quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Pacote da Câmara reduz rigor para desvios das campanhas

folha de são paulo
RANIER BRAGON
MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA
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Ao mesmo tempo em que freou uma reforma do sistema político para valer já em 2014, a Câmara dos Deputados prepara um "pacote" de alterações na legislação eleitoral que diminui punições a partidos e candidatos, derruba restrições às doações e coloca amarras no Judiciário e no Ministério Público.
O projeto está pronto para ser votado no plenário na semana que vem, quando o Congresso retoma as votações após o recesso.
Chamada de "minirreforma eleitoral", a proposta foi elaborada pelos líderes das principais bancadas e é comandada pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), ex-líder do governo na Câmara e coordenador da comissão que discute a reforma política.
O texto altera quase todo o sistema eleitoral. No trecho que aborda a fiscalização das campanhas, por exemplo, a minirreforma prevê que a Justiça só fará o "exame formal" dos documentos apresentados pelas campanhas e pelas legendas, sendo vedada a análise das atividades "ou qualquer interferência na autonomia dos partidos".
A punição também é esvaziada. Uma dos artigos diz que o candidato não será responsabilizado por crime praticado por integrante de sua campanha, salvo se provada sua participação intencional.
A multa a empresas que doarem acima do limite de 2% do faturamento bruto do ano anterior também cai de até dez vezes o valor doado a mais para até uma vez.
Outra mudança sugerida tem impacto nas contas da União. Até maio, a AGU (Advocacia-Geral da União) já tinha cobrado judicialmente de políticos "fichas-sujas" R$ 2,7 milhões gastos pela Justiça Eleitoral com novas eleições geradas por cassação de prefeitos. O projeto proíbe essa cobrança.
A proposta restringe ainda a possibilidade de suspensão do Fundo Partidário, verba pública rateada entre todas as siglas registradas no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Caso o texto seja aprovado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, os candidatos a presidente e governador em 2014 estarão dispensados de protocolar na Justiça os seus planos de governo.
De acordo com o deputado Vaccarezza, o projeto ainda pode ser alterado e tem por objetivo diminuir a burocracia das eleições e torná-las mais "democráticas" e "transparentes".
Entre os pontos citados por ele, há mudanças que limitam ações adotadas por candidatos ficha-suja, a que prevê nova eleição no caso de cassação do vencedor, o fim da exigência de recibos nas doações eleitorais e a diminuição em cerca de 20 dias do período de campanha, hoje estipulado em três meses.
DOAÇÕES
O texto dos deputados também flexibiliza as regras para o financiamento das candidaturas.
É liberada a doação de "autoridades" e abre-se brecha para que dinheiro de concessionários e permissionários de serviços públicos vá parar na conta dos partidos.
Hoje eles são proibidos de doar. Pelo texto, a doação não resultará em punição caso o dinheiro seja destinado ao Fundo Partidário, que abastece as próprias legendas.
A minirreforma também permite a propaganda paga na internet, hoje vedada.
Editoria de Arte/Folhapress
aNÁLISE - REFORMA POLÍTICA
Mudanças frequentes na lei eleitoral pioram o que já não é bom
Propostas reduzem transparência, diminuem custos das transgressões e aumentam o peso do dinheiro na política
MERO CLAMOR POR MUDANÇAS NAS REGRAS DO JOGO ELEITORAL ABRE UMA CAIXA DE PANDORA DA QUAL PODEM SAIR AS PIORES MALDADES INSTITUCIONAIS, REDUZINDO A QUALIDADE DO SISTEMA POLÍTICO
CLÁUDIO GONÇALVES COUTOESPECIAL PARA A FOLHAJá se tornou hábito termos a cada eleição regras distintas das do pleito precedente, ora graças ao Legislativo, ora por iniciativa do Judiciário. O TSE verticalizou as coligações, uma emenda constitucional a derrubou; o Congresso instituiu a cláusula de desempenho partidário, o STF a derrogou; a Lei da Ficha Limpa começou a valer, mas foi suspensa por ferir o princípio da anualidade. E assim vai.
Em parte, tais alterações são normais, já que numa democracia nada é imutável. Em parte, contudo, tal fluidez institucional decorre de ainda experimentarmos no Brasil um ajustamento de nossa democracia, relativamente jovem e passível de seguidos aprimoramentos.
Sem contar a crescente interferência judicial na disputa político-partidária, que sob a razão aparente de fazer o que o Congresso não faz, mas a opinião pública demanda, remenda a normatização eleitoral sem dar-lhe coerência.
O problema de mudanças frequentes é que partidos e eleitores têm de reorientar-se a cada novo pleito, no concernente tanto às estratégias eleitorais como à decisão do voto. Para os partidos, formados por profissionais da política, o ajuste pode ser penoso, mas é contornável. Já os eleitores correm o risco de terem mudados os efeitos de seu voto sem sequer se darem conta do que ocorre.
A "reforma política" pela qual tanto se clama, sem que contudo se defina seu conteúdo, pode não só manter a volatilidade institucional, mas piorar o que já não é bom, reduzindo a transparência, barateando transgressões, cartelizando ainda mais a competição e aumentando a importância do dinheiro (venha de onde venha) na política.
Decerto há muito o que melhorar em nossa democracia, mas o mero clamor pela "reforma política" abre uma caixa de Pandora da qual podem sair as piores maldades institucionais. A proposta hoje em consideração na Câmara evidencia esse fato, pois ao mesmo tempo em que introduz mudanças razoáveis, traz em seu bojo alterações cujo condão é reduzir a qualidade do sistema político.
Isentar candidatos de uma prestação de contas detalhada, apenas com base na declaração de que seus gastos foram modestos, ou reduzir o tempo de campanha (já muito curto), dificultando a vida de competidores neófitos, são exemplos de diminuição da transparência e reforço da cartelização, respectivamente. Porém, algo é inegável: tais mudanças seriam reformas. Propostas indecorosas como essas mostram que, mais prudente do que clamar pelo cavalo de Troia da "reforma política", seria exigir mudanças específicas.

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