sábado, 30 de novembro de 2013

General dá lugar a nome de guerrilheiro

ATarde - 30/11/20123

EDUCAÇÃO Comunidade quer batizar de Carlos Marighella o colégio que faz homenagem a Emilio Garrastazu Médici

CLEIDIANA RAMOS

Uma eleição escolar pode decretar uma ironia histórica: o nomedo ativista político Carlos Marighella (1911-1969) passaria a denominar uma escola em substituição ao do general-presidente Emilio Garrastazu Médici (1905-1985). Hoje, começa a votação no colégio, que fica no bairro do Stiep. Após avotação, a direçãoda instituição de ensino vai pedir a substituição do nome à Secretaria Estadual de Educação (SEC).

Vítima da repressão
A ironia é porque Marighella, líder da luta armada po meio da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi morto na repressão aos opositores da ditadura militar exatamente quando Médici era o presidente do Brasil.
“Mudar o nome da escola é um anseio antigo, principalmente dos professores da área de Ciências Humanas, como Filosofia e História. Este ano, resolvemos levar o projeto de mudança de nome à frente”, explica Aldair Dantas, diretora do Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici.
O colégio fundado em 1972 tem cerca de mil alunos e oferece cursos do ensino fundamental,
a partir da 6ª série, ensino médio e formação profissionalizante. Na eleição, o baiano Carlos Marighella concorre com o conterrâneo Milton Santos (1926-2001), conhecido por revolucionar a abordagem da geografia. Santos teve que deixar o país por conta da repressão política a partir da ditadura militar.

Informação
Em pesquisas internas já é possível perceber uma confortável vantagem para Marighella. Hoje, os pais serão convidados a votar e, a partir de segunda-feira, alunos e professores fazem sua escolha. Os votos serão registrados, de forma aberta, em um livro.
“Queremos garantir um projeto completamente transparente e democrático”, diz a diretora Aldair Dantas. Embora a comunidade escolar lidere o movimento para mudar o nome da escola, a palavra final é da SEC.

Palestras
Além de material produzido pelos alunos, como vídeos e exposição, a escola programouduas palestras para hoje. Como tema das apresentações, estão os perfis de Marighella e Milton Santos.
Por meio da sua assessoria de comunicação , a SEC explicou que a iniciativa partiu da comunidade do colégio. Se a ideia partiu da escola, pelo menos o debate sobre o golpe militar e seus desdobramentos está sendo estimulado pela SEC por meio do projeto Ditadura Militar - Direito à Memória – 50 anos do golpe de 64, lançadoemjulho deste ano.
A reportagem procurou o Ministério da Defesa, por meio da assessoria de comunicação, para saber se há algum tipo de preservação da memória dos generais que presidiram o país durante o regime militar. Até o fechamento desta edição não houve retorno.

Elogio
Autor do livro Marighella: o inimigo número um da ditadura militar, o jornalista e escritor Emiliano José, elogia a iniciativa.
“O ideal é que a escola ficasse com o nome tanto de Marighella como de Milton Santos. Como não é possível, eles já merecem parabéns pela beleza de iniciativa”, diz. SegundoEmiliano,o governo de Médici foi o de maior terror. “Parte do processo civilizatório do Brasil é tirar o nomede ditadores de prédios públicos. Eu considero Médici um assassino, pois em seu governo houve um pico de assassinatos e torturas”.

Alerta
Antropólogo e ex-preso político, Roberto Albergaria elogia a iniciativa, mas alerta para o que considera risco de invisibilizar a participação de civis no sistema ditatorial. “Não se pode concentrar todo o mal na figura dos militares, pois grandes medalhões da política e da intelectualidade baiana compactuaram com eles
para manter seus privilégios ou se omitiram”, assinala. Albergaria foi militante do Partido Comunista Revolucionário (PCBR). Em 1974 foi preso. Estudante universitário na época, passou seis meses preso e seis anos respondendo a processo.
“Nesse período, não consegui emprego e nem mesmo a carteira de habilitação. Era um terrorista e comunista, o equivalente a um pária na época”, conta. Em 1980, foi para a França, onde fez sua pós-graduação na Universidade de Paris IV, a famosa Sorbonne.
“O poder estava na mão dos militares, mas ganhou o apoio da classe média e a indiferença do povão, como acontece em vários contextos ditatoriais. É difícil encarar, mas o nazismo aconteceu também porque parte expressiva da sociedade alemã foi conivente”, aponta.
Para o antropólogo, o silêncio sobre parte da memória deste período tão conturbado da história brasileira é resultado da omissão do estado brasileiro, mesmo após o retorno da democracia.
“Na Bahia, quase nada foi feito para a abertura dos documentos desse período. A Comissão da Verdade chegou após a perda de vários documentos”, avalia.






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