domingo, 10 de novembro de 2013

ENTREVISTA/DINAH BUENO PEZZOLO

ENTREVISTA/DINAH BUENO PEZZOLO, JORNALISTA, ESCRITORA E FOTÓGRAFA » Lições históricas de mestra 


Jornalista revela toda a evolução da principal matéria-prima da vestimenta humana 


Mírian Pinheiro

Estado de Minas: 10/11/2013


 (arquivo pessoal)
 
A paulista Dinah Bueno Pezzolo, de 72 anos, é uma pesquisadora nata. De seus estudos nasceram obras de grande importância cultural como A pérola: história, cultura e mercado, publicada pela Editora Senac São Paulo em 2004; Tecidos – história, tramas, tipos e usos, seu terceiro livro, de 2007, e ainda Moda e arte – releitura no processo de criação, seu último livro, também pela Editora Senac São Paulo, em abril de 2013, entre outros títulos. Dinah residiu em Paris, onde se formou estilista-modelista. De volta ao Brasil, foi convidada a ocupar o cargo de editora de moda e beleza de um grande jornal de circulação nacional, onde permaneceu por 33 anos. De 1995 a 2002, fez a cobertura internacional das apresentações do prêt-à-porter primavera-verão e outono-inverno em Milão e Paris, incluindo desfiles de Nova York e Londres. Informação não lhe falta e é exatamente sobre um dos temas abordados em seus livros e sobre o qual por diversas vezes tem sido palestrante, a evolução dos tecidos, que ela conversou com exclusividade com o caderno Feminino & Masculino. Um trabalho que revela toda a evolução da principal matéria-prima da roupa, desde os primitivos tramados feitos manualmente de galhos e folhas até os mais avançados métodos de tecelagem. Ela conta ainda das fibras naturais, dos fios inteligentes de tecidos tecnológicos, das primeiras técnicas de tingimento e das modernas formas de coloração.


Para compor o livro, quanto tempo demandou de pesquisa e onde buscou referências?
Foram quatro anos me dedicando a esse livro, mas bem antes da decisão de escrevê-lo esse tema já me atraía. Os tecidos, de uma maneira geral, sempre me fascinaram – sua textura, maciez, caimento, suas cores, estampas, padronagens. Nas aulas de história da moda, durante o curso de estilista-modelista que fiz em Paris, o tema “tecidos” me atraia. Na criação, o conhecimento dos tipos adequados aos modelos era primordial. De volta ao Brasil, como editora de moda no jornal O Estado de S.Paulo, cargo que ocupei durante 33 anos, tive a oportunidade de fazer coberturas dos desfiles internacionais para cadernos especiais sobre os lançamentos. Nesses cadernos, assinava textos e fotos. No trabalho, sem imaginar que um dia escreveria um livro sobre tecidos, sempre registrava closes dos tecidos apresentados em passarelas – utilizei muitas dessas fotos na ilustração desse livro.

O livro é uma pesquisa histórica, não é?
Sim, a evolução inclui história, tanto assim que iniciei minhas pesquisas no Museu do Tecido de Lion, na França, e passei a visitar outros, com olhos especificamente voltados aos tecidos que apareciam nas telas de grandes pintores: Musée d’Orsay, Louvre, Carnavalet, Instituto do Mundo Árabe, e tantos outros. Passei a me fixar, não só na beleza das telas, mas principalmente nos tecidos mostrados: padronagens, cores, uso, datas... Essa relação entre arte, tecidos e moda me levou a escrever meu último livro lançado pela editora Senac: Moda e arte – releitura no processo de criação.

A partir de que tempo ela mostra a evolução do tecido?
Podemos dizer que desde o início da civilização. Inicialmente, o homem utilizou a pele de animais como proteção, como agasalho. Depois, usou sua lã compactada, prensada e em seguida a lã tramada para se aquecer, se proteger. De prensada para tramada, a primeira fibra têxtil utilizada pelo homem já mostrava uma evolução.

