domingo, 18 de agosto de 2013

Eduardo Almeida Reis-Panthera onca II‏

E o vosso philosopho, então jovem philosopho, foi transformado em podólogo de onça



Eduardo Almeida Reis


Estado de Minas: 18/08/2013 


Pois é, fui pedicuro de onça quando trabalhei na fronteira com o Paraguai. A dois passos do escritório da empresa rural havia uma jaula de concreto, gradeada com vergalhões de diâmetro expressivo, com um macharrão enjaulado.

Capturado ainda filhote, foi criado solto na vila em que moravam cerca de 600 pessoas. Gatinho simpático, alimentado em quase todas as casas, brincava com as crianças, mas cresceu, cresceu e acabou sendo enjaulado antes de começar a comer os filhos dos funcionários. E cresceu com o gravíssimo defeito de não ter medo de gente.

Onças enjauladas têm dois problemas: as garras que crescem e começam a perfurar seus dedos e as helmintíases, moléstias parasitárias produzidas pela presença de helmintos em seus organismos. Soltas na natureza gastam suas garras andando e se defendem naturalmente dos helmintos, designação comum a diversas espécies de vermes endoparasitas.

Everminar é fácil: basta deixar o felino sem comer dois ou três dias. Aí, você pega um pedaço de carne não muito grande, faz um furo ao comprido e enfia uma porção de comprimidos anti-helmínticos. Joga a carne e a onça engole aquilo tudo de uma vez, livrando-se dos vermes durante meses.

Unha é outro departamento. Melhor dizendo garra, unha comprida, recurva e pontiaguda dos felinos. E o vosso philosopho, então jovem philosopho, foi transformado em podólogo de onça. Existe um negócio chamado cambão, pedaço comprido de madeira que você introduz na jaula, entre os ferros, com um laço de couro na ponta, para pegar a onça pelo pescoço. Dois outros cambões laçam as patas, puxando o felino para a grade.

O laço do pescoço é afrouxado para evitar enforcamento, mas a imobilização continua garantida por um pedaço de pau roliço. Temos, então, a onça deitada de costas junto às grades, com as patas laçadas também coladas às grades – e um idiota, do lado de fora da jaula, com um alicate comum, dos grandes, fazendo as vezes de quiropodista de onça. O corte de cada garra é fácil com aquela parte do alicate em que duas lâminas se tocam pelos lados cortantes. E o pedicuro improvisado inclui o feito em seu curriculum vitae, como se adiantasse alguma coisa na procura de emprego.

 Diadema

Sentado na poltrona da sala, lidos os jornais, acabando belo Cohiba Siglo VI que a linda Luiza quis ter a gentileza de me trazer de Cuba, eis-me num diadema retrós, como dizia aquele empresário mineiro, muito ignorante, sempre que estava num dilema atroz: escrevo sobre racismo?.

É o tipo do assunto delicado, a começar pelo seguinte: não existem raças. Animais de duas patas, que se dizem sapiens sapiens, deviam saber que não existem raças geneticamente puras por quaisquer critérios que adotemos. Só existem raças de animais, ainda que não sejam geneticamente puras. Como? É fácil: basta que os criadores estabeleçam o padrão racial e tenham livro de registro especificando os critérios para que o animal seja considerado “puro”: pelagem, andamento, filho de “puro” com “pura” etc.

 A absolvição nos EUA de um cavalheiro, dito branco, que matou a tiros um rapaz, dito negro, detonou uma onda de protestos naquele país, que repercutiu no Brasil: páginas inteiras nos jornais falando de racismo. E o Eduardinho, que tem atestado genético de mulatice através de um ramo da família Brandão, de Diamantina, MG, fica sem saber se escreve sobre o assunto.

Racismo é feio e é crime, além de ser uma tolice. Contudo, é biológico: os animais procuram os parecidos, os iguais, evitando os diferentes. Há exceções, é certo, que só fazem confirmar a regra. Andorinhas procuram andorinhas, cavalos se acercam dos outros cavalos, bois dos demais bovinos, gambás cheiram gambás, crotali terrifici semper bini serpent: cascavel só anda aos pares.

Na medicina legal de antanho havia a cromo-inversão sexual, do grego khrôma,atos “cor” e a etnoinversão sexual, conforme os casais envolvessem pessoas de duas etnias, do elemento de composição etn(o), antepositivo grego: “raça, povo, nação; classe, corporação”. Brasileiro que namorasse japonesa, a exemplo de um philosopho amigo nosso, era etnoinvertido: posso afiançar que é muito bom. Como também era excelentíssima a cromoinversão, que deve continuar sendo uma delícia.

No final do século e do milênio passados, reportagem da Reuters nos contou que havia chinesas à venda por 900 dólares. Fiquei tentado, sobretudo se houvesse cronoinversão, de crono antepositivo grego khrónos,ou “tempo”. Nada que pudesse configurar pedofilia, mas uma chinesinha de 20 com um idoso de 50. Resumindo: o tema é delicado. Pela atenção, muitíssimo obrigado.

 O mundo é uma bola

18 de agosto de 1582: a princesa francesa Marguerite de Valois se casa com o jovem líder protestante Henrique de Navarra, numa tentativa de reconciliar católicos e protestantes. Ele seria Henrique IV e ela ficaria conhecida como rainha Margot. Andei escrevendo sobre os reis franceses daquele tempo e me lembro de que um deles comia com talheres e tomava banhos, enquanto seu sucessor comia com as mãos sujas e vivia imundo: “Homem não toma banho”. Acabo de confirmar no arquivo que o sujo era o marido de Margot, coitada.


 Ruminanças

“Existe muita gente que não poeta nem canta e é admirável em sua maneira de conduzir a existência” (Fernando Brant).

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