Ostentadoras, celebridades do mundo dos negócios viram seus negócios naufragarem em trapalhadas nada glamourosas
Sílvio Ribas, Paulo Silva Pinto e Diego Amorim
Estado de Minas: 10/11/2013
Amigo de astros de Hollywood, Naji Nahas foi acusado de quebrar a bolsa do Rio nos anos 1980 e ressurgiu no noticiário ao ser preso na Operação Satiagraha, da Polícia Federal |
Há três décadas o Brasil assiste impassível a uma série de ruínas de impérios empresariais e financeiros, criados e nutridos pela especial capacidade do seus líderes de fascinar o público. O sucesso desses conhecidos personagens e, por tabela, de suas empresas avança fácil no imaginário popular graças às suas exibições de riqueza e influência.
Os seus questionáveis negócios, por sua vez, prosperam com vigor graças a investidores de todos os portes na bolsa de valores, incluindo fundos de pensão de estatais, também atraídos pela exuberância irracional dos protagonistas e pela promessa de ganhos sem limites. Os desfechos dessas histórias são quase sempre as mesmas tragédias — com pesados prejuízos distribuídos a acionistas, fornecedores e administrações públicas.
Apesar de não ser genuinamente brasileiro, foi no país que o fenômeno parece ter atingido o seu auge. Os episódios envolvem empresários de ramos diversos — como marcas varejistas, bancos, construtoras e até gigantescas plantações de soja e uma petroleira — e contaram com a reação tardia dos órgãos de regulação e controle de suas respectivas áreas e do mercado financeiro.
O caso mais recente é também o mais emblemático: o colapso do império X, do empresário Eike Batista. A história, no entanto, remete a outros casos famosos, como os lances ousados de um executivo acostumado a comprar empresas em dificuldades e que levaram ao desaparecimento das marcas Mappin e Mesbla. Com grave crise financeira e vendas em baixa, as redes varejistas, do empresário Ricardo Mansur, de 65 anos, decretaram falência em junho de 1999.
DA GLÓRIA À PRISÃO No início dos anos 1980, Naji Nahas, de 66, era dono da elegante casa noturna Regine’s, em São Paulo, frequentada pelos nomes de destaque do poder e das artes, incluindo os internacionais. Lá, seu amigo Omar Shariff, astro de Hollywood, dançou com a primeira-dama Dulce Figueiredo. Os prósperos e pouco ortodoxos negócios do empresário foram expulsos da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). Em 1989, ele foi acusado de quebrar a bolsa do Rio. Há cinco anos, reapareceu no noticiário, ao ser preso na Operação Satiagraha, da Polícia Federal, acusado de lavagem de dinheiro.
O ouro de tolo que os mestres desse capitalismo de camarote vendiam ao mundo dos negócios se confundia com o luxo e a ousadia exibidos em colunas sociais, festas e eventos corporativos. “O capitalismo precisa, de tempos em tempos, criar bolhas de prosperidade e os seus heróis do momento”, resume o consultor Renê Garcia Júnior, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Na sua avaliação, a desmontagem desses “alvos de rentabilização excessiva” se inicia tão logo acabam as condições gerais favoráveis ao exagero.
Para quem sofre a desilusão de ter apostado alto em pessoas e companhias insustentáveis economicamente, resta a reflexão e a cobrança por mais rigor das autoridades. Para piorar, depois do colapso bilionário de cada um deles, muitos desses símbolos destronados ainda mantêm o caviar do cardápio, mesmo com os pés descalços. “A legislação do país é boa e dá instrumentos para proteger o investidor. O que falta é ter a informação correta”, observa o consultor e executivo Leonardo Brunet.
O êxito que figuras como Najas representa conta com uma característica local: a sanha rentista. O brasileiro sonha com lucros repentinos, sem muito esforço e, de quebra, acompanhado de uma existência faustosa. Os bilionários da vez traduzem o desejo pelo ganho fácil. “Por isso a merecida desconfiança dá lugar ao encantamento”, explica o publicitário Dudu Go
De reis do lucro a banqueiros falidos
A ganância e a capacidade de encantar o público levaram a quebras históricas de empresas de varejo a construtoras
Diego Amorim, Sílvio Ribas, Paulo Silva Pinto e Ana Carolina Dinardo
Íntimo de personalidades como JK, Mário Garnero criou o banco de investimentos Brasilinvest, liquidado em 1985, depois de desfilar no mundo empresarial |
A história de ascensão e queda do ex-todo-poderoso Eike Batista carrega um pouco das características de cada brasileiro que sonha com uma vida de poder, influência, glamour e, de quebra, acompanhada de lucros repentinos e sem esforços estrondosos. Não à toa, os bilionários da moda exercem tanto fascínio e não demoram a virar celebridades das mais endeusadas: o povo — de maneiras e intensidades diferentes — encontra neles os ingredientes necessários para alimentar ilusões.
Estranhamente, fatos e atitudes que deveriam estimular desconfiança, por vezes, provocam encantamento. É como se os desejosos da riqueza e influência instantâneas necessitassem de modelos para se apoiar e, assim, sedimentar a própria tese. A ganância e a atração pelos privilégios rondam a humanidade desde sempre, protagonizando decadência de impérios, quebras de pequenas e grandes empresas e traiçoeiras armadilhas na vida privada de tanta gente.
“Querendo ou não, é também resultado do capitalismo, de um sistema de acúmulo de capital de todas as formas e a qualquer custo”, comenta o publicitário e vice-presidente executivo da NBS Comunicação, Dudu Godoy. As derrocadas são fenômenos anunciados, acredita ele. “Ou você acha que as pessoas não sabem que a bolha vai estourar?”, instiga.