Quais foram os primeiros tramados e por que eles se tornaram necessários ao homem?
As primeiras fibras têxteis cultivadas pelo homem foram as de origem vegetal-linho e algodão e as de origem animal-lã e seda. O linho é a fibra têxtil natural vegeta mais antiga do mundo. Achados arqueológicos indicam sua existência há 8 mil anos. Tecidos de linho foram encontrados em tumbas egípcias envolvendo múmias que datam de 6000 aC. Fragmentos de tecidos de linho e cordões da mesma fibra envolviam vísceras ou estatuetas que eram colocadas ao lado da múmia. O linho também foi usado no santo sudário, hoje em Turim. A peça mede 4,36m X 1,10m, tecido logicamente em tear manual, no padrão espinha de peixe. O algodão, embora a história indique que já era tecido na China por volta do ano 2000 aC., foi a raízes indiana que se estenderam no comércio entre os povos. Em 2600 aC a Índia trocava tecidos de algodão por lãs da Mesopotâmia. O algodão da Índia chegou ao Egito através de mercadores e daí se espalhou para a África, Grécia e Sul da Europa. Já a lã é a mais antiga fibra natural, animal, usada pelo homem. Para a variedade de cores, usavam corantes vegetais, minerais e animais, o que foi provado num fragmento de tecido de lã do séc. 1 aC, com a padronagem pied-de-poule, encontrado em escavações feitas em 1994, no Egito. A padronagem foi obtida no tear, pela trama de fios já tintos. Hoje, além da lã de carneiro, contamos com pelagens de outros animais que também se transformam em lã. A seda, por sua vez, surgiu há mais de 4.000 anos. Inicialmente era utilizada em trocas e chegou a ocupar o lugar de moeda corrente entre povos da Antiguidade. Era símbolo de poder político e religioso e evidenciava classes sociais abastadas. Reza a lenda, que, por volta do ano 2620 aC, a imperatriz chinesa Xi-Ling Shi tomava seu chá no jardim, sentada sob uma amoreira, quando algo estranho caiu dentro de sua xícara. De forma ovalada e muito leve, o casulo molhado pelo chá quente deixou que uma pontinha de seu filamento aparecesse. A grande descoberta foi que os casulos existentes na amoreira podiam ser desenrolados, produzindo um delicado filamento que podia ser tecido. A verdade é que com essa moldura fantasiosa nasceu a seda, fibra têxtil finíssima, produzida pela larva de diferentes borboletas, das quais a mais conhecida é a Bombix mori ou bicho-da-seda, que se alimenta exclusivamente de folhas de amoreira.

Quais foram os primeiros métodos
de tecelagem?
O tear manual acompanha o homem desde a Antiguidade e continua a existir, seja manipulado por povos simples nos mais diversos pontos do planeta, seja como instrumento de trabalho de renomados artesãos. O tear, desde o mais primitivo, consiste numa espécie de máquina que permite o entrelaçamento ordenado de dois conjuntos de fios, longitudinais e transversais, para a formação da trama. O modo de tecer os fios determina a estrutura básica de um tecido, ou seja, seu padrão, sua trama. Da diversidade de fios e de tipos de tramas, surge a variedade de tecidos, sem falar de cores e estamparia.

Quando a produção artesanal deu lugar aos fios inteligentes e à produção tecnológica?
Uma longa estrada foi percorrida desde a produção artesanal até chegarmos aos chamados fios inteligentes. A invenção da lançadeira volante por John Kay, em 1733, foi o primeiro passo na renovação do ramo de tecidos. Adaptada aos teares manuais, propiciou o aumento da capacidade de tecer e permitiu a obtenção de tecidos mais largos, pois até então o tecelão só podia fazer tecidos da largura de seus braços. A Revolução Industrial que se deu na Inglaterra no séc. 18 foi, sem dúvida, a responsável pelo grande desenvolvimento da área têxtil. Outro grande avanço diz respeito aos corantes artificiais. As cores nos tecidos sofreram mudanças radicais graças a William Perkin, que em 1856, com apenas 18 anos, estudante da Escola Superior de Química da Inglaterra, na tentativa de sintetizar medicamento contra a malária a partir do alcatrão de carvão acabou criando um corante de cor púrpura, a malveína. Surgia o primeiro corante artificial. Hoje, os corantes para tinturas têxteis são quase exclusivamente produtos químicos provenientes do alcatrão e do petróleo. Anos se passaram e apesar das conquistas tecnológicas, de as tecelagens trabalharem com maquinários de última geração, a necessidade de suprir o mercado com produtos que satisfizessem exigências além das convencionais motivou o desenvolvimento de novos tecidos ou tecidos inteligentes. Os tecidos inteligentes oferecem uma série de vantagens: não encolhem, não amarrotam, são agradáveis de usar, fáceis de lavar, secam rapidamente, mantém o corpo confortavelmente seco, bem ao contrário do náilon dos anos 1950 que segurava a transpiração. Tudo isso além de propriedades específicas: antibactérias, contra manchas, os que oferecem proteção solar, hidratação da pele, os que contribuem para melhor performance dos esportistas e outros.

