Propriedade e moral
SÃO PAULO - Para John Locke, a propriedade privada é um direito natural do homem, ao lado do direito à vida e à liberdade. Já para Jean-Jacques Rousseau, ela é a origem de todos os "crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores" que assaltam o gênero humano.
Embora os filósofos tenham posições próximas em outros temas, a forma como descreveram a propriedade fez com que Locke virasse um dos patronos do liberalismo econômico, e Rousseau, o pai espiritual da esquerda. Qual deles tem razão?
Acho que podemos encontrar um esboço de resposta num ramo de estudos bastante improvável, que é o da moralidade animal. O acúmulo de observações etológicas mostra que nossos primos mamíferos, notadamente aqueles que vivem em grupos, apresentam comportamentos que podem ser qualificados pelo menos como protomorais.
Dale Peterson, em "The Moral Lives of Animals", descreve como golfinhos brincam com peixes recém-capturados diante de seus pares sem que estes tentem amealhar-lhes as presas, apesar da relativa facilidade que teriam para fazê-lo. É como se os companheiros reconhecessem seu direito ao troféu. Comportamentos análogos já foram observados entre chimpanzés e mesmo entre corvos.
Seria precipitado tentar incluir golfinhos e chimpanzés no Trips, o acordo internacional de proteção da propriedade intelectual, mas é possível que estejamos aqui diante de uma solução evolutiva para reduzir conflitos entre bichos que vivem em bandos. Com efeito, cada vez que um golfinho deixa de contestar a "propriedade" do peixe capturado pelo colega, evita uma situação que poderia descambar em violência.
Se essa hipótese é correta, Locke descreveu a noção de propriedade melhor do que Rousseau. Mas isso não impede que o cidadão genebrino tenha alguma razão quando diz que ela está na origem da desigualdade e de algumas de nossas misérias.
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