Câncer, novos dilemas
Especialistas ligados ao Instituto Nacional de Câncer dos Estados Unidos publicaram no "Journal of the American Medical Association" uma série de recomendações que, se adotadas, mudariam significativamente a forma de detectar e tratar tumores.A ideia central é deixar de chamar de câncer vários tipos de lesão que tendem a ser indolentes ou que têm baixo potencial de provocar metástases. Espera-se, com isso, que os pacientes fiquem menos amedrontados e que reduzam a procura por tratamentos agressivos e provavelmente desnecessários, como a remoção de mamas.
Ao longo das últimas décadas, houve avanços notáveis nas tecnologias de detecção, e as pessoas incorporaram exames preventivos a suas rotinas médicas. Dessa forma, mais tumores passaram a ser diagnosticados e tratados.
Essa é uma boa notícia, que seguramente salvou vidas. Mas há também um preço a pagar: os sobrediagnósticos e terapias ociosas.
Um dos primeiros especialistas a demonstrar a existência desse problema, inicialmente recebido com um certo ceticismo pela comunidade médica, foi H. Gilbert Welch.
O pesquisador mostrou que, embora os índices de detecção e tratamento exitoso tenham aumentado bastante para vários tipos de câncer, as curvas de mortalidade não mudaram tanto --forte indício de que os tumores descobertos não eram tão ameaçadores. Isso é especialmente verdade para lesões na mama, no pulmão, na próstata, na tireoide e na pele.
O cálculo revela a magnitude do problema. Welch estima que, para cada vida salva submetendo-se mulheres de mais de 50 anos a mamografias, há uma série de efeitos adversos: de duas a dez mulheres recebem tratamento sem necessidade; de 200 a 500 experimentam um episódio de "alarme falso", que envolve altos custos psíquicos e materiais.
A fim de salvar vidas, transforma-se muita gente saudável em paciente. Se não há dúvida de que, em termos de saúde pública, é preciso encontrar um ótimo no nível de diagnóstico que permita evitar o máximo de óbitos com o mínimo de efeitos adversos, esse raciocínio se esfacela quando levado para o nível individual.
Como não há muita certeza sobre qual tumor poderá um dia provocar metástase, pacientes e médicos preferem não arriscar, frequentemente optando por terapias mais agressivas. É esse problema, que evoca a quadratura do círculo, que os especialistas tentam resolver.
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Aceitar a paz
Novas negociações entre israelenses e palestinos começam em cenário mais favorável, mas histórico da região recomenda ceticismo
Nessas duas décadas, cresceu o pessimismo. Extremistas se fortaleceram dos dois lados e consolidou-se, após reiterados fracassos, a impressão de que o nó não será desatado. Natural, portanto, que seja recebida com ceticismo a nova rodada de negociações, iniciada na semana passada.
Existem razões, ainda assim, para nutrir certa esperança.
A Palestina desfruta de inédito apoio internacional, com o reconhecimento simbólico pela Assembleia-Geral da ONU, no ano passado. Em Israel, o partido de Binyamin Netanyahu saiu enfraquecido das eleições parlamentares de janeiro, e o primeiro-ministro montou uma coalizão moderada.
Do ponto de vista dos EUA, um acordo de paz poderia lustrar a imagem progressista de Barack Obama, arranhada pelo escândalo de espionagem global. Não estranha, assim, a pressão americana para o reinício do diálogo, interrompido há quase três anos.
Cabe ressaltar que as cinco tratativas malsucedidas legaram receita quase consensual para a paz. O ponto principal é a criação de um Estado palestino baseado nos territórios ocupados por Israel na Guerra dos Seis Dias, de 1967 --ou seja, Cisjordânia e Gaza.
A maioria dos assentamentos, em que vivem 400 mil judeus, seria anexada a Israel. Área equivalente seria transferida ao novo Estado palestino como compensação.
Haveria alguma forma de soberania compartilhada sobre regiões árabes de Jerusalém, em especial a Esplanada das Mesquitas --de onde Maomé teria ascendido ao céu, segundo a tradição islâmica.
O direito de retorno de palestinos que deixaram Israel na criação do Estado judeu, em 1948, seria limitado a dezenas de milhares num universo de mais de 5 milhões.
Segundo pesquisa recente, 62% dos israelenses e 53% dos palestinos defendem uma solução com dois Estados. A suspeição, entretanto, é grande: 82% dos palestinos acreditam que o objetivo de Israel é expulsá-los da região ou subjugá-los, e 54% dos israelenses entendem que os vizinhos desejam acabar com o Estado judeu.
Esse ambiente de desconfiança beneficia segmentos radicais contrários à paz. O grupo islâmico Hamas, que domina a faixa de Gaza, tem sabotado as negociações. Entre israelenses, o discurso do medo predomina nos assentamentos.
Apesar dos vetores favoráveis, a negociação de paz somente poderá avançar se ambos os lados conseguirem impedir que extremistas monopolizem o debate. Infelizmente, não se trata de tarefa fácil.
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