Tereza Cruvinel
Estado de Minas: 18/08/2013
A guerra não é a
continuação da política por outros meios, como na frase célebre do
general Clausewitz. A guerra começa quando a política acaba. A
judicialização de conflitos entre os poderes Executivo e Legislativo não
chega a tanto, mas é, também, uma expressão de fracasso da política
enquanto mediação negociada dos conflitos. A semana passada terminou com
o governo ameaçando recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra duas
decisões em curso no Congresso.
Nos dois casos, Poder Executivo e Congresso têm alguma razão, mas não conseguiram chegar ao caminho do meio. O primeiro conflito envolve a proposta que determina a liberação obrigatória dos recursos alocados por emendas parlamentares ao Orçamento da União. Ao aprová-la em primeiro turno, na terça-feira, a Câmara recusou o pedido do governo de que 50% dos recursos das emendas individuais (no valor de R$ 10,4 milhões cada uma) fossem destinados a projetos na área de saúde. Durante anos, o SUS foi o refúgio dos mais pobres, que não podiam pagar planos de saúde, mas como eles passaram a custar os olhos da cara, agora a classe média está cobrando um serviço público de qualidade para todos, como previsto na Constituição. A Câmara ensaiou aceitar 30%, mas o acordo empacou. Falta ainda o segundo turno e a palavra do Senado. E paira, como coisa inédita, a ameaça do governo de recorrer ao STF, alegando que a proposta de emenda à Constituição atenta contra a separação dos poderes e as atribuições de cada um. Não pode o Executivo ser obrigado a realizar gastos compulsórios, ao largo da responsabilidade fiscal e das circunstâncias econômico-financeiras, dirá no eventual recurso ao STF.
A segunda ameaça de judicialização veio com a guerra dos vetos, que fechou a semana. A presidente Dilma Rousseff acertou na terça-feira com os líderes aliados no Senado que eles apreciariam no dia 20 apenas quatro vetos parciais. Na quarta-feira, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), informou que estariam na pauta todos os 167 vetos apostos por Dilma depois de 4 de julho, quando passou a vigorar a nova regra sobre o assunto. A norma faz valer a previsão constitucional de que um veto, decorridos 30 dias da publicação, trancará a pauta até que seja apreciado. Renan incluiu na lista vetos que, pelo combinado com os líderes, não seriam apreciados agora. Um deles derruba o fim do pagamento, pelas empresas, de multa de 10% sobre o valor do FGTS nas demissões sem justa causa. O governo não aceita a derrubada, que lhe tiraria R$ 3 bilhões anuais. E quer ver mantido também o veto ao artigo da nova lei sobre os fundos de participação, que o obriga a ressarcir estados e municípios quando desonerar setores da economia reduzindo também os impostos compartilhados. Entrou ainda no pacote que será apreciado os mais de 60 vetos de Dilma às bondades que os congressistas incluíram na MP 610, que tratou das dívidas dos pequenos agricultores nordestinos. Com a cabeça na eleição, eles querem mantê-las. Num recurso ao STF, o governo dirá que os congressistas não podem gerar despesa assim, sem apontar a fonte dos recursos.
Estamos nisso porque faltou política. Um acerto sobre votações não pode ser feito só com os líderes, pois quem manda na pauta bicameral é o presidente do Congresso. Renan teria reagido a isso e às ameaças de judicialização. Uma gripe o livrou de um despacho com Dilma na sexta-feira, em que ela voltaria à carga em defesa dos vetos. O Planalto demorou para começar a negociar. A regra nova tem de vigorar, para não ser desmoralizada. Foi aprovada depois que se tornou pública uma pilha de mais de 3 mil votos sem apreciação. O Congresso reclama da intransigência da presidente, de quem se cobra controle no gasto público. Mas também está trocando a política pela guerra quando resolve derrotar o governo para mostrar força e cobrar a conta da governabilidade.
A ameaça do Executivo, de questionar judicialmente os atos do Legislativo, não tem precedentes. Mas tem tudo a ver com a definição do ministro do STF Roberto Barroso: “Um sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maioria estáveis”, entre outros defeitos que vêm exigindo aquilo que parece uma eterna miragem: a reforma política.
Questão de fundo
Há mais coisa abaixo da superfície no barraco de quinta-feira entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. O que este último apontou como falha do tribunal, propondo correção, no caso do ex-deputado Bispo Rodrigues, foi a aplicação de penas mais duras a alguns réus no quesito corrupção, com base na lei votada em 12 de novembro de 2003. Acordos eleitorais (ou compra de votos, segundo a preferência do leitor) firmados antes dessa data teriam que ser punidos com base na lei anterior, mais branda. Recursos de outros réus, inclusive de José Dirceu, com essa mesma argumentação, ainda serão apreciados. No julgamento, veio à tona o acordo firmado entre o PT e o PTB, por meio de seu então presidente, José Carlos Martinez, pouco antes de sua morte. O ministro Marco Aurélio perguntou quando ele morreu e Barbosa respondeu que foi em dezembro. E, com isso, foram aplicadas penas mais duras, fixadas pela lei aprovada em novembro. Martinez, porém, morreu em 5 de outubro, quando vigia a lei mais branda. Trata-se, pois, de questão relevante. A briga vai continuar.
