Penitenciárias paulistas têm até 'celular do James Bond'
Em quatro anos, houve aumento de 27% no número de telefones apreendidos
Videogames, tablets e DVDs já foram achados; para especialistas, Estado vai contratar bloqueadores de sinal
AFONSO BENITESDE SÃO PAULOJOSMAR JOZINODO "AGORA"
Tablets, relógios-celulares, videogames, aparelhos de DVD e smartphones de última geração com poderosas câmeras, TV acoplada, acesso a internet e Bluetooth. Nada disso estava em uma loja de produtos eletrônicos.Esses equipamentos foram encontrados nos últimos cinco anos em penitenciárias paulistas sob o poder de presos ou abandonadas nos pátios de banho de sol.
O relógio-celular, por exemplo, que teve três exemplares apreendidos no ano passado no Centro de Detenção Provisória Belém, na zona leste da capital, é tão moderno e discreto que no comércio os vendedores o chamam de "celular do James Bond".
Na internet, um modelo como esse custa cerca de R$ 1.500, tem tela com 1,18 cm de espessura, reconhecimento de voz e armazena arquivos de áudio em MP3.
Nos presídios, o preço dos telefones obedece a lei da oferta e da procura, portanto, é bem mais caro que na rua. Um celular que custa pouco mais de R$ 300 no comércio legal, na penitenciária pode valer até R$ 4.000.
Conforme agentes penitenciários e ex-detentos, muitas vezes esse aparelho é dividido entre dois ou três presos. Um fala de manhã, outro, à tarde e o terceiro, à noite.
Na maioria das apreensões, segundo agentes, o detento que diz ser o dono do celular está mentindo. "São pessoas que têm dívidas com o crime organizado que pagam assumindo' esse boletim de ocorrência", disse um agente.
Uma apreensão que chamou a atenção dos agentes acabou com o que foi batizado de playground dos presos no CDP Belém. Em uma das celas, havia um videogame, um DVD e 31 celulares.
CRESCIMENTO
Analisando os dados de apreensões de celulares desde 2008, constata-se que tem crescido a quantidade de aparelhos que entram nos estabelecimentos prisionais.
Em 2008, foram 10.446 aparelhos apreendidos, média diária de 28. No ano passado, foram 13.248, média de 36 --um crescimento de quase 27%.
Na opinião do sociólogo José dos Reis Santos Filho, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Situações de Violência e Políticas Alternativas da Unesp, a circulação de celulares não diminui porque há uma rede com elos que é difícil de ser quebrada.
"São agentes penitenciários, advogados, familiares e até policiais que entram com o telefone ou ajudam alguém a entrar. É um comércio que interessa aos presos e não tem o efetivo combate."
Para ele, esse comércio aumentou após os ataques da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) em 2006.
É por meio do celular que muitos dos presos mantêm o controle do tráfico de drogas do lado de fora das prisões.
No mês passado, o Ministério Público revelou que de dentro da penitenciária 2 de Presidente Venceslau, o preso Wanderson Paula Lima, o Andinho, comandava a venda de drogas em Campinas.
Sexta-feira, uma ação da polícia prendeu 28 suspeitos que recebiam ordens por telefone de um preso conhecido por "Zona Sul". Ele está no mesmo presídio de Andinho
Para a coordenadora da comissão de política criminal e penitenciária da OAB de São Paulo, Adriana Martorelli, a superlotação é um dos motivos."Hoje o sistema penitenciário não tem controle. Tem muito mais preso do que seria possível gerenciar."
Em todo o Estado de São Paulo, há quase dois presos por vaga. Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional, são 195.965 detentos em 102.312 vagas.
OUTRO LADO
Estado vai contratar bloqueador de sinal de celular para presídios
Licitação deve começar neste mês; em sete anos, 58 funcionários foram demitidos por ajudar detentos
Atualmente, dois sistemas estão sendo testados em penitenciárias da região metropolitana de São Paulo.
Conforme a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), os presídios foram escolhidos segundo o grau de dificuldade. Entre os que foram testados há os que ficam próximos a aeroportos, perto de torres transmissoras de sinais de celular e ao lado de vias com grande movimentação.
O desafio é conseguir limitar o bloqueio do sinal apenas no perímetro da penitenciária, sem que o sistema interfira nos telefones da região.
Ainda segundo a secretaria, nos testes, foram detectadas ocorrências que não são admitidas pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), que fiscaliza o setor.
Nas avaliações houve vazamento do bloqueio para fora da prisão. Técnicos da agência acompanham os testes.
Em princípio, as unidades que receberão os bloqueadores são as que concentram presos de alta periculosidade e membros de facções criminosas, como o PCC. A secretaria não informou que penitenciárias são essas, mas hoje, a cúpula da facção está detida em Presidente Venceslau (a 611 km de São Paulo).
AVANÇOS
Ao invés de comprar equipamentos bloqueadores, que em pouco tempo podem se tornar obsoletos por conta das novas tecnologias, o governo quer contratar empresas que bloqueiem o sinal.
Dessa forma, mesmo com os avanços, essas empresas seriam obrigadas a se atualizarem para bloquear o sinal.
Em janeiro, a Folha revelou que testes feitos durante nove dias no CDP de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, apontaram 1.513 chips em funcionamento no local, incluindo os dos 264 funcionários.
Na ocasião, ao perceberem a perda de sinal e sem saber dos testes, parte dos presos ligou para o atendimento ao cliente das empresas telefônicas reclamando por não completar suas chamadas.
Para a advogada Adriana Martorelli, da comissão de política criminal e penitenciária da OAB-SP, as empresas de telefonia deveriam elas próprias bloquear os sinais de celular nas penitenciárias.
"As empresas ganham muito dinheiro com telefonia. Elas poderiam ter a responsabilidade social de bloquear seu sinal nas prisões. Algum retorno para a sociedade ela tem a obrigação de dar."
Os celulares entram nas penitenciárias de diversas maneiras, as mais comuns são por meio de visitas ou com a conivência de agentes penitenciários.
CRISTIVIDADE
Em 2009, um aeromodelo foi apreendido em Presidente Venceslau tentando deixar celulares na penitenciária. Em Avaré, em 2010, os funcionários acharam uma catapulta encostada no muro do lado de fora que lançava os aparelhos para o presídio.
Para tentar combater a corrupção de seus funcionários, a SAP tem punido os servidores flagrados facilitando a entrada dos celulares.
Desde 2006, segundo os dados da instituição, 239 funcionários responderam a processos por essa razão. Sendo que 58 deles foram demitidos.
No mês passado, um diretor da penitenciária de Mirandópolis foi afastado sob suspeita de ajudar presos a conseguirem celulares.
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