em Fortaleza e nova estratégia de lançamento de olho no público local 


Carolina Braga

Estado de Minas: 25/08/2013 


O diretor Halder Gomes levou para Cine Holliúdy , com Edmilson Filho, suas memórias de criança sobre   o cinema no interior do Ceará (Downtown Filmes/Divulgação)
O diretor Halder Gomes levou para Cine Holliúdy , com Edmilson Filho, suas memórias de criança sobre o cinema no interior do Ceará

Pense em um lugarzinho longe. Agora imagine um cabra da peste e, logo, uma aventura “estrambólica”: o desafio do cara que enfrenta sozinho a televisão. Na ficção, esse é Francisgleydisson. Na realidade, também é mais ou menos assim a saga de Halder Gomes, seu criador. Desde que a comédia Cine Holliúdy, dirigida por ele, chegou às salas de Fortaleza e região, o filme bagunçou a lógica de distribuição de cinema no Brasil.

“É como se tivesse me tornado um popstar, mas sem ser. Era um filme pequeno que tomou a dimensão de uma coisa mega”, reconhece o cineasta. Nos dois primeiros fins de semana em cartaz, Cine Holliúdy levou aos cinemas cerca de 80 mil espectadores. Os números, como ele gosta de dizer, inauguraram novas curvas no mercado.

Foram apenas nove cópias em cartaz em Fortaleza e com elas alcançou o feito de ter uma média de público de 2.998 espectadores por sala. Como parâmetro, Halder cita o caso de Tropa de elite 2, que ainda é o filme nacional com uma das maiores aberturas (público de 1.309.324), porém dono da média de 1,8 mil pessoas por sala.

“Nosso número é tão fora da curva que não existe nos padrões do mercado”, ressalta. Há mais curiosidades. De acordo com o realizador, depois da estreia o padrão é que o público caia. “Subimos 60% na comparação de uma semana com a outra. Chegou ao ponto de alguns cinemas colocarem placas no estacionamento com o aviso sobre as sessões esgotadas”, conta.

Tudo isso, no entanto, não foi novidade para ele. Halder já sabia do potencial do longa desde que finalizou o curta O artista contra o cabra do mal, considerado um recorte do que Cine Holliúdy se tornou. O “experimento” foi exibido em 80 festivais, de 20 países, além de ter conquistado 42 prêmios. Quando foi para as locadoras cearenses, outro susto. “Ele simplesmente bateu todos os grandes filmes da época. Até ganhadores de Oscar”, conta Halder. Ou seja, a plateia estava formada.

“Já tinha noção de que esse tipo de humor e esse personagem eram muito fortes”, diz. Porém, nem tudo foi tão fácil como parece. Cine Holliúdy foi feito com apoio do edital de filmes de baixo orçamento do Ministério da Cultura. O longa custou apenas R$ 1 milhão, o que é relativamente pouco para os padrões do cinema brasileiro. Depois que ficou pronto, Halder chegou a tentar o caminho tradicional dos festivais, mas deu com muitas portas na cara. Passou então a lutar com as próprias armas. O maior trunfo? Conhecer muito bem seu público.

Halder Gomes define Cine Holliúdy como um filme pessoal. Para começar, é o primeiro exemplar nacional totalmente falado em “cearensês”, legendado em português. O esforço de Francisgleydisson (papel de Edmilson Filho) em manter em funcionamento o cinema no interior do Ceará pode ser confundido com a história do realizador. “É a memória da minha infância no interior”, diz. Até a questão da luta livre – presente na trama – é ponto em comum entre criador e criatura.

Luta e guerrilha Mestre em tae-kwon-do, Gomes costumava ir a Los Angeles para competir na década de 1990. Com os filmes de artes marciais em alta, percebeu que poderia juntar as duas paixões. Se tornou dublê profissional em Hollywood, tendo trabalhado em longas como Jogo final, com Dragon Wilson. “Foi lá que aprendi que cinema é mais administração do que qualquer outra coisa”, afirma. Por coincidência era justamente essa a formação acadêmica do lutador.