Nos dois casos, Poder Executivo e Congresso têm alguma razão, mas não conseguiram chegar ao caminho do meio. O primeiro conflito envolve a proposta que determina a liberação obrigatória dos recursos alocados por emendas parlamentares ao Orçamento da União. Ao aprová-la em primeiro turno, na terça-feira, a Câmara recusou o pedido do governo de que 50% dos recursos das emendas individuais (no valor de R$ 10,4 milhões cada uma) fossem destinados a projetos na área de saúde. Durante anos, o SUS foi o refúgio dos mais pobres, que não podiam pagar planos de saúde, mas como eles passaram a custar os olhos da cara, agora a classe média está cobrando um serviço público de qualidade para todos, como previsto na Constituição. A Câmara ensaiou aceitar 30%, mas o acordo empacou. Falta ainda o segundo turno e a palavra do Senado. E paira, como coisa inédita, a ameaça do governo de recorrer ao STF, alegando que a proposta de emenda à Constituição atenta contra a separação dos poderes e as atribuições de cada um. Não pode o Executivo ser obrigado a realizar gastos compulsórios, ao largo da responsabilidade fiscal e das circunstâncias econômico-financeiras, dirá no eventual recurso ao STF.
A segunda ameaça de judicialização veio com a guerra dos vetos, que fechou a semana. A presidente Dilma Rousseff acertou na terça-feira com os líderes aliados no Senado que eles apreciariam no dia 20 apenas quatro vetos parciais. Na quarta-feira, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), informou que estariam na pauta todos os 167 vetos apostos por Dilma depois de 4 de julho, quando passou a vigorar a nova regra sobre o assunto. A norma faz valer a previsão constitucional de que um veto, decorridos 30 dias da publicação, trancará a pauta até que seja apreciado. Renan incluiu na lista vetos que, pelo combinado com os líderes, não seriam apreciados agora. Um deles derruba o fim do pagamento, pelas empresas, de multa de 10% sobre o valor do FGTS nas demissões sem justa causa. O governo não aceita a derrubada, que lhe tiraria R$ 3 bilhões anuais. E quer ver mantido também o veto ao artigo da nova lei sobre os fundos de participação, que o obriga a ressarcir estados e municípios quando desonerar setores da economia reduzindo também os impostos compartilhados. Entrou ainda no pacote que será apreciado os mais de 60 vetos de Dilma às bondades que os congressistas incluíram na MP 610, que tratou das dívidas dos pequenos agricultores nordestinos. Com a cabeça na eleição, eles querem mantê-las. Num recurso ao STF, o governo dirá que os congressistas não podem gerar despesa assim, sem apontar a fonte dos recursos.
Estamos nisso porque faltou política. Um acerto sobre votações não pode ser feito só com os líderes, pois quem manda na pauta bicameral é o presidente do Congresso. Renan teria reagido a isso e às ameaças de judicialização. Uma gripe o livrou de um despacho com Dilma na sexta-feira, em que ela voltaria à carga em defesa dos vetos. O Planalto demorou para começar a negociar. A regra nova tem de vigorar, para não ser desmoralizada. Foi aprovada depois que se tornou pública uma pilha de mais de 3 mil votos sem apreciação. O Congresso reclama da intransigência da presidente, de quem se cobra controle no gasto público. Mas também está trocando a política pela guerra quando resolve derrotar o governo para mostrar força e cobrar a conta da governabilidade.
A ameaça do Executivo, de questionar judicialmente os atos do Legislativo, não tem precedentes. Mas tem tudo a ver com a definição do ministro do STF Roberto Barroso: “Um sistema eleitoral e partidário que dificulta a formação de maioria estáveis”, entre outros defeitos que vêm exigindo aquilo que parece uma eterna miragem: a reforma política.
Questão de fundo
Há mais coisa abaixo da superfície no barraco de quinta-feira entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. O que este último apontou como falha do tribunal, propondo correção, no caso do ex-deputado Bispo Rodrigues, foi a aplicação de penas mais duras a alguns réus no quesito corrupção, com base na lei votada em 12 de novembro de 2003. Acordos eleitorais (ou compra de votos, segundo a preferência do leitor) firmados antes dessa data teriam que ser punidos com base na lei anterior, mais branda. Recursos de outros réus, inclusive de José Dirceu, com essa mesma argumentação, ainda serão apreciados. No julgamento, veio à tona o acordo firmado entre o PT e o PTB, por meio de seu então presidente, José Carlos Martinez, pouco antes de sua morte. O ministro Marco Aurélio perguntou quando ele morreu e Barbosa respondeu que foi em dezembro. E, com isso, foram aplicadas penas mais duras, fixadas pela lei aprovada em novembro. Martinez, porém, morreu em 5 de outubro, quando vigia a lei mais branda. Trata-se, pois, de questão relevante. A briga vai continuar.
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