O Globo 10/11/2013
POR MAURO VENTURA
mventura@oglobo.com.br
Desde cedo o advogado Rodrigo da Cunha Pereira revoltava-se com a moral vigente em Abaeté, no interior de Minas, onde nasceu há 55 anos. “Por que o homem podia transar antes do casamento e a namorada não?” Em 1997, ele fundou, com outros especialistas, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam), que promove, de 20 a 22, em Araxá (MG), o IX Congresso Brasileiro de Direito de Família, com o tema “Famílias: pluralidade e felicidade”. O instituto tem proposto leis inovadoras e humanizado o direito de família, que tem um histórico de exclusões. “Até 1988 os filhos tidos fora do casamento não podiam ser registrados. E até pouco tempo a mulher que traísse o marido era considerada culpada pelo fim do casamento e perdia a guarda do filho”, lembra. Ele adora criar teses jurídicas para resolver casos que não estão previstos na lei. Foi assim em 1984, quando fez a primeira ação judicial da causa do movimento feminista do país. Uma mulher o procurara: “Só porque tive filho e sou solteira não posso ir ao clube social em Conselheiro Lafaiete. E o pai pode.” Ele inventou a ação, ganhou e ela entrou para o clube.
O GLOBO: Que inovações o instituto tem trazido?
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA: Família homoafetiva é expressão inventada
por nós. A sustentação jurídica do STF para reconhecer essas
relações foi com base no que escrevemos. Outra expressão nossa
é paternidade socioafetiva. Os laços de sangue não são suficientes
para garantir a paternidade e a maternidade, os laços de
afeto devem ser considerados tão importantes quanto os biológicos.
Criamos ainda a tese da fraternidade socioafetiva. Três irmãs
viviam com um homem rico, como irmãos. Ele não tinha filhos
e morreu sem fazer testamento. Pela lei, tudo iria para sobrinhos
que moravam na Itália e com quem ele não tinha contato.
Fizemos um acordo e elas receberam metade da herança.
Fale de algumas novas formações familiares.
Há pessoas que querem ter filho, mas sem constituir vínculo
amoroso, e recorrem a sites, onde você conhece alguém, vê o
perfil e decide se ela pode ser boa mãe ou bom pai. Fiz um contrato
de geração de filho e de guarda compartilhada no interior
de Minas. Ele, sem filho, de 35 anos, ela, sua secretária, casada,
com filho, de 50. O marido autorizou a inseminação artificial e o
garoto hoje tem 8 anos. É a chamada parceria de paternidade.
Você tem recebido outros casos pouco usuais?
Duas mulheres de Brasília me procuraram. Viviam juntas, desejavam
ter filho, mas sem ir ao banco de sêmen, porque queriam
que o filho conhecesse o pai. Um casal de homens, amigos delas,
também queria filho. Um deles doou o sêmen, uma delas, o óvulo,
e a criança foi gerada por inseminação. Fiz o contrato de regulamentação
da guarda. O menino tem dois pais, duas mães,
oito avós, 16 bisavós. Isso é ruim para a criança? Não sei, ela vai
ser feliz na medida do amor que receber. Isso é o que interessa.
Sua opção pelo direito de família tem a ver com sua história?
Sempre me indignei com as injustiças nas famílias, inclusive na
minha. Meu avô materno tinha duas mulheres, e teve filhos com
a esposa e a companheira. As duas filhas “legítimas” foram retiradas
dali para não conviverem com as filhas “ilegítimas” e mandadas
para a capital, Belo Horizonte. Já um dos filhos de meu
avô materno teve filho com a empregada. Esse meu tio foi mandado
para o Rio, e a empregada teve que casar com outro empregado.
Tudo para preservar a moral e os bons costumes. Para a
família, tudo bem fazer de conta que aquilo não existe. Mas e
aqueles parentes marginalizados, condenados à invisibilidade?
Existem hoje dezenas de configurações familiares...
A família se reinventa. Antes só havia a formação clássica (pai,
mãe, filhos). Mudou tanto que, ano passado, um de meus filhos,
com 12, falou: “Pai, vocês não vão se separar? Queria ter duas casas,
na minha sala quase todo mundo tem.” (Risos.) Antes, filho
de pais separados era discriminado, hoje ficou comum. O que
interessa é a felicidade, seja a composição que a família tiver.
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