ANÁLISE
RENATA PALLOTTINIESPECIAL PARA A FOLHAHá menos de uma semana, em reunião sobre arte e censura na USP, tratei do tema, cada dia mais delicado, do moralismo na TV. Sob a forma de censura à produção artística, esse moralismo atinge, sobretudo, a telenovela e modelos semelhantes.O aumento da preocupação com a moral, concretizada em rejeições de vários tipos, é uma nova censura.
A censura não deve ser tomada como assunto policial, como na ditadura militar. Ela pode partir de anunciantes e da sociedade em geral, quase sempre fruto da visão moralista dessas categorias.
As empresas que podem vir a subvencionar a produção se afastam quando o conteúdo da sinopse não lhes agrada; a sociedade reduz a audiência e provoca a necessidade de mudanças, de acordo com a sensibilidade da emissora ao seu desagrado.
Se nos reportarmos à telenovela de maior audiência no momento, "Amor à Vida", vemos reações de público e grupos organizados que configuram o repúdio àquilo que, segundo eles, representa o perigo de formar estereótipos: associações médicas se rebelam contra o fato de doutores, na história, serem adúlteros e pouco dedicados ao trabalho; grupos de obesos se solidarizam com a personagem Perséfone, enquanto grupos ligados à questão de gênero lamentam a personalidade do vilão Félix (um dos maiores acertos da novela).
Nossa sociedade atual, sobretudo a que assiste à novela, é, em boa parte, moralista. Defende que, na obra de ficção, se apresentem modelos de boa conduta --nem sempre seguidos na vida real.
Despreza, deliberadamente ou por ignorância, o fato de que a ficção é uma história inventada, baseada, sim, na realidade, mas que não está obrigada a nos apresentar exemplos de pureza moral e bons costumes.
A ficção, especialmente na telenovela, deve nos dar personagens interessantes, conflitos, ação dramática, suspense e desfecho. Quase sempre, o vilão é castigado. Por acaso, na vida real, os vilões sempre perdem? Se assim fosse, o que aconteceria com nossos homens públicos?
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