Na tarefa de transformar o conhecimento acadêmico em prática, Halder planejou absolutamente tudo. “Nada disso está acontecendo de forma aleatória”, lembra. Aquele velho ditado de que o boi só engorda com o olho do dono também se aplica aqui. Meses antes da estreia, Halder visitou pessoalmente cada uma das salas que exibiriam seu trabalho.

Em shoppings e outros pontos estratégicos de Fortaleza espalhou glossários em “cearensês”. O inusitado chamou a atenção de nativos e turistas. “Todo mundo parava para ver. Coloquei também o código para que as pessoas pudessem ver o trailer no celular. São ações de guerrilha que a gente acaba criando para disputar em um mercado que é muito competitivo.”

Partida ganha em casa, hora de jogar em outros campos. Em 30 de agosto, Cine Holliúdy estreia em Manaus, Belém, São Luís, Maceió, Natal, Salvador, Recife, João Pessoa, Campina Grande, Aracaju e Teresina. “Em 3 de setembro vamos sentar para definir os próximos passos. Esse lançamento é um laboratório para a gente. Tudo tem sido bem estratégico, com investimentos graduais. Vamos definindo um novo modelo”, reconhece.


Menos, menos

Até Chaplin já apareceu na onda de Cine Holliúdy. Obra de Fernando Meirelles. Adepto das frases de efeito no Twitter, o diretor de Cidade de Deus usou os 140 caracteres para atestar a força da criação do cearense Halder Gomes. “A última sequência do filme, onde ele conta para a plateia, é antológica. Chaplin ficaria de boca aberta”, publicou Meirelles.
Minas e Sul apostam em público regional
Publicação: 25/08/2013 04:00
Helvécio Ratton planeja ação especial em Minas para lançamento de seu O segredo dos diamantes (Estevam Avellar/Divulgação)
Helvécio Ratton planeja ação especial em Minas para lançamento de seu O segredo dos diamantes

Prestes a lançar O segredo dos diamantes, o mineiro Helvécio Ratton vê com bons olhos a estratégia adotada por Halder Gomes em Fortaleza. “É uma inteligência fazer uma distribuição não automática, menos rotineira, e assim perceber a força desses filmes”, comenta. Como o diretor do documentário O mineiro e o queijo lembra, a diversidade regional do Brasil é tão grande que as diferenças sempre estiveram marcadas na música e na literatura.

Sendo também um produto cultural, com os filmes não deveria funcionar de outro modo. No entanto, estratégias convencionais das empresas distribuidoras costumam desprezar as características que podem funcionar bem em alguns lugares e muito mal em outros. “Nossos filmes, por exemplo, têm uma distribuição nacional, mas obviamente têm força regional muito maior. O distribuidor não percebe isso porque não lida com essa questão”, acrescenta Ratton.

É o que pretende fazer a produtora gaúcha Marta Machado. Ela planeja para dezembro o lançamento no circuito comercial da animação Até que a Sbórnia nos separe, de Otto Guerra. Como o filme é baseado no espetáculo teatral Tangos & Tragédias, há anos em cartaz no Rio Grande do Sul, a estratégia é aproveitar o apelo local da peça – e espera-se do filme também –, antes de almejar outros mercados.

“Não é exatamente uma estratégia nova, mas costuma estar renegada para terceiro, quarto, quinto planos das distribuidoras, até por uma questão de contexto. Por causa da pirataria, a tendência é lançar em mais lugares de uma vez”, explica Marta. A ideia é investir cerca de R$ 300 mil no lançamento da animação em 20 salas gaúchas, em Porto Alegre e onde mais houver cinemas no interior. É o lucro que vier disso que vai determinar o lançamento em outras praças.

Embora ainda em planejamento, segundo Helvécio Ratton, a estreia de O segredo dos diamantes também levará em conta os elementos mineiros presentes na produção. “O filme é universal, mas obviamente tem Minas Gerais como cenário, os atores são mineiros e é parte de nossa história. Em função desse potencial, devemos ter uma ação muito forte aqui”, adianta.

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