Genoma mínimo
Não é preciso um cromossomo Y inteiro para gerar filhote macho. Bastam dois genes da estrutura
Bruna Sensêve
Estado de Minas: 24/11/2013
O viril cromossomo Y pode não ser mais tão essencial para gerar descendentes masculinos. Pelo menos, não por inteiro. Pesquisadores da Universidade do Havaí, nos Estados Unidos, conseguiram fazer com que camundongos machos nascessem da união de óvulos (que contêm um cromossomo X) e células sexuais masculinas que tinham apenas dois genes do Y, e não ele completo. Surpreendentemente, os embriões, gerados por uma técnica de reprodução assistida, se desenvolveram normalmente depois de implantados em fêmeas, e nasceram férteis.
“Isso significa que o cromossomo Y, ou a maior parte dele, não é mais necessário? Sim, dados os nossos atuais avanços em tecnologias de reprodução assistida”, afirma Monika Ward, professora do Instituto de Pesquisa em Biogênese da Faculdade de Medicina John A. Burns e principal autora do trabalho. Ela pondera, no entanto, que, para a fertilização normal, sem assistência, o cromossomo Y mantém sua importância. E ressalta que transpor o mesmo feito para humanos está longe de ser alcançado.
Os experimentos usaram camundongos machos produzidos em laboratório. Modificados geneticamente, os animais não tinham o cromossomo Y completo, mas apenas dois de seus inúmeros genes: o Sry e o Eif2s3y. Segundo a chefe do Serviço de Ginecologia da PUC-RS, Mariangela Badaloti, o primeiro gene é um velho conhecido dos cientistas, responsável pela diferenciação masculina. “Eles criaram ratos transgênicos usando essa porção conhecida e fragmentando o restante do cromossomo, separando genes e tentando produzir camundongos com novas associações”, explica a especialista em reprodução humana.
A intenção dos cientistas era descobrir que outras informações genéticas são essenciais para a reprodução. E acabaram chegando ao Eif2s3y. A função dos dois genes é complementar. O Sry diferencia a genitália, forma os testículos e produz a célula mãe que vai se diferenciar para produzir espermatozoide: a espermatogônia. “Ele vai até aí. O outro faz com que a espermatogônia começe a se dividir até quase se tornar um espermatozoide”, explica Mariangela. Os machos produzidos em laboratório, portanto, são considerados inférteis, por não produzirem espermatozoides, mas apenas espermátides – célula precursora do gameta sexual masculino. A principal diferença é que ela não tem a cauda, que confere mobilidade.
Mães de alguel A dúvida era se, com a ajuda das técnicas de reprodução assistida, esses “espermatozoides imaturos” seriam suficientes para gerar um ser. Nesse estágio do estudo, o pós-doutorando Yasuhiro Yamauchi os injetou em óvulos usandouma injeção intracitoplasmática espermátide redonda (Rosi, na sigla em inglês). Os embriões desenvolvidos nesse processo foram transferidos para cobaias fêmeas, que funcionaram como mães de aluguel.
Da gestação, nasceram camundongos vivos e férteis. “A maioria dos genes do cromossomo Y do camundongo são necessários para a fertilização normal”, reforça Monika Ward. “Quando se trata de reprodução assistida, nosso estudo mostra que a contribuição do cromossomo Y pode ser levado a um mínimo. Pode ser possível eliminar o cromossomo Y do camundongo se as substituições apropriadas forem feitas para os dois genes.”
Para a professora do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Maria Catira Bortolini, o feito mais impressionante do trabalho é mostrar o que ela chama de genoma mínimo. “Eles chegaram a dois genes que parecem ser os de maior efeito para obter um gameta viável para a reprodução.”
Ainda que a pesquisa tenha sido feita em camundongos, um impacto clínico pode ser esperado. Os avanços científicos dos últimos 30 anos em reprodução assistida permitiram que graves problemas masculinos de reprodução fossem driblados, especialmente com a micromanipulação, que consiste em colher o espermatozoide e injetá-lo no óvulo, reduzindo a necessidade do uso de um banco de sêmen. Artur Dzik, diretor científico da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana diz que a esperança de usar a técnica na clínica médica é o principal ponto do estudo para a reprodução humana.
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