No melhor começo
A decisão da Marinha de extinguir o seu expediente das sextas-feiras, cancelada pelo Ministério da Defesa logo que divulgada, não era ruim. A Defesa precipitou-se ao considerar a extinção precipitada, como resposta da Marinha ao corte determinado pela Presidência nas despesas não indispensáveis do governo.
A sexta-feira é um dos dias em que a Marinha representa despesas dessas. Logo, a extinção do expediente contribuiria para os 8% de corte orçamentário cobrado da Defesa. E só. O Exército agracia o seu pessoal com o meio expediente às sextas-feiras, o que não teve maior consequência, nem poderia, do que o privilégio.
Foi já em plena redemocratização, aliás, que o Exército modificou sua velha tradição de só ter expediente em quatro dias da semana, com a quarta-feira enforcada por alegado meio expediente. E todo general dizia, seguido pelos comandados, que o Brasil não se desenvolvia porque o povo não trabalhava. Frase muito repetida ainda no governo Sarney, pelo então ministro-general Pires Gonçalves. Mas não às quartas-feiras.
A zanga da Marinha é injusta por mais do que pelo corte. Nele não foi incluída a base gigantesca que a Marinha faz em Itaguaí, município vizinho do Rio, da qual é dito que custará R$ 7,8 bilhões, mas a dúvida é de quantos bilhões se somarão a essa fortuna. É aquele negócio em que o então ministro Nelson Jobim, da Defesa, trouxe a empreiteira Odebrecht incluída no contrato com os franceses fornecedores do submarino atômico. Uma nova modalidade de carta marcada em favor de uma empreiteira. Com a obscuridade dos contratos em geral e o favorecimento da empreiteira avalizados por Lula.
Mas a extinção do expediente na sexta-feira, na Marinha ou no Exército, oferece contribuição importante. Começa por poder incidir em qualquer dia, tanto que era na quarta e passou para a sexta-feira. Não faz diferença mesmo. Pela razão simples e forte de que as Forças Armadas brasileiras estão empapadas de uma desatualização conceitual que as mantém ainda em doutrinas da Segunda Guerra, encerrada há mais de 60 anos.
Se as Forças Armadas estivessem preparadas para alguma coisa, seria para um confronto na América do Sul. Onde não há perspectiva de confronto bélico a desafiar o Brasil. A pensar-se no pré-sal, na Amazônia ou em outras possíveis causas de ambições de países poderosos, as pretensões brasileiras de investimento militar são voltados para trás -exceto o submarino atômico.
As doutrinas militares atuais estão na era da informática, dos foguetes e dos mísseis, dos raios, dos satélites, do diabólico invisível. E as pretensões brasileiras, onde se depositam? Por exemplo, em R$ 36 bilhões para comprar aviões de caça, em vez de investir em pesquisa, em atração e formação de cientistas e técnicos de olhar dividido entre a atualidade e o futuro. O mesmo se deve dizer, em outro exemplo, do custo da constante manutenção do caquético porta-aviões, tão alta que a Marinha francesa a considerou insustentável.
O Brasil já gastou fortunas em caças franceses e americanos -para nada. Mas os americanos têm caças. Sim, têm. São taticamente úteis em suas intervenções no mundo dos outros. E, já dizia o velho general Eisenhower ao deixar o governo, para o poder político servir aos "lobbies" do que batizou de "complexo industrial-militar".
As Forças Armadas custam erradamente caro ao Brasil. Mas avançaram em um sentido atualizadamente certo: seus quartéis e suas bases deixaram de ser clubes de conspiração antidemocrática. Pode ser o começo ideal.
Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve na versão impressa do caderno "Poder" aos domingos, terças e quintas-feiras.
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