ZERO HORA - 24/11/2013
A
dor nas costas vem das costas, a dor de estômago vem do estômago, a dor
de cabeça vem da cabeça. E sua dor existencial, vem de onde?
Ela
vem da história que você meio que viveu, meio que criou – é sabido que
contamos para nós mesmos uma narrativa que nem sempre bate com os fatos.
Nossa memória da infância está repleta de fantasias e leituras
distorcidas da realidade. Mesmo assim, é a história que decidimos
oficializar e passar adiante, e dela resultam muitas de nossas fraturas
emocionais.
Nossa dor existencial vem também do quanto levamos a
sério o que dizem os outros, o que fazem os outros e o que pensam os
outros – uma insanidade, pois quem é que realmente sabe o que pensam os
outros? Pensamos no lugar deles e sofremos por esse pensamento
imaginado. Nossa dor existencial vem dessa transferência descabida.
Nossa
dor existencial, além disso, vem de modelos projetados como ideais, a
saber: é melhor ser vegetariano do que comer carne, fazer faculdade de
medicina do que hotelaria, namorar do que ficar sozinho, ter filhos do
que não ter, e isso tudo vai gerando uma briga interna entre quem você é
e entre quem gostariam que você fosse, a ponto de confundi-lo: existe
mesmo uma lógica nas escolhas?
Como se não bastasse, nossa dor
existencial vem do que não é escolha, mas destino: quem é muito
baixinho, ou tem cabelo muito crespo, ou é pobre de amargar, ou tem
dificuldade de perder peso vai transformar isso em uma pergunta
irrespondível – por que eu? – e a falta de resposta será uma cruz a ser
carregada.
Nossa dor existencial vem da quantidade de nãos que
recebemos, esquecidos que somos de que o “não” é apenas isso, uma
proposta negada, um beijo recusado, um adiamento dos nossos sonhos, uma
conscientização das coisas como elas são, sem a obrigatoriedade de
virarem traumas ou convites à desistência.
Nossa dor existencial
vem do bebê bem tratado que fomos, nada nos faltava, éramos
amamentados, tínhamos as fraldas trocadas, ninavam nosso sono, até que
um dia crescemos e o mundo nos comunicou: agora se vire, meu bem.
Injustiça fazer isso com uma criança – alguém aí por acaso deixou
totalmente de ser criança?
Nossa dor existencial vem da
incompreensão dos absurdos, da nossa revolta pelos menos favorecidos, da
inveja pelos mais favorecidos, da raiva por não atenderem nossos
chamados, por cada amanhecer cheio de promessas, pela precariedade das
nossas melhores intenções e pela invisibilidade que nos outorgamos: por
que nunca ninguém nos enxerga como realmente somos?
Dor de dente
vem do dente, dor no joelho vem do joelho, dor nas juntas vem das
juntas. Nossa dor existencial vem da existência, que nenhum plano de
saúde cobre, de tão difícil que é encontrar seu foco e sua cura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário