quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Começa em SP maratona que apresenta todas as sinfonias de Beethoven em quatro dias

folha de são paulo
JOÃO BATISTA NATALI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
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Com as três primeiras sinfonias, a Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen inicia hoje a maratona de execução das sinfonias de Ludwig van Beethoven, regidas pelo estoniano Paavo Järvi.
As récitas de hoje e amanhã serão no Theatro Municipal, e as de sábado e domingo, na Sala São Paulo, dentro da temporada do Mozarteum.
Paavo Järvi, além de suas qualidades de maestro, tem o mérito de apresentar de uma só vez esse repertório encavalado entre os períodos clássico e romântico.
Editoria de Arte/Folhapress
Toda boa orquestra que se preze interpreta ou grava as sinfonias de Beethoven. É o caso da Osesp, com as nove já disponíveis em CD. A orquestra fará, entre 8 e 10 de agosto, três récitas com a "Sinfonia nº 5", regida por Rafael Frühbeck de Burghos.
Beethoven (1770-1827) é o autor do maior e mais conhecido monumento na história da música sinfônica. Serviu de referência para sinfonistas seus contemporâneos, como Schubert (dez sinfonias), ou que o sucederam no romantismo ou pós-romantismo, como Mendellsohn (cinco), Schumann (quatro, mais uma quinta, inacabada), Brahms (quatro), Bruckner (nove, e mais uma renegada), Dvorák (nove) ou Mahler (nove, mais trechos da décima).
Na Rússia, Tchaikovsky escreveu seis sinfonias, Prokofiev, sete, e Chostakovich, 15. Há dezenas de outros sinfonistas menos conhecidos.
Mas na mesma genealogia, com raiz em Beethoven, estão os poemas sinfônicos de Liszt ou Richard Strauss.
No Brasil, Villa-Lobos escreveu 12 sinfonias, Cláudio Santoro, 14, Camargo Guarnieri, sete, e José Siqueira, quatro e igual número de poemas sinfônicos.
A ruptura com a estética de Beethoven só ocorreu no fim do século 19, com Debussy.
As sinfonias se consagraram no classicismo, na segunda metade do século 18. Mozart escreveu 41, Haydn, que foi professor de Beethoven, 104. Mas nesses dois casos eram peças com instrumentação menos complexa, por vezes só entretenimento.
Sobre Beethoven, circulam suposições incorretas. Uma acredita que as sinfonias foram escritas segundo um processo linear de aperfeiçoamento, pelo qual a "Primeira" (1800) seria menos bem escrita que a "Nona" (1824).
Musicólogos têm outra visão. Alguns enxergam o apogeu de Beethoven entre a "Terceira" e a "Sexta" ("Pastoral"). A "Nona", também chamada "Coral", seria só a mais espetacular, por exigir coro e quatro solistas vocais.
Ela é a mais conhecida entre todas as sinfonias até hoje escritas, em razão de dois chamativos: a beleza melódica (o último movimento, de tão popular, virou hino da União Europeia) e o número de músicos necessários a sua execução: geralmente, até 120 instrumentistas e mais um coral de centena de vozes.
A "Sinfonia nº 5" é também popular. Até os menos iniciados conhecem as quatro notas em staccato do início do primeiro movimento.
Outra suposição frágil aponta as sinfonias como centro da criatividade de Beethoven. Mais uma vez, e há bibliotecas inteiras a respeito, crê-se que ousadias e radicalismos formais estejam nas 32 sonatas para piano ou nos 16 quartetos de cordas. Entre eles, os cinco últimos são para se ouvir de joelhos.
Costuma-se classificar a produção de Beethoven em três períodos. No primeiro (sinfonias 1 e 2), influência de Mozart e Haydn; no segundo, da "Sinfonia nº 3" até a "Oito", aparição de uma linguagem já romântica; no terceiro, a partir de 1815, plena maturidade. A "Nona" é de 1824.
É a sinfonia mais longa. As mais curtas são a "Primeira" e a "Oitava", que, dependendo do maestro, têm menos da metade da duração dela.
Beethoven é 'heavy metal' e 'demônio'
Criação do compositor alemão foi a mais impactante de sua época, analisa o brasileiro Roberto Minczuk
Para maestro, que regerá domingo homenagem aos 200 anos da 'Sinfonia nº 7', obra leva ao êxtase
JULIANA GRAGNANICOLABORAÇÃO PARA A FOLHAA música do alemão Ludwig van Beethoven foi o heavy metal da época. Pelo menos na comparação do maestro brasileiro Roberto Minczuk, 46, que irá reger uma homenagem ao compositor no domingo, na Sala São Paulo.
