Enquanto pesquisadores buscam formas para
prolongar a vida, bioéticos temem que intervenções gerem problemas
psicológicos e sociais
Paloma Oliveto
Publicação: 05/08/2013 04:00
Títono, o príncipe de Troia, ganhou o maior
presente que um humano poderia almejar: a vida eterna. Apaixonada pelo
belíssimo jovem, a deusa Eos pediu a Zeus para imortalizá-lo. Contudo,
esqueceu que, ao contrário das divindades, os homens envelhecem. Com o
desejo atendido, ela teve de ver a aparência e a saúde de seu amado se
deteriorarem eternamente. Passados mil anos, o soberano do Olimpo se
apiedou de Títono, agora reduzido a uma carcaça balbuciante. Depois de
tirar sua consciência, Zeus o libertou do corpo que habitava,
transformando o príncipe em uma cigarra. A lenda grega contada por
Homero oito séculos antes de Cristo continua atual. A busca pelo elixir
da longevidade movimenta cientistas, ao mesmo tempo em que levanta a
discussão sobre qual o preço a pagar por alguns anos a mais de vida.
Em
2009, uma equipe de pesquisadores do Laboratório Jackson, em Bar Harbor
(EUA), organização sem fins lucrativos que investiga doenças genéticas,
criou expectativas ao anunciar que um medicamento já aprovado pelo FDA —
e, no Brasil, pela Anvisa — aumentava em 38% o tempo de vida de ratos.
Tratadas com a substância ativa do remédio, as cobaias alcançaram de
três a quatro meses a mais do que a média, o que equivale, em humanos, a
10 anos. Agora, cientistas alemães confirmaram o resultado, mas também
descobriram que a substância rapamicina ainda não é capaz de combater os
efeitos do envelhecimento.
Há quatro anos, os pesquisadores de
Jackson sugeriram que, ao incrementar quantitivamente a expectativa de
vida dos roedores, o imunossupressor (droga que previne a rejeição a
transplantes) também retardaria os efeitos do envelhecimento. “Como a
rapamicina já é aprovada para transplantados e pacientes oncológicos, a
descoberta tem um potencial clínico enorme, mas, antes de transformá-la
em uma terapia antienvelhecimento para humanos, é necessário demonstrar
que a substância não produz uma ‘fenotipagem de Títono’, ou seja, uma
situação na qual o aumento da expectativa de vida é acompanhado por mais
doenças, invalidez e uma grande perda de funções fisiológicas” observa
Arlan Richardson, pesquisador do Instituto para Estudos de Longevidade e
Envelhecimento da Universidade do Texas.
Os cientistas alemães
analisaram os efeitos da rapamicina sobre 150 características do
envelhecimento em 25 tecidos de diversos órgãos de ratos. Eles
constataram que a substância melhorou muitas funções, principalmente
cognitivas e comportamentais; alguns parâmetros imunológicos e, de forma
mais reduzida, lesões provocadas por doenças. Porém, não houve qualquer
incremento na visão, na audição, nas funções cardiovascular e renal, na
perda de massa muscular, na retenção da força nem no equilíbrio — todos
esses traços considerados importantes para assegurar a qualidade de
vida.
Principal autora do estudo, publicado no Journal of Clinical
Investigation, a patologista Frauke Neff, do Instituto de Genética
Experimental Helmholtz de Munique, lembra que o avançar da idade é um
importante fator de risco para diversos distúrbios e deficiências
funcionais. “Focos terapêuticos no processo de envelhecimento podem, por
isso, representar uma estratégia inovadora na questão de combater
efetivamente doenças associadas, como as neurodegenerativas e
cardiovasculares, o câncer e o diabetes tipo 2.”
Segundo ela, o
problema é que os estudos em andamento estão muito focados no aumento da
expectativa de vida, como se prolongá-la significasse, automaticamente,
desacelerar o envelhecimento. “A descoberta que a rapamicina estende a
vida foi fantástica e representa um marco, pois foi a primeira vez que o
efeito se verificou em mamíferos. Mas um aumento na expectativa de vida
não implica, necessariamente, frear o envelhecimento”, diz. A
longevidade pode, por exemplo, ser consequência da eliminação de doenças
com índice alto de mortalidade, como o câncer, independentemente da
idade do paciente.
A patologista ressalta, contudo, que a pesquisa
alemã também mostrou bons resultados da rapamicina em funções do
organismo que acabam se deteriorando com o tempo. Os ratos mais velhos
tratados com a droga tiveram performance superior aos demais nas
experiências cognitivas e de memória. “O efeito sobre a memória é muito
grande. Inclusive, um estudo anterior ao nosso conseguiu recuperá-la em
modelos de ratos transgênicos com Alzheimer. Isso é particularmente
animador porque nós sabemos que um dos problemas associados à idade é a
perda de memória”, observa Neff.
Professor do Departamento de Ética,
Filosofia e História da Medicina da Universidade de Radboud, na
Holanda, Martien Pijnenburg defende que as pesquisas sobre o
retardamento do envelhecimento e da própria morte precisam ser mais
debatidas. “Querer viver mais é algo presente em muitas culturas e
muitas pessoas estão otimistas de que isso vai acontecer. As
intervenções biológicas na expectativa de vida precisam ser seriamente
discutidas no meio científico”, acredita. “Não sou contra essas
intervenções, mas me oponho duramente a aumentar a expectativa de vida
acima da média simplesmente para dizer: ‘Veja, hoje podemos viver mais
de 100 anos’”, argumenta.
Pijnenburg destaca a grande diferença entre
estar vivo e bem, apesar de todos os limites impostos pela idade, e
viver muito além do que se espera, mas de maneira sofrida e degradante.
“É claro que estar vivo é ótimo, mas esse é justamente o foco do debate.
O que é estar vivo? Isso é sério, é profundo, envolve o significado de
vida”, afirma. Para ele, embora almejar a longevidade seja um direito
individual, os custos sociais de pesquisas com esse único objetivo não
justificam os investimentos. “Antes de ir atrás de tratamentos, os
cientistas devem se perguntar: estão sendo desenvolvidos para quê?
Valerão a pena? Se sim, para quem? Quem se beneficiará?”, questiona.
“Dado o fato de que a morte é inevitável, todas essas perguntas tornam o
debate da longevidade algo muito além da tecnologia.”
Frauke Neff
concorda que o foco das pesquisas sobre longevidade não pode ser apenas
aumentar o tempo de vida. Ela esclarece que a grande maioria das
pesquisas a respeito do tema não tem a intenção de aproximar o homem da
imortalidade, mas lutar contra as enfermidades decorrentes do tempo.
Além disso, novos tratamentos anti-idade oferecem esperança para
pacientes de problemas genéticos, como a progeria.
“O foco dos
cientistas que trabalham seriamente não é fazer com que as pessoas vivam
120, 130 anos”, explica Salvatore Fontana, professor do Instituto
Superior de Saúde de Roma, que estuda a longevidade em mamíferos. “É
preciso ter em mente o seguinte: a expectativa de vida nos países
ocidentais é 80 anos, mas há muitas pessoas que só são saudáveis até os
50. O que nós buscamos é usar novas intervenções farmacológicas ou
genéticas para melhorar a saúde dessas pessoas. Então, se você é tão
saudável aos 50 quanto era aos 30, você não vai viver só até os 80. As
décadas a mais são uma consequência do bem-estar”, garante.
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