O GLOBO - 25/08/2013
Ele terá que sair alguma hora ou pelo menos se mexer, e aí ela estaria salva, livre pra sair também, finge que acredita
Um
homem sentado em frente ao mar de Ipanema, meia-noite e vinte, por aí,
vestido de preto. De costas para Ipanema, olha o mar. Absorto no que
quer que seja, esquece que tem costas, que existe dos olhos para trás,
diante do que vê. Não teria como saber se é observado, por uma mulher no
sétimo andar de uma varanda de frente para o mar. Mas ela está lá, seus
olhos foram fisgados pelo homem de preto sentado na areia de frente
para o mar. Feliz, infeliz, agradecido, traído, desenganado?
O
mar avança na direção dele, que está imóvel, e ela, no sétimo andar,
também. Parou o que estava fazendo, foi dar uma espiada no mar e
deparou–se com o homem de costas, e deparou-se com essas perguntas
inúteis sobre o que teria levado aquele homem a estar sentado ali na
praia de madrugada. Estando sozinho poderá estar feliz?
A mulher
tem muito que fazer e sabe disso, mas é difícil sair dali. Fica só mais
um pouquinho e vai fazer o que precisa, mas no caminho pega uma maçã na
mesa de centro e aí volta à varanda. À direita as luzes brilham no
Vidigal. O mar não se faz de rogado. Ela não consegue, continua na
varanda quando já devia estar dormindo, tem compromisso de manhã
cedinho. E deveria fazer o que tem de fazer logo, sem ficar protelando
assim, vigiando a praia e seus frequentadores noturnos e sozinhos.
Com
ele a única coisa que acontece é ter os cabelos mais ouriçados pelo
vento. Continua na mesma posição, que não indica se está pedindo alguma
coisa. Ou pedindo alguma coisa de volta. Ou mais uma vez. Se está
agradecendo. Se está tomando coragem para entrar mar adentro sem olhar
pra trás. Veio dar um mergulho, mas não imaginava que estivesse frio?
Todo de preto, terá um velho calção de banho por baixo da roupa escura
feito um céu de madrugada? Ou vestiu-se de preto para vir tomar um banho
de mar gelado, vestido?
Ela sabe que não pode continuar ali, mas
como sair sem que ele saia antes? Quem sabe quando levante tenha um ar
decidido, ou saia trôpego e cambaleante, que é como se sente diante de
tantos problemas e quando lembra do pai severo e ríspido, ou talvez se
desequilibre e caia de bunda na areia tendo que se sacudir todo feito um
cachorro molhado.
O tempo dela está esgotado, mas não pode
pensar em outra coisa. “Saia daí, criatura”, pensa ela, sem saber se
fala com ele ou consigo mesma. Ele terá que sair alguma hora ou pelo
menos se mexer, e aí ela estaria salva, livre pra sair também, finge que
acredita. Sabe que, enquanto ele não sumir do seu campo de visão, não
vai conseguir fazer o que precisa, urgentemente, fazer. Ou ir pra cama
logo, agora, descansar, para acordar ainda mais cedo amanhã e fazer o
que não consegue fazer hoje, mas deveria. Está paralisada na varanda
para o mar de Ipanema, embutida em um roupão de hotel, com uma maçã
esquecida há horas na mão direita. À esquerda, as pedras do Arpoador,
contra as quais o mar se bate como se não houvesse amanhã.
Os
cabelos do homem e as folhas dos coqueiros se movem para a esquerda. Até
os cabelos dela no sétimo andar esvoaçam com o sudoeste nervosinho.
Pelo calçadão passa um casal, um apoiado no outro, ele leva uma garrafa
de champanhe na mão, ela os sapatos de salto. Frouxos de rir, balançam
mas não caem, doce balanço caminho do mar, ele apoiado nela que está
apoiada nele, às gargalhadas. Ela não parece que vai desperdiçar um
mergulho no mar com seu vestido de paetê curto demais, ele já tem o
paletó no braço, a cada passo dela o vestido sobe mais.
O homem
de preto agora... cadê? A mulher no sétimo andar do hotel perdeu o homem
de preto, ele saiu sem avisar, será que um amigo veio buscá-lo? Será
que tem amigos? Ou levantou e seguiu mesmo em frente sem olhar pra trás?
Ela está livre, mas quem disse que queria estar? Como pode perder assim
o homem distraída com um vestidinho mal cortado? Está livre, agora,
sim, mas para quê? Dormir para conseguir ficar de pé durante o dia de
amanhã, que vai ser duro, e assim perder ao invés de ganhar uma noite de
lua de frente para as Cagarras, ou fazer o que precisa fazer. Está
exausta, acabou de fazer um show solo no terraço do hotel, logo acima da
sua varanda. Escolhe sentar-se, abrir o laptop e escrever a crônica
para o jornal de domingo, ufa.
Na crônica ela não consegue escrever nada além de:
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