Paulo Lima
Estado de Minas: 25/08/2013
Apesar de ser o segundo maior bioma do país, atrás apenas da Floresta Amazônica, e de ter uma imensa diversidade de espécies de plantas, o cerrado ainda é pouco explorado pelos brasileiros na hora de compor o cardápio do dia a dia. Agora, um estudo da Universidade de Brasília (UnB), publicado na renomada revista científica Plos One, deixa claro que, ao agir assim, a população deixa de aproveitar uma riquíssima e saborosa fonte de nutrientes. O grupo de três pesquisadoras analisou os componentes bioativos de 12 frutos do cerrado e descobriu em vários deles ótimas propriedades antioxidantes, que ajudam no combate ao envelhecimento precoce, doenças crônicas e outros males.
A pesquisa mostra que algumas espécies têm essa qualidade mais acentuada que a maçã, amplamente recomendada para combater o chamado estresse oxidativo e, por isso, apelidada de superalimento. A equipe responsável pela análise espera que as informações sejam relevantes para que o brasileiro inclua os produtos do cerrado na dieta.
“Esses frutos representam uma fonte potencial de alimentos com propriedades funcionais que devem ser incorporadas na alimentação. Podem ter espaço também na indústria farmacêutica e de cosméticos”, avalia Fernanda Ribeiro Rosa, coautora do trabalho, ao lado de Adriana Fustinoni, Egle Siqueira e Sandra Arruda. Das 12 espécies estudadas, sete se destacam: araticum, cagaita, cajuzinho, jurubeba, lobeira, mangaba e tucum (veja quadro). Além dessas, foram analisados o baru, a guariroba, o ingá, o jatobá e o jenipapo, que também trazem benefícios à saúde.
Para identificar os nutrientes presentes nesses alimentos, as estudiosas coletaram os frutos no ponto ideal de maturação e separaram as partes comestíveis. Depois, as armazenaram em baixa temperatura (-70ºC) para que não se perdessem os nutrientes. “A pesquisa foi dividida em duas partes: na primeira, realizamos uma avaliação dos frutos para identificar quais apresentavam maior atividade antioxidante in vitro. Em seguida, selecionamos o melhor fruto, que foi o tucum, a fim de saber quais compostos antioxidantes eram responsáveis por tal atividade. Por fim, observamos a ação antioxidante in vivo, em ratos”, descreve Rosa, ressaltando que a segunda parte da pesquisa ainda será publicada.
Ela explica que, para as análises das atividades antioxidantes in vitro, foram usadas três metodologias do meio científico: A FRAP, o DPPH e a oxidação do beta-caroteno, que consistem na mistura de substâncias que avaliam o grau de oxidação da fruta para identificar os compostos nutritivos contidos. “Essas análises avaliam o quanto o fruto pode proteger contra reações de oxidação. Também avaliamos o teor de compostos bioativos analisando os fenólicos, as antocianinas, os flavanóis totais, os flavonoides amarelos, os carotenoides e a vitamina C”, detalha.
Comparação Com os dados sobre os frutos do cerrado em mãos, a equipe os comparou com os da maçã da red delicius, associada à presença de compostos bioativos, tais como polifenólicos, flavonoides e ácidos fenólicos, substâncias que auxiliam na redução do risco de doenças cardiovasculares, no controle das dislipidemias (colesterol ruim e triglicerídeos elevados) e na prevenção do câncer. Constatou-se que os alimentos do cerrado possuem ação mais benéfica para a saúde do que a fruta vermelha.
Para a professora da Faculdade de Nutrição da Universidade Federal de Goiás (UFG) Mara Reis, as pesquisas direcionadas aos frutos do cerrado contribuem para a valorização e a preservação desses produtos, que têm desaparecido por causa do desmatamento descontrolado. “Essas pesquisas são de vital importância para a disseminação dos nutrientes que os frutos possuem. Inclusive, muitas pessoas que nasceram no Centro-Oeste, região onde várias espécies são encontradas, desconhecem a maioria delas. As análises ajudam, também, na preservação da cultura local”, afirma.
Reis, contudo, chama a atenção para os frutos das diferentes regiões do cerrado, pois eles podem ter características diferentes. “Uns possuem mais compostos bioativos que outros. Diferentemente das frutas convencionais, como a maçã, a composição das encontradas no cerrado pode variar muito de acordo com o local de produção. Numa mesma árvore, por exemplo, os frutos que dão em cima podem ter substâncias diferentes das que nasceram na parte de baixo. Por isso, é importante que as pesquisas sejam direcionadas ao local onde foi retirado o fruto”, defende.
Obstáculos Pesquisador da Embrapa Cerrados em Manejo e Recursos Naturais, José Felipe Ribeiro acredita que o estudo contribui para o fortalecimento da biodiversidade brasileira. De acordo com ele, os frutos do cerrado têm pouca aceitação devido à falta de informação sobre os benefícios desses alimentos e ao fato de eles serem mais perecíveis, o que não desperta a atenção para a comercialização em supermercados. Ribeiro ainda destaca que as espécies frutíferas demandam tempo de cultivo, o que gera resistência nos produtores.
Segundo ele, existem iniciativas para estimular a produção em larga escala dos produtos, mas há muitos empecilhos. “Embora já existam agricultores produzindo algumas espécies como o baru e a mangaba, o cultivo ainda é complexo. De um lado, está o pouco conhecimento das pessoas sobre os produtos e, de outro, o custo. A araticum, por exemplo, demanda até seis anos, após o plantio, para que se tenha o fruto, e, no comércio, chega a custar R$ 10 a unidade. Como os produtores querem resultado imediato, ficam desmotivados por causa da pouca oferta”, afirma.
Isabel Figueiredo, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), explica que a comercialização desses alimentos é feita por meio de associações, em que várias pessoas têm os alimentos como uma fonte de renda de agricultura familiar. Por isso, ela considera de grande importância mais estudos na área com o propósito de sensibilizar o consumidor. “São plantas e frutos valiosos. Se começarmos a nos interessar por eles, fomentaremos as cadeias produtivas. Isso beneficiará não só as comunidades mais pobres, com a geração de renda para indígenas, quilombolas e pequenos agricultores familiares, mas também a preservação do bioma. É uma forma de consumo saudável e socioambientalmente correta.”
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