domingo, 25 de agosto de 2013

O BRASIL DO DESPERDÍCIO » A cada ano, país joga R$ 1 trilhão no lixo‏

Corrupção, descaso, incompetência, burocracia e falta de planejamento do governo sugam o equivalente às riquezas produzidas ao ano pela Argentina. Neste cenário, desconfiança cresce 


Victor Martins, Diego Amorim e Carolina Mansur

Estado de Minas: 25/08/2013 

Brasília e Belo Horizonte – Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, é desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos, quase R$ 25 somem em meio à ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas de logística e de infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à corrupção e à falta de planejamento.
Além de dinheiro, que poderia ser investido em educação, saúde e transporte público, escorre pelo ralo muitas outras oportunidades. O Brasil deixou passar a bonança externa — entre 2003 e 2008, o mundo viveu a sua era de ouro, puxado pelo supercrescimento chinês — sem fazer as reformas estruturais necessárias à economia. Agora, se vê sem capacidade de colher os frutos do bônus demográfico, período único em que as nações usam a sua força de trabalho para se tornarem ricas. De farto e próspero, o país ganha cada vez mais a cara do desperdício.
Não à toa, o Brasil está tomando uma sova de desconfiança. O real, que ostentou, por anos, o status de moeda forte, é hoje a divisa no mundo que mais perde valor ante o dólar. Para piorar, o crescimento médio anual do PIB, de 1,8%, é o menor em 20 anos. A inflação se mantém sistematicamente próxima ao teto da meta, de 6,5%. Os investimentos produtivos mínguam e a confiança das famílias está no chão. Mais uma vez, o futuro que nos parecia tão perto começa a tomar feições de miragem.
O período de forte crescimento global na década passada, quando havia grande fluxo de capitais e os nossos produtores agrícolas eram muito bem pagos para alimentar o planeta, deu a folga necessária para a administração pública aposentar a incompetência e a ineficiência e entregar serviços melhores, apesar da montanha de dinheiro que os brasileiros depositam todos os meses nos cofres da Receita Federal. Nada foi feito. “Infelizmente, fizemos a opção pelo atraso”, resume o economista Paulo Rabello de Castro, presidente do Instituto Atlântico e integrante do Movimento Brasil Eficiente.

AMARRAS Nas últimas três semanas, o Estado de Minas vasculhou o país para ir além do que se habituou a chamar de custo Brasil. O resultado encontrado é assustador. As manifestações que tomaram as ruas entre maio e junho surpreenderam muita gente. Mas o desperdício justifica o sentimento de basta. Não é mais aceitável que uma nação com tantos recursos naturais, apontada como o maior celeiro do mundo, jogue no lixo, todos os anos, o equivalente a quase um quarto do PIB nacional. Essa é a parte visível dos prejuízos, baseada em estimativas conservadoras, admitem os especialistas.
A falta de cultura de manutenção e de planejamento e um sistema político que facilita os desmandos e os malfeitos se transformaram em barreiras que impedem que tanto dinheiro seja revertido em benefícios à sociedade. Água, energia elétrica, comida — tudo vai fora. Por causa das amarras da burocracia, as firmas perdem 2,6 mil horas por ano. Em países desenvolvidos esse tempo é 10 vezes menor. Tal fatura, se convertida em dinheiro, pode chegar a R$ 200 bilhões. “Há também o desperdício moral. Todos esses problemas desmoralizam a capacidade desse eu coletivo, que é a sociedade brasileira, de ter vontade de perseguir a eficiência, a produtividade e o comprometimento com o sucesso”, argumenta Rabello de Castro.
A pesada carga tributária é o veículo por meio do qual o governo suga os recursos que serviriam de energia vital para as empresas e para as famílias. Verbas que viram gastos estéreis, jogados em obras que não andam. A ineficiência do Estado, contudo, tem queimado mais que dinheiro, despreza as chances de brasileiros que amargam uma vida de pobreza, impede uma educação formal de qualidade, ceifa vidas em leitos de hospitais sem estrutura.
Um carimbo em tempo hábil pode ser a diferença entre viver e morrer, ao menos para quem depende da saúde pública no interior do país. Em Águas Lindas (GO), distante quase 40 quilômetros da sede do Ministério da Saúde, em Brasília, é comum os pacientes terem de se deslocar para a capital federal em busca de atendimento. Muitos morrem no meio do caminho.
O socorro não pode ocorrer no município porque um dos hospitais da cidade, que deveria ter quase 300 leitos, está abandonado. A licitação para a obra foi embargada devido à corrupção. “É preciso reconhecer que a forma como o Estado contemporâneo atua não é mais capaz de atender as necessidades da população”, observa Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo. Ele pondera que a forma de organização dos governos está ultrapassada, e encontrar maneiras de pensar e executar políticas públicas é um desafio não apenas do Brasil.
Diante de tanto descalabro, os especialistas são unânimes em um ponto: as ineficiências do Brasil são a maior fonte de riqueza e de oportunidade. Se todos os recursos desperdiçados fossem devidamente aproveitados, o país trocaria a cadeira de emergente por uma de desenvolvido. O PIB potencial, que é a taxa de crescimento possível sem gerar inflação e desequilíbrios, seria bem maior que os 2% ou 2,5% atuais. A população poderia ser beneficiada verdadeiramente com serviços públicos e privados eficientes.