Titular da Orquestra Sinfônica Brasileira da Cidade do Rio de Janeiro e da canadense Filarmônica de Calgary, Minczuk dirigirá a Orquestra Sinfônica Brasileira, na Sala São Paulo.
"Antes de Beethoven, nunca tinha se ouvido uma música tão forte, impactante. É o heavy metal da época. É de uma velocidade jamais atingida", diz o maestro.
Hoje, a Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen começa uma série de apresentações das sinfonias de Beethoven, com regência do estoniano Paavo Järvi.
A apresentação dirigida por Minczuk, por sua vez, se concentrará só em uma sinfonia. O concerto acontecerá em celebração aos 200 anos da "Sinfonia nº 7", qualificada pelo compositor Richard Wagner (1813-1883) como a "apoteose da dança".
Minczuk diz concordar com a classificação de Wagner. "Da primeira à última nota, a sétima é pra cima, uma verdadeira celebração. Ela cativa, tem força estonteante. Não tem como não entrar em êxtase quando é bem tocada."
É com essa sinfonia que "O Discurso do Rei" (2010) resolve sua cena mais crítica: o momento em que o rei da Inglaterra George 6º, gago, tem de fazer um pronunciamento à nação. Ao fundo, está tocando o segundo movimento da "Sinfonia nº 7". A composição confere serenidade aos personagens, apesar da tensão do momento.
"Beethoven foi um revolucionário. Ele fez a transição do período clássico ao período romântico", diz Minczuk.
O maestro e arranjador brasileiro Júlio Medaglia, 74, fundador da Orquestra Amazonas Filarmônica, considera Beethoven o maior compositor de todos os tempos.
"É o demônio da história da música. Ele a transformou em um grande veículo da alma humana. Até então, a música clássica era abstrata, cristalina,quase independente do ser humano. E ele colocou paixões e alegrias", diz.
SINFONIA É NARRATIVA
"A partir de Beethoven, o maestro é uma figura essencial. Ele regeu suas sinfonias, que são narrativas e precisam ter começo, meio e fim. Por isso, a orquestra precisa de uma unidade. Quanto mais unificada for, mais forte será o impacto", afirma Minczuk.
Medaglia, que já regeu todas as sinfonias de Beethoven, diz nunca ter ficado satisfeito com as apresentações.
"Não é frescura. Quando ouço as gravações, odeio. Temos a impressão de nunca revelar o que existe ali dentro de valor estético e humano."
"As sinfonias de Beethoven sempre têm uma bomba atômica escondida debaixo de cada nota, é sempre um mistério. Existe uma vibração sonora incrível, parece que as notas estão realmente vivas."
Ele afirma que considera importante toda a criação de Beethoven, mas diz que "Sinfonia nº 5" e a "Sinfonia nº 9" são as mais impactantes.
São justamente essas as mais conhecidas na cultura popular. São facilmente reconhecíveis: o "dum dum dum dum", primeiro movimento da quinta, um staccato (notas separadas umas das outras), é tão popular que, em 1976, o compositor americano Walter Murphy adaptou a sinfonia para a música disco. A canção "A Fifth of Beethoven" ficou 19 semanas na lista do "Billboard Hot 100", tabela musical dos Estados Unidos que avalia as canções mais vendidas.
Já a nona, com último movimento cantado, é trilha sonora de vários filmes. Entre eles, "Sociedade dos Poetas Mortos" (1989) e "Laranja Mecânica" (1971). Em uma das cenas mais famosas do filme, Alex, o personagem principal, é obrigado a assistir a vídeos de violência. Ele reconhece o quarto movimento da nona sendo usado como trilha sonora. "É um pecado!", berra, "usar o Ludvig van dessa maneira! Ele não machucou ninguém! Beethoven apenas compôs música!"
O maestro cearense José Maria Florencio, 51, da Orquestra Capella Bydgostiensis, na Polônia, afirma que Beethoven é seu compositor predileto e que a nona sinfonia é a mais bela de todas.
"Essa sinfonia foi um grito de esperança frente a uma vida terrivelmente atormentada, atordoada, cheia de problemas. No fim de sua vida, ele escreve essa obra que é uma chamada para que a humanidade se torne mais fraterna", interpreta.
Para Florencio, as sinfonias de Beethoven expressam diferentes momentos de sua vida."Elas ocupam uma posição quase mística na história da música. Cada uma é um manifesto que muda o rumo do pensamento musical."

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