Estado de Minas: 01/08/2013
“Meu pai só me deu
nome e vida”. Não foi assim que ele começou a conversa. Aquele que teria
sido o ponto de partida, onde tudo ganhava sentido, só foi entregue
quando estávamos quase acabando a viagem.
Uma hora e meia de estrada, ele dirigindo. Começou puxando outra ponta da meada, a da sua credulidade. Um homem inocente, de boa-fé, sempre pronto a cair na armadilha. Não teve sorte com as mulheres. A primeira era tão boa, trabalhadora, moça de família. Iam se casar. E para juntar dinheiro que tornasse o casamento possível, ele aceitou um trabalho de alta periculosidade. Levou tiros, enfrentou malfeitores, foi perseguido e perseguiu. Tudo o que ganhava mandava para ela, que estava cuidando de preparar o ninho. Mas quando os tiros chegaram mais perto e ele resolveu abandonar o emprego e voltar, descobriu que o ninho que ela havia preparado era para si só. Ele não tinha mais um tostão.
A segunda também era ótima moça, trabalhadora, família boa. Passaram a trabalhar juntos, ela na administração. Ele acreditava estar juntando dinheiro, ela o gastava todo. Viu-se coberto de dívidas, vendeu o pouco que lhe restava. Mais uma vez, estava sem tostão.
Temos muito chão pela frente. Só lá adiante, depois de ter contado de outros empregos e outras desilusões, acaba me dizendo que em criança morou muitos anos na rua. Dormia no banco da praça, engraxava sapatos. Cadê o pai? – pergunto entre surpresa e angustiada. E nesse ponto, como chave que entra na fechadura, ele diz aquela frase. A chave roda, a porta se abre. Além da porta está uma mãe de precário equilíbrio mental, com quem ele vive até os 7 anos, para ser depois entregue à avó paterna, que lhe dá uma caixa de engraxate e o joga na rua.
Como dizer-lhe que ele não é crédulo, que luta para crer no afeto e preencher a ausência que nada preenche?
O outro me ensinou a regar violetas. Tínhamos uma hora de estrada pela frente. Quatro gotas de água com um nada de açúcar, pingadas bem na origem dos talos, um dia sim, dois dias não. Ele cria também orquídeas, tem muitas. E quem cuida delas quando o senhor não está? – perguntei. “Ninguém. Moro só desde os 25 anos”. Isso foi no começo da conversa, não perguntei mais, deixei que ele falasse.
E ele contou dos três filhos, de como os criou com estudo e cuidados, e contou dos netos, da piscina que construiu para eles na sua casa, de sua mania de ordem. Quem mora só tem que ser arrumado, disse, enfático, cada coisa no seu lugar. Só mais tarde falou dela. A gente era apaixonado desde os 11 anos, disse. Ficavam juntos no colégio, não se desgrudavam. Até que ela foi transferida para outra turma, à tarde. “Virei um bicho”, disse, “uma fera”. Brigava com os colegas, insultava os professores, errava as provas. A diretora percebeu a origem do problema, ano seguinte trouxe a menina de volta para o antigo horário. No recreio, os outros meninos brincavam de bola, ele ficava sentado ao lado dela no pátio, conversando. Aos 17, casaram-se. Tiveram os filhos e os criaram. Só até os 25. Não perguntei de que ela morreu. Nem por que ele não voltou a se casar. Era desnecessário perguntar. O vazio que ela deixou não podia ser preenchido – ele havia dito, “cada coisa no seu lugar”. Então, ele ficou com o vazio, como teria ficado com ela.
Uma hora e meia de estrada, ele dirigindo. Começou puxando outra ponta da meada, a da sua credulidade. Um homem inocente, de boa-fé, sempre pronto a cair na armadilha. Não teve sorte com as mulheres. A primeira era tão boa, trabalhadora, moça de família. Iam se casar. E para juntar dinheiro que tornasse o casamento possível, ele aceitou um trabalho de alta periculosidade. Levou tiros, enfrentou malfeitores, foi perseguido e perseguiu. Tudo o que ganhava mandava para ela, que estava cuidando de preparar o ninho. Mas quando os tiros chegaram mais perto e ele resolveu abandonar o emprego e voltar, descobriu que o ninho que ela havia preparado era para si só. Ele não tinha mais um tostão.
A segunda também era ótima moça, trabalhadora, família boa. Passaram a trabalhar juntos, ela na administração. Ele acreditava estar juntando dinheiro, ela o gastava todo. Viu-se coberto de dívidas, vendeu o pouco que lhe restava. Mais uma vez, estava sem tostão.
Temos muito chão pela frente. Só lá adiante, depois de ter contado de outros empregos e outras desilusões, acaba me dizendo que em criança morou muitos anos na rua. Dormia no banco da praça, engraxava sapatos. Cadê o pai? – pergunto entre surpresa e angustiada. E nesse ponto, como chave que entra na fechadura, ele diz aquela frase. A chave roda, a porta se abre. Além da porta está uma mãe de precário equilíbrio mental, com quem ele vive até os 7 anos, para ser depois entregue à avó paterna, que lhe dá uma caixa de engraxate e o joga na rua.
Como dizer-lhe que ele não é crédulo, que luta para crer no afeto e preencher a ausência que nada preenche?
O outro me ensinou a regar violetas. Tínhamos uma hora de estrada pela frente. Quatro gotas de água com um nada de açúcar, pingadas bem na origem dos talos, um dia sim, dois dias não. Ele cria também orquídeas, tem muitas. E quem cuida delas quando o senhor não está? – perguntei. “Ninguém. Moro só desde os 25 anos”. Isso foi no começo da conversa, não perguntei mais, deixei que ele falasse.
E ele contou dos três filhos, de como os criou com estudo e cuidados, e contou dos netos, da piscina que construiu para eles na sua casa, de sua mania de ordem. Quem mora só tem que ser arrumado, disse, enfático, cada coisa no seu lugar. Só mais tarde falou dela. A gente era apaixonado desde os 11 anos, disse. Ficavam juntos no colégio, não se desgrudavam. Até que ela foi transferida para outra turma, à tarde. “Virei um bicho”, disse, “uma fera”. Brigava com os colegas, insultava os professores, errava as provas. A diretora percebeu a origem do problema, ano seguinte trouxe a menina de volta para o antigo horário. No recreio, os outros meninos brincavam de bola, ele ficava sentado ao lado dela no pátio, conversando. Aos 17, casaram-se. Tiveram os filhos e os criaram. Só até os 25. Não perguntei de que ela morreu. Nem por que ele não voltou a se casar. Era desnecessário perguntar. O vazio que ela deixou não podia ser preenchido – ele havia dito, “cada coisa no seu lugar”. Então, ele ficou com o vazio, como teria ficado com ela.
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