Geometria projetiva
'Thomas Was Alone' é o tipo de narrativa --e de experiência-- que só é possível nos games
Thomas é um sujeito afável e curioso, bastante parecido fisicamente com James, seu melhor amigo. Ambos toleram bem a rabugice de Chris, que só não é mais desconfiado do que a insegura Laura, por quem ele acaba apaixonado. Estes são alguns dos personagens de "Thomas Was Alone" (PC, Mac, PS3 e Vita).
Assim como Thomas, que é um retângulo vermelho, todos são representados apenas por quadriláteros simples e coloridos. Acho que a última vez em que me envolvi tanto com figuras geométricas foi durante a leitura do clássico "Flatland: Uma Aventura em Muitas Dimensões", de Edwin A. Abbott.
É um "puzzle plataformer" de jogabilidade equilibrada, no qual o objetivo de cada fase é resolver os quebra-cabeças que impedem cada personagem de chegar a um ponto específico. Cada um tem habilidades próprias --um pula mais alto, outro flutua etc.--, e eles devem trabalhar juntos para vencer os obstáculos.
O visual, quase abstrato, é muito agradável aos olhos, e a trilha sonora se encaixa perfeitamente no ritmo do jogo. Em termos superficiais é isso, mas aqui a estrela é a narrativa e sua interação com as mecânicas. Nos games que fazem uso de narrativa estruturada, o enredo, pré-programado, costuma avançar a partir das ações dos personagens ou de "cutscenes", cenas que interrompem a interatividade e reproduzem a linguagem do audiovisual.
"Thomas Was Alone" se diferencia pelo uso de um narrador onisciente. Outro game recente, "Bastion", também utiliza esse recurso, mas enquanto neste último o narrador está inserido no universo do jogo, em "Thomas Was Alone" ele é um elemento totalmente externo.
A partir de um texto inteligente, completado pelo tom perfeito da dublagem, o narrador não apenas batiza as formas geométricas que vão aparecendo na tela e aumentando o grupo a cada fase, mas também transmite suas angústias e reproduz seus pensamentos.
Ler e ouvir a narração em conjunto com a experiência de controlar os quadriláteros e sentir a diferença mecânica no comportamento de cada um acaba tornando mais palpáveis as características dos personagens. Com essa imersão, o jogador passa a enxergá-los como indivíduos, sentindo alguma empatia por eles e se engajando ainda mais no universo em que transitam.
E não apenas isso: como os personagens se tornam vivos por meio desse casamento entre narração e mecânica, surgem pequenos momentos de narrativa emergente --aquela que brota espontaneamente da experiência subjetiva de interação entre os elementos do game, em oposição à linearidade predefinida da narrativa estruturada.
Como se Thomas e seus companheiros fossem dotados de vontade própria, um simples esbarrão entre retângulos pode ser interpretado de várias maneiras pelo jogador.
O que poderia ser apenas um conjunto de estereótipos (ainda que bem escritos) projetados sobre gráficos esquemáticos (ainda que elegantes) ganha profundidade por meio da intervenção do jogador. É o tipo de narrativa --e de experiência-- que só é possível nos games.
E, para coroar, "Thomas Was Alone" é ao mesmo tempo engraçado e triste. Como quase tudo que vale a pena nesta vida.
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