Olacyr de Moraes não conseguiu se manter na condição privilegiada de rei da soja, protagonizando a maior reviravolta vista no país da riqueza à quebra |
Geralmente, uma boa lábia ajuda a fundamentar a ideia de poder e lucro fáceis. Embora alguns casos sejam mais emblemáticos do que outros, a estratégia básica passa por criar um ambiente favorável ao convencimento de que é possível entregar algo impossível de ser entregue. “É o conceito de ilusão. Nada paga muito para muita gente e por muito tempo”, defende o educador financeiro Álvaro Modernell, incrédulo diante de toda e qualquer promessa mirabolante.
A trajetória do empresário Mário Garnero, de 76 anos, por exemplo, foi construída a partir do relacionamento com personalidades, entre as quais o ex-chanceler norte-americano Henry Kissinger. Tornou-se diretor de grandes empresas até abrir o banco de investimentos Brasilinvest, liquidado em 1985. Deu a volta por cima e segue com uma ilustre rede de contatos, sobretudo dos Estados Unidos.
As reviravoltas são mesmo uma marca desses símbolos. A mais expressiva deu, há quase meio século, o empresário Olacyr de Moraes, de 82, que trocou uma construtora em São Paulo por uma agropecuária no Mato Grosso, aproveitando incentivos de governo. Duas décadas depois foi coroado rei da soja, maior produtor mundial do grão. Seu perfil comedido, contudo, caiu por terra nos anos 1990. Divorciado, passou a desfilar com belas jovens em festas e eventos oficiais em Brasília. Sua queda, na virada do milênio, veio com a venda da endividada Fazenda Itamarati, entregue a trabalhadores sem terra.
As derrocadas também deram o que falar no sistema financeiro brasileiro nas últimas décadas. A falência dos bancos Santos, Econômico, Nacional e outros que viram os cofres esvaziarem tem como pano de fundo a história de grandes empresários cujo poder ruiu junto com investimentos de pessoas físicas e fundos de pensão. Muitos deles vivem tentando manter a pose, ao mesmo tempo em que respondem a infindáveis processos na Justiça e buscam, igualmente nos tribunais, recuperar parte do rombo em ações contra, principalmente, o Banco Central.
Graças à sua especial habilidade para comprar grandes empresas em dificuldades, para revendê-las mais adiante, o empresário paulista Ricardo Mansur, de 65, chegou um dia a ser conhecido como o Rei do varejo no Brasil. Primeiro adquiriu, em 1997, a rede paulista de lojas de departamentos Mappin. No ano seguinte fez o seu lance mais ousado, para agregar a famosa rede fluminense Mesbla. O aperto financeiro das duas marcas, a piora das vendas e os desentendimentos entre o milionário e o Bradesco, banco com quem havia feito um acordo para capitalizar as redes em R$ 420 milhões, por meio de emissão de debêntures, levou ao pedido de falência em julho de 1999.
Ao lançar um livro há três anos para relatar sua versão sobre a quebra da construtora Encol, Pedro Paulo de Souza reviveu os tempos em que circulava com desenvoltura pelas festas de Brasília. Ele foi dono da maior construtora de imóveis comerciais e residenciais do país. Pouco depois do início da derrocada, deixou a casa no Lago Sul, em Brasília, e hoje vive em um apartamento de classe média alugado em Goiânia. Os 42 mil clientes da Encol que não haviam recebido as chaves quando a empresa parou de funcionar iniciaram ali um longo calvário judicial para tentar reaver ao menos uma parte do patrimônio.
Visão
franciscana
A economia é um dos assuntos tratados com frequência pelo papa Francisco em seus discursos. Na Páscoa deste ano, o pontífice, que tem chamado a atenção pelo estilo franciscano de governar a Igreja Católica, pediu paz para um mundo que, segundo ele, ainda vive dividido pela “ganância que busca o lucro fácil”.
Pirâmides e boi gordo
Além de enredos envolvendo a falência de ex-magnatas, o Brasil coleciona casos com finais desastrosos das chamadas pirâmides financeiras. Ao longo da década de 1990, a ambição de cerca de 30 mil brasileiros se traduziu em investimentos, somados, de quase R$ 4 bilhões no esquema Boi Gordo. A propaganda na TV, com direito a ator global, exaltava a criação de bezerros e a engorda de bois como forma de lucro, mas os ganhos vinham basicamente da entrada de investidores.
O Boi Gordo inchou, tornou-se insustentável e deixou no prejuízo uma multidão de sonhadores. “A ambição é cega. Quando se junta à ganância, então, o resultado é ainda pior”, diz o educador Álvaro Modernell, acostumado a lidar com pessoas que apostam tudo em projetos tentadores, para, em seguida, cair nas dívidas e no arrependimento. “O triste é perceber que quanto pior a situação financeira, mais a pessoa tende a se iludir, porque ela acredita numa saída milagrosa”, acrescenta.
Milagres à parte, o também educador financeiro Reinaldo Domingos espalha o mantra de que “o dinheiro não aceita desaforo” e, por isso, é preciso manter os pés no chão. “Tudo o que cresce exponencialmente e fora da normalidade apresentará uma perda significativa com o tempo”, defende ele. “As derrocadas trazem um pouco de ilusão e ambição, mas também ilustram a falta de conhecimento das pessoas. É o que chamamos de analfabetismo financeiro”, emenda.
O grupo Avestruz Master, fundado em Goiânia em 1998, massacrou o sonho de 40 mil investidores, a maioria deles enfeitiçada pelas promessas de lucro com a exportação da carne dos animais, que, na verdade, nunca foram abatidos. Os donos do negócio investiram 40 vezes mais em propaganda do que na ração para as avestruzes. Venderam mais de 600 mil animais, quando, na prática, só tinham cerca de 38 mil no pasto. A pirâmide ruiu em 2005. (DA)
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