Conte-nos um pouco sobre as primeiras técnicas de tingimento e as mais modernas formas de coloração atuais.
Para exemplificar uma técnica de tingimento primitivo, lembro os tecidos da África negra e, em especial, os tecidos bogolan, do Mali, estampados com lama, seguindo técnica primitiva. A fiação do algodão e a arte de estampar são exclusividades das mulheres, enquanto para os homens fica a tarefa da tecer. Inicialmente, mergulham o tecido num banho de mordente à base folhas e cascas de árvores (o mordente serve para fixar a cor, mas é também usado para conseguir diversas tonalidades de um mesmo corante). Em seguida, o tecido é estendido ao sol para secar. Depois de seco, desenham motivos geométricos com lama. Quando a lama seca, o tecido é lavado e novamente seco ao sol – é quando os desenhos aparecem em marrom. Se quiserem escurecer os motivos, repetem a pintura. O interessante é que, originalmente, os tecidos bogolan eram usados em situações onde havia perda de sangue. Os homens, quando iam caçar. As mulheres, quando atingiam a idade adulta, por ocasião do casamento e do nascimento dos filhos. Depois da independência Mali, em 1960, o processo se tornou menos elaborado, com utilização de carimbos para repetição dos desenhos. Hoje, tintureiros têxteis que colorem fios e tecidos admitem que os corantes sintéticos oferecem uma vivacidade e uma pureza de cores desconhecidas no passado. O interesse pelos sintéticos foi estimulado principalmente pela facilidade que oferecem no trabalho.

Fale-nos também sobre as estampas. Quais as principais em voga nos séculos passados (o que elas "falavam", o que queriam dizer naquela  época) e, hoje, quais as tendências mostradas pelos estilistas.
As primeiras matrizes para estampar tecidos foram, provavelmente, as mãos e conchas molhadas em pigmentos. Em seguida, o homem criou carimbos de argila, madeira e metal. Mas a arte de estampar surgiu na Índia e na Indonésia - falamos do batik, cuja técnica continua até hoje inalterada. De modo geral, os temas básicos da estamparia são: geométrico, abstrato, figurativo, floral e animal. O geométrico tem suas raízes na Antiguidade. Em nossa era, a grande valorização do geométrico se deu no início do século. 20 com o movimento art déco. O motivo abstrato pode ser visto como o mais novo deles. Surgiu com a arte moderna do final do século. 19 e início do século 20. Não mostra, formas definidas podem lembrar pinceladas, manchas, borrões, rabiscos, respingos, etc. O figurativo mostra reprodução de figuras, incluindo a humana, lembrada em pinceladas desde a Antiguidade. O berço do floral mais uma vez foi a Índia, com flores estilizadas. Entretanto, o floral usado em estampas de tecidos sofre influência de movimentos diversos, como o artístico art-nouveau, o flower power londrino e outros. Finalmente, o motivo animal, embora hoje faça sucesso em passarelas internacionais como as de Roberto Cavalli, por exemplo, já era usado na época faraônica, no Egito. Prova disso pode ser constatada no Museu do Louvre, onde parte de uma pintura mural datada de 2.500 a.C. mostra a princesa Nefertiabet com estampa animal em seu traje. Falando da atualidade, as últimas tendências apresentadas pelos estilistas indicam o retorno do floral. Analisando os fundamentos dessa tendência, podemos dizer que o mundo, diante de tanta desavença, tanta luta, tanta desgraça, está precisando de um banho de cores, de flores, de beleza. Tenha a certeza de que elas estão sendo bem vindas.

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