Máquina emperrada

O excesso de papéis, carimbos e processos piora o quadro de desperdício no Brasil. O relatório da International Business Report, da auditoria Grant Thornton, mostra que 50% das empresas citam a burocracia e as excessivas regulações como principais fatores de limitação para o crescimento e expansão dos negócios. As companhias desperdiçam 2,6 mil horas com burocracia por ano, o equivalente a 108 dias corridos — o dobro da média mundial. No ranking das nações mais burocráticas do planeta, a bandeira verde e amarela perde apenas para a Grécia, onde 57% dos executivos colocam o problema como principal entrave, e para a Polônia, onde essa taxa é de 52%.
“O burocrata não tem ideia do tamanho do roubo que ele pratica em nome da boa-fé sobre o cliente dele, que é o contribuinte, quando ele complica a vida do cidadão”, pondera Paulo Rabello de Castro, do Instituto Atlântico. Ele alerta que, no Brasil, a quantidade de horas perdidas com burocracia é 10 vezes maior que a observada em países desenvolvidos. Rabello estima que as perdas com procedimentos excessivos podem chegar a R$ 200 bilhões por ano.
Márcio Pochmann, da Fundação Perseu Abramo, explica que a burocracia não é algo totalmente ruim. Na visão dele, é impossível a uma grande empresa ou ao governo funcionar sem processos que organizem. “O problema é quando a burocracia se torna um fim em si mesma e deixa de ser apenas o meio pelo qual as coisas transitam e são organizadas”, diz. Para ele, no entanto, o Estado brasileiro, de uma maneira geral, é eficiente em sua burocracia, especialmente pelo tamanho. “Isso não quer dizer que as ineficiências não existam. Elas são localizadas e não são poucas.”
Todas essas perdas com burocracia e ineficiência, porém, poderiam ser evitadas. Técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) são enfáticos ao afirmar que a corrupção, os procedimentos excessivos, a falta de planejamento e o descompromisso na execução de projetos alimentam os desperdícios no país.

Gula tributária
A carga tributária no Brasil é uma das mais pesadas no mundo. Pelos cálculos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o brasileiro trabalhou cinco meses neste ano, até 31 de maio, apenas para pagar impostos. Se fosse na Argentina ou nos Estados Unidos, seriam aproximadamente três meses. Comparado aos anos 1970, esse tempo dobrou no país. Atualmente, são pagos pelos contribuintes 63 tributos.

Corrupção rouba da saúde

Especialistas calculam que cada R$ 1 desviado representa R$ 3 de perdas para a sociedade. Prejuízos com irregularidades chegam a pelo menos R$ 80 bilhões por ano

