Walter Sebastião
Estado de Minas: 10/08/2013
Meio século dedicado à poesia, devidamente comemorado com um novo livro. O carioca Armando Freitas Filho, de 73 anos, vai lançar Dever (Companhia das Letras) este mês. A estreia foi em 1963, com Palavra, e o trabalho mais recente é Lar, (2009). Quinze títulos depois, o escritor coleciona prêmios – três Jabutis, o Alphonsus Guimaraens, o Portugal Telecom de Literatura e o Moacyr Scliar – e respeito.
Armando é considerado um dos poetas contemporâneos mais importantes do Brasil. “Prêmios, consagrações e respeito são duvidosos por natureza”, afirma ele. “Há sempre aqueles que não me premiam, não me consagram, não me respeitam. Portanto, o sentimento que tenho, ao sentar para escrever, é tentar fazer com que eles me respeitem, somente”, acrescenta.
Para quem ainda não conhece seus versos, o autor sugere Máquina de escrever, poesia reunida e revista (Nova Fronteira). O título remete a objeto pelo qual o poeta tem particular afeto – e usa até hoje.
Armando Freitas Filho se define como escritor trifásico: “O encanto começa com o lápis de ponta fina ou rombuda ou com a caneta de qualquer marca, com minha máquina de escrever Olivetti Lettera 22, de teclas pretas, e com qualquer computador. Este é o caminho cronológico que percorro hoje para o poema ou o texto ficarem prontos. Mas não posso negar que tenho uma queda pela Olivetti, talvez por ter sido presente do meu pai quando fiz 20 anos. Posso dizer, então, que ela é o meu animal de estimação”.
Pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, Armando foi secretário da Câmara de Artes no Conselho Federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional e assessor no gabinete da Presidência da Funarte, cargo no qual se aposentou.
O poeta organizou a obra da colega e amiga Ana Cristina César (1952 –1983). Nasceu e mora no Rio de Janeiro, cidade presente em seus versos.
Entrevista
Armando Freitas Filho
poeta
Meio caminho andado
O que se aprende, ou se entende, sobre o mundo e as palavras depois de tanto tempo dedicado ao ofício da poesia?
No meu caso, o aprendizado e o entendimento foram sobre mim mesmo. Se estes tiverem chegado ao mundo e ao mundo das palavras, depois de 50 anos de prática, de uma maneira pelo menos razoável, meio caminho foi andado.
Como a poesia entrou na sua vida? Em que momento sentiu que se dedicaria a ela?
A poesia entrou na minha vida pelo ouvido ao ganhar do meu pai, em 1956, o disco com Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade dizendo seus poemas, e imediatamente depois, os livros Poesias completas e Fazendeiro do ar & poesia até agora, com toda a poesia que tinham escrito, até então. Devo ter feito por merecer esses presentes, mas não me lembro de tê-los pedido. O que eu sei é que nunca mais recebi presentes tão valiosos.
Que tema é recorrente em seus textos?
De uma maneira geral, o corpo, a cidade, a memória e o fazer poético. Não são exatamente temas, mas problemas que vou procurando resolver de diferentes maneiras, conforme a época e a circunstância. Entendo a poesia como entendo as outras coisas da vida, que mesclam solidão e vida mundana.
A que autores concederia o título de mestre? Quem são os seus mestres?
Meus três mosqueteiros são, como já disse algumas vezes, por ordem de entrada: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar D’Artagnan.
O que é mais fascinante em ser um autor que escreve em português?
Fascinante, por ser a língua de Carlos Drummond de Andrade, por exemplo; decepcionante por ser uma língua de cultura tão pouco lida.
O que o Rio de Janeiro representa para você?
Tenho um punhado de poemas sobre o Rio. Daria para fazer um livro alentado sobre as muitas cidades que o compõem. O crítico Luiz Costa Lima chegou a escrever que minha poesia celebra bem a cidade. Também, com mestres padrão ouro à mão como Tom, Vinicius e Rubem Braga, como não aprender alguma coisa pelo menos? O que me incomoda no Rio é a sua beleza implacável, que consegue chegar ao terrível num piscar de olhos. O jeito carioca de ser se assemelha com o jeito mineiro de ser, a meu ver, por incrível que pareça: somos manhosos, dribladores, nos ocultamos falando. Só que o primeiro não usa reticências nas frases, prefere se disfarçar atrás das exclamações. Nascer, viver, trabalhar, morar na cidade e, se Deus quiser, morrer nela é um destino como outro qualquer, mas que tem uma trilha, mais ao sul, que conjuga montanha e mar ao mesmo tempo, inesquecível.
O primeiro arranha-céu
foi a pedra
do Pão de Açúcar:
monumento onde o mar
se amarra
o mato cresce no pedestal
e o abraço da baía
completa o cenário
– o lugar-comum –
o que já estava escrito
pelos cronistas lapidares
e por mim
quase com as mesmas palavras
De Armando Freitas Filho
Nenhum comentário:
Postar um comentário