Agosto de risco
Não bastassem os sinais de deterioração da economia brasileira, presidente vê-se ameaçada de perder o controle sobre a política
Oficialmente de volta aos trabalhos hoje, deputados e senadores devem encaminhar, a partir da próxima semana, a votação de diversos projetos que contrariam os interesses do Planalto.
Entra nessa lista, por exemplo, a promessa, feita pela bancada do PMDB, de apresentar proposta de emenda constitucional a fim de reduzir de 39 para 20 o total de ministérios do governo Dilma.
Premida pelos próprios aliados, a presidente decidiu liberar R$ 2 bilhões em emendas feitas pelos congressistas ao Orçamento da União --e outros R$ 4 bilhões devem ser autorizados em setembro.
Salvo nos recorrentes episódios de corrupção, o dinheiro dessas emendas costuma ser aplicado pelos parlamentares no atendimento de demandas paroquiais. Verbas, portanto, cruciais para a sobrevivência eleitoral de quem já dispõe de uma cadeira no Congresso.
Não seria difícil perceber nas entrelinhas dessa negociação o conhecido "toma lá, dá cá" que predomina nas relações entre Executivos e Legislativos. Dilma, porém, talvez por sua falta de disposição para o trato político, achou que seria o caso de explicitar todas as cláusulas desse contrato.
Em reunião à qual compareceram ministros do PT, do PMDB, do PP, do PC do B e do PSB, a presidente avisou que eles deverão garantir a fidelidade das bancadas de seus respectivos partidos no Congresso --o que nem sempre tem ocorrido, embora essas siglas componham o primeiro escalão federal.
Há dúvidas, no entanto, de que a operação possa alcançar os fins esperados. O Congresso já vinha se mostrando arisco mesmo quando Dilma se refestelava em níveis recordes de popularidade. Depois que os protestos de junho fizeram desabar a aprovação presidencial, seria imprudente apostar na lealdade dos aliados.
Se prevalecer o espírito de vingança dos congressistas, o governo pode sair derrotado em votações de projetos importantes e potencialmente custosos, como o que define o destino dos recursos arrecadados com a exploração do petróleo; o que aumenta a alíquota dos royalties da mineração; e o que cria o passe livre para estudantes no transporte público de todo o país.
Já não são poucos os sinais de deterioração da economia brasileira na gestão de Dilma Rousseff. A presidente, agora, vê-se ameaçada de perder também o controle da política nacional.
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Usina de atrasos
São pelo menos quatro as razões para considerar preocupante a notícia de que o Ibama poderá paralisar a polêmica hidrelétrica de Belo Monte em 2014, quando deveria iniciar-se o enchimento de seu reservatório.A ameaça, tal como revelado por esta Folha, consta de parecer do instituto sobre o terceiro relatório de acompanhamento das medidas sociais e ambientais com que o consórcio Norte Energia se comprometeu. Da lista de 23 precondições para a definitiva licença de operação da usina, sete estão sendo descumpridas.
O primeiro motivo de preocupação decorre do porte de Belo Monte. A hidrelétrica no rio Xingu proverá uma média de 4.571 megawatts de eletricidade (embora sua capacidade seja de 11.233 MW).
A potência total instalada para geração de energia elétrica no país, ao final de 2012, era de 121 mil MW. Belo Monte sozinha agregaria quase um décimo de capacidade a esse parque --e de energia limpa (renovável). Se não operar em 2015, como previsto, serão acionadas termelétricas movidas a energia fóssil (óleo, gás e carvão).
Nesta altura, é incontornável construir Belo Monte, mas cabe fazê-lo de forma civilizada. Eis aqui a segunda fonte de preocupação.
Erguer uma usina dessas na Amazônia e na vizinhança de centros urbanos como Altamira, com mais de 100 mil habitantes, implica considerável impacto social e ambiental. Dar mais prioridade para a obra que para obrigações nessa vertente só favoreceria os adversários do empreendimento.
O Brasil deve a si mesmo uma prova de que é capaz de suprir as necessidades de desenvolvimento futuro sem reincidir no desprezo pelas populações e pelo ambiente.
Ao apreciar o primeiro relatório de acompanhamento da Norte Energia, o Ibama multou a empresa em R$ 7 milhões --autuação sob recurso administrativo. No segundo relatório, novos descumprimentos, mas nenhuma punição.
A agência ambiental deve por certo aguardar os esclarecimentos da empresa. Mas em algum momento sua dura avaliação terá de redundar em sanções, sob pena de reforçar a interpretação de que suas decisões são meramente políticas --o terceiro motivo de alarme.
Por fim, mas não menos preocupante, há o impacto propriamente dito. Não é concebível duplicar a população de uma cidade, como se espera em Altamira, represar o rio que a serve e seguir lançando nele esgotos sem tratamento.
Não se trata de empresa privada, cabe lembrar, mas de um consórcio dominado pela Eletrobras e por fundos de pensão de estatais, financiado pelo BNDES. Para o bem ou para o mal, Belo Monte é uma obra do governo Dilma Rousseff.
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