Victor Martins e Diego Amorim
Publicação: 25/08/2013 04:00

Brasília – Um dos maiores ralos de dinheiro público no Brasil, a corrupção faz estragos incalculáveis. Ela é capaz de impedir o desenvolvimento do país e mesmo tirar vidas. A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) estima uma perda anual de R$ 80 bilhões, mas é difícil saber exatamente quanto se tira dos cofres públicos indevidamente. Além das irregularidades passíveis de punição criminal, falhas de gestão causam danos ao país. Dados do Tribunal de Contas da União (TCU) indicam que a maioria dos contratos firmados entre os setores público e privado tem algum tipo de problema e, invariavelmente, exige mais dinheiro público. O erro na elaboração de editais deixou de ser exceção.
Em Águas Lindas de Goiás, no entorno de Brasília, a construção do segundo hospital da cidade ilustra os malefícios da combinação entre planejamento ruim e corrupção. Relatório do Ministério Público de Goiás revela que houve desvio de R$ 8,7 milhões na obra, quase concluída. Foram encontradas 25 irregularidades. A construção foi embargada em 2009 e, em resposta ao MP, a prefeitura informou que o orçamento aprovado pelo Ministério da Saúde estava errado. Em vez dos R$ 19 milhões previstos inicialmente, o valor deveria ser de R$ 34,4 milhões. Depois, um novo montante foi requisitado pelo governo municipal, levando o orçamento final para R$ 56,4 milhões. A reportagem esteve no local e constatou que o prédio está quase concluído: faltam apenas obras de acabamento, como o piso, a pintura e a instalação de janelas.
O que seria um hospital de 264 leitos e atenderia casos de maior complexidade conta com apenas 28 leitos e não tem mais condições de suportar a demanda de Águas Lindas. Em 31 de julho, o descaso com o dinheiro público fez mais uma vítima na cidade. Uma mulher sofreu uma parada cardíaca e tentou socorro. Como não conseguiu, teve de ser transferida para o Distrito Federal, mas morreu no caminho. Procurada, a prefeitura informou que o problema começou na gestão anterior e ressaltou que fez um acordo com o Ministério da Saúde. O prédio e o terreno foram doados para o estado de Goiás, por falta de capacidade e recursos para concluir as obras.
O caso de Águas Lindas é emblemático e, como ele, existem milhares espalhados pelo Brasil. As fraudes estão disseminadas, e elas não são protagonizadas apenas por políticos. A Previdência Social, de abril de 2008 a julho de 2013, registrou perdas na concessão de seguro-desemprego da ordem de R$ 2,3 bilhões. Até o momento, foram recuperados somente R$ 505 milhões.
Para Cláudio Weber Abramo, diretor executivo da ONG Transparência Brasil, as causas dos desperdícios nos municípios são claras: as cidades não geram riquezas e, por isso, a população depende da prefeitura. “O prefeito nada de braçada. A população fica dependente dele”, explica. O presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco), Roberto Abdenur, diz que a corrupção é a forma de desperdício que mais revolta o cidadão, justamente porque permeia todos os outros problemas e carências enfrentados pela população. O efeito multiplicador da corrupção faz com que cada R$ 1 desviado represente R$ 3 de perda para a sociedade.

INFORMALIDADE A chamada economia subterrânea, que soma as quantias movimentadas pelas atividades informal e ilegal, também gera rombos. Tanto que provocou um prejuízo de R$ 730 bilhões ao país somente no ano passado. A produção de bens e serviços à margem do Produto Interno Bruto (PIB) é calculada pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) em conjunto com o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
A pirataria e a informalidade acumulam formas de desperdício: não geram impostos, não recolhem contribuições trabalhistas, não se preocupam com os direitos do consumidor. “É um dinheiro que deixa de fortalecer as políticas públicas”, diz o presidente do Etco, Roberto Abdenur, para quem, apesar dos avanços econômicos nos últimos anos, ainda falta propagar os benefícios da atividade formal. “A impressão é que as pessoas ainda têm medo”, comenta. (Colaborou Antonio Temóteo)

Buracos que sugam R$ 195,7 bi

Carolina Mansur

Belo Horizonte – Empresas de diversos setores da economia deixam pelo caminho boa parte do que poderia ser revertido em mais desenvolvimento para o país. Em média, 13% das receitas brutas das companhias são perdidos no transporte de produtos, prejuízo calculado em US$ 83,2 bilhões por ano (R$ 195,7 bilhões), conforme pesquisa da Fundação Dom Cabral. Alguns segmentos são mais afetados, como as indústrias de bens de capital (22,69% do faturamento vão pelo ralo), de construção (20,88%) e de mineração (14,63%).
A principal justificativa, diz o coordenador do estudo, Paulo Resende, são as más condições das estradas e a pouca oferta de ferrovias para o escoamento de produtos de baixo valor agregado. “Aproximadamente 60% de tudo o que é transportado no país passam pela rodovia”, comenta. A solução, na opinião dele, seria reduzir a já conhecida dependência das estradas e aumentar a oferta de ferrovias.
Investimentos rodoviários nos principais corredores, como as BRs 040, 381 e 262, seriam uma alternativa, ressalta Resende. O problema é que o Brasil segue bem atrasado nesse quesito. O professor lembra que, enquanto a China já chegou a destinar 8% do Produto Interno Bruto (PIB) para as estradas e a Coreia do Sul, 10%, o Brasil investiu o equivalente a 1,8% do conjunto de riquezas, acumulando uma média pífia de 0,8% do PIB aplicado em transportes nos últimos 20 anos.
O impacto causado pelas perdas com logística não pesa somente no caixa das empresas. São os consumidores que pagam a conta do desperdício. Resende afirma que o impacto é sentido porque as firmas repassam o custo das perdas aos consumidores e fornecedores.
Quem depende das estradas para trabalhar sai perdendo. O caminhoneiro Cláudio Schneider passa semanalmente pelas BRs 381 e 262 e reforça que o péssimo estado das estradas atrasa as viagens. “Há 15 anos, passo pelo trecho que liga o Espírito Santo a Minas Gerais e nesse período não vi melhorias, apenas mais quebra-molas e radares”, conta. “O resultado é mais tempo na estrada. Tenho levado duas horas a mais para completar o percurso.” 

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