sábado, 10 de agosto de 2013

O Brasil deve adotar o Orçamento impositivo? [Tendências/Debates]

folha de são paulo
ANA AMÉLIA
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil deve adotar o Orçamento impositivo?
SIM
O fim da ficção
A tramitação da PEC do Orçamento Impositivo assumiu agora a condição de prioridade para o Congresso Nacional. O motivo dos debates, contudo, não parece estar à altura da relevância assumida pela proposta de emenda constitucional.
A julgar pela percepção da mídia, trata-se de um movimento conduzido pelos congressistas para garantir a liberação das emendas parlamentares. Seria um expediente esperto para o Congresso evitar cortes orçamentários, exigidos pelo necessário controle dos gastos.
Não se deve olhar essa inadiável iniciativa pelo lado das emendas parlamentares. Isso equivale a focar a árvore e não a floresta!
Emendas são legítimas, mas, nesse caso, a questão é de princípio: todo o Orçamento deve ser impositivo. É condição básica do processo democrático e garantia da legitimidade e republicanismo no emprego dos recursos públicos. O Executivo deve propor prioridades e políticas, mas elas se tornam legítimas somente quando aprovadas pelo povo, representado no Legislativo.
No Brasil, paradoxalmente, aceita-se como se fosse normal um Orçamento de ficção. Estamos diante da negação da democracia, que supõe responsabilidades compartilhadas na gestão do dinheiro público.
É essa situação, por sinal, que gera o círculo vicioso das emendas parlamentares, alimentando um toma lá dá cá conforme a circunstância. O uso clientelista da emenda acabou deturpando sua real finalidade.
O Congresso não consegue definir prioridades porque o governo gasta o que quer e como quer. Concede isenções de impostos do jeito que bem entende, deprimindo as receitas de Estados e municípios.
Os prefeitos, sem poder, sem influência e vendo encolher os recursos dos fundos constitucionais, só têm uma alternativa: pressionar os parlamentares para obter a liberação de emendas, aquela fatia do Orçamento sobre a qual o Congresso ainda tem algum controle direto.
A emenda parlamentar, contudo, tornou-se a válvula de escape de um federalismo doente, um instrumento de negociações não republicanas e de desrespeito à oposição. Já deveria ter sido substituída por programas consistentes de investimento, inscritos no Orçamento.
De pouco adianta repetir o mantra que o Orçamento de ficção é um instrumento fundamental para que o governo assegure a responsabilidade fiscal e mantenha o controle da política econômica. É esse monopólio do Executivo que está equivocado e condena o Legislativo a uma situação permanente de minoridade.
Se o Orçamento é de ficção, por que os parlamentares investiriam tempo e trabalho na discussão de programas e prioridades? Nas condições atuais, todos sabem que, logo no primeiro decreto de contingenciamento, o Executivo decidirá o que será e o que não será feito, anulando o esforço legislativo!
Da mesma forma, como o Congresso poderia assumir uma responsabilidade mais direta sobre as condições da responsabilidade fiscal, sobre o equilíbrio entre gastos correntes e investimentos, se suas decisões serão logo tornadas letra morta por um Orçamento fictício?
A condição de minoridade em que se encontra o Poder Legislativo impede o seu próprio desenvolvimento institucional, o fortalecimento das assessorias técnicas e a profissionalização dos gabinetes. Afinal, nenhuma decisão é para valer e o único trabalho concreto é elaborar uma lei orçamentária que não sobrevive mais do que alguns meses.
Não tenhamos ilusões. Assim como os manifestantes não foram às ruas por R$ 0,20, o Congresso não está em movimento por conta apenas de emendas parlamentares. Ele deseja, na verdade, retomar poderes e responsabilidades que sempre deveriam ter sido seus.

RAUL VELLOSO
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil deve adotar o Orçamento impositivo?
NÃO
Proposta inoportuna
Na prática, o Orçamento da União hoje é uma gigantesca folha de pagamento, que tende a explodir nas próximas décadas.
Parte relevante de suas as receitas é "vinculada" a certas finalidades. Os gastos com saúde devem ter um crescimento mínimo ano a ano. Outras destinações são extremamente rígidas por definição, como no caso de pessoal e benefícios previdenciários e assistenciais.
Não há como deixar de pagar gastos obrigatórios como esses. E praticamente tudo isso está previsto na Constituição Federal.
É fato que, na época da inflação explosiva, nem a previsão constitucional era suficiente. O governo atrasava nas liberações de despesas e a corrosão inflacionária fazia com que sobrasse dinheiro no fim do ano. Com algumas despesas fixas em termos nominais, o governo aplicava as receitas extras como queria, sem que se soubesse ao certo como se dava tal distribuição.
Hoje, persiste a crença de que o único jeito de assegurar qualquer valor que tenha origem no governo é conseguir um dispositivo constitucional dizendo isso com todas as letras. Exemplo? A proposta de emenda constitucional com a qual o Congresso Nacional busca instituir o Orçamento impositivo.
Com inflação mais baixa e respeitadas as prioridades constitucionais, a execução orçamentária de 2012 revela o seguinte: 73,6% do total gasto pela União refere-se a pagamentos de pessoas, sendo 39,5% para os gastos da previdência geral; 10,2% para os inativos e pensionistas da União; 12,9% para o pessoal ativo; e 11% para os programas de assistência social.
Cálculos que eu e alguns parceiros fizemos em trabalho recente mostram que o percentual do PIB gasto com o total desses itens deve dobrar em 2040, seja em razão das regras altamente concessivas em vigor, seja pelo rápido envelhecimento da população brasileira, conforme previsto nas projeções do IBGE.
O resto do Orçamento vai para saúde (8,2% do total), "outros gastos correntes" (12,4%) e investimentos (5,8%). Nesta última parcela, 1,3% do total se refere a investimentos em transportes. Não é à toa que a infraestrutura brasileira está o caos que está.
Quanto aos setores melhor aquinhoados com recursos, como educação e saúde, estudos mostram que nossos gastos são similares aos de países de dimensão econômica e social comparável, embora de qualidade significativamente inferior.
Já no caso de previdência, gastamos absurdamente acima do que gastam países cujo percentual de idosos é parecido com o nosso.
Como era essa situação por volta da promulgação da Carta de 1988? A "grande folha", pasme, era de apenas 39% do total, e na saúde se gastavam os mesmos 8% de hoje. Obviamente, os investimentos e os demais gastos correntes eram bem mais elevados.
De lá para cá, o Orçamento se tornou uma peça ineficiente de tal forma que, sem reformas, sua rigidez tenderá à explosão em futuro não muito distante. Sem um esforço para aumentar a eficiência e repassar tarefas relevantes ao setor privado, teremos sérios empecilhos ao desenvolvimento do país e crescente insatisfação dos contribuintes.
É nesse contexto que o Congresso tenta impor ao Executivo a emenda constitucional que reserva um pedaço do miniorçamento que resta depois que se retira a "grande folha" e os gastos em saúde, ou seja, 18,2% do total. Essa manobra --uma brincadeira de mau gosto-- garantiria uma fatia de R$ 10 milhões da pizza orçamentária para cada parlamentar patrocinar algum gasto junto à sua base de apoio.
Se aprovada, essa medida significará um passo à frente em direção ao comprometimento total da receita da União. Estamos quase lá.

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