A mulher que passa
Affonso Romano de Sant'Anna
affonsors@uol.com.br
Estado de Minas: 29/12/2013
A cena é a seguinte. Tentem visualizar.
Um bar onde os coroas se reúnem para tomar sua cerveja. Um daqueles bares que transbordam mesas e cadeiras pela calçada. E os senhores de cabelo grisalho, alguns calvos, vários com aquela barriguinha de chope e de idade, conversando suas sabedorias etílicas. Vão ali no fim de semana, acham-se vividos e experimentados, todos têm estórias. Mas agora estão, digamos, apascentados.
E, de repente, passa uma jovem. Linda, é claro. Mas linda daquelas que a gente achando linda fica extasiado sem saber se cai de quatro, de joelhos, se canta a Ode à alegria de Beethoven.
A beleza rompeu, irrompeu no meio do dia e exige atenção.
A moça passa diante desses vetustos e respeitáveis cavalheiros. Pior: ela desfila sua presença sensual diante da ausência deles. Ausência? Explico-me. Ela é presença, vida pulsante, atraente. E eles, porque têm aquela calvície, aquela barriguinha, aqueles fios de cabelo branco (pensa-se, maldosamente), há muito já se despediram do sexo.
Ela vem vaporosa, caminhando com o seu namorado. Este detalhe (que revelo agora) deve transformar a cena em algo ainda mais tocante, irritante, perturbador, porque há um outro macho ao lado dela e eles, no bar, são um rebanho de anciãos. É um jovem macho. Já não bastava ser um jovem macho, ele vem e desfila natural e ostensivamente com essa fêmea soberba aos olhos daquela manada de semivelhos?
Oh! crueldade do tempo, oh! inclemência da idade!
Vamos rever a cena desde princípio, agora que sabemos o que está acontecendo ou por acontecer. Repito: um bar onde os coroas se reúnem para tomar sua cerveja e se esparramam em cadeiras e banquinhos pela calçada e, de repente, irrompe uma ninfa desfilando vaporosa junto a eles. A literatura está cheia de narrativas semelhantes. Principalmente a poesia do final do século passado. As mulheres desfilavam e os homens se extasiavam. Havia até ruas para isso. E a música popular, modernamente, registrou na Garota de Ipanema esse esvoaçar de juventude diante dos siderados sátiros.
Abre-se um corte no tempo e no espaço. Todos, absolutamente todos, no bar como que sentindo os apelos do feromônio, erguem suas narinas na direção do vestido que libera aliciante juventude. Ah! O feromônio! Não se sabe de onde ele vem, que trilha é essa que vai traçando por onde passa o objeto do desejo. O feromônio é responsável também pela preservação da espécie. E aqueles machos sentiram no vento e nos olhos a mensagem do desejo.
Já quando era olhada de frente, a moça atraía instintos e olhares. Mas agora que passou, o decote no ombro, os braços de fora, certos volumes discretos ondeando sob o vestido, desencadeiam alucinações não ditas, apenas olhadas, imaginadas. Ela é um tsunami em pessoa.
E o pior: ela vem e ela lá vai de mão dada com outro macho.
E o casal jovem passa indiferente.
Indiferente?
Ou sabem que estão desnorteando os velhos machos na campina? Esse senhores de meia-idade parecem aqueles alces cedendo (a contragosto) o terreno ao mais jovem e forte.
Os dois jovens passam triunfantes.
E aí (como ocorre nos momentos ritualísticos e sagrados) rompe-se o véu do tempo e do templo. Aqueles senhores, exilados em sua idade, em suas barriguinhas alimentadas com cerveja e torresmo, acobertados por sua inapelável calvície, sentem uma feroz saudade de sua juventude. A cena ocorre no presente, mas eles estão no passado, trespassados. E a beleza e o desejo passam diante deles, inatingíveis, arrogantes, como algo na linha do horizonte.
Um desejo saudoso, impotente, ausente, distante, já vivido, se agita na memória dos hormônios.
E a moca vai passando inalcançável. Sem saber (ou sabe?) que está sendo despida, percorrida, lambida, possuída pelos olhos ávidos e impotentes dos velhos sátiros confinados em torno de um desolado e frio copo de cerveja.
Um bar onde os coroas se reúnem para tomar sua cerveja. Um daqueles bares que transbordam mesas e cadeiras pela calçada. E os senhores de cabelo grisalho, alguns calvos, vários com aquela barriguinha de chope e de idade, conversando suas sabedorias etílicas. Vão ali no fim de semana, acham-se vividos e experimentados, todos têm estórias. Mas agora estão, digamos, apascentados.
E, de repente, passa uma jovem. Linda, é claro. Mas linda daquelas que a gente achando linda fica extasiado sem saber se cai de quatro, de joelhos, se canta a Ode à alegria de Beethoven.
A beleza rompeu, irrompeu no meio do dia e exige atenção.
A moça passa diante desses vetustos e respeitáveis cavalheiros. Pior: ela desfila sua presença sensual diante da ausência deles. Ausência? Explico-me. Ela é presença, vida pulsante, atraente. E eles, porque têm aquela calvície, aquela barriguinha, aqueles fios de cabelo branco (pensa-se, maldosamente), há muito já se despediram do sexo.
Ela vem vaporosa, caminhando com o seu namorado. Este detalhe (que revelo agora) deve transformar a cena em algo ainda mais tocante, irritante, perturbador, porque há um outro macho ao lado dela e eles, no bar, são um rebanho de anciãos. É um jovem macho. Já não bastava ser um jovem macho, ele vem e desfila natural e ostensivamente com essa fêmea soberba aos olhos daquela manada de semivelhos?
Oh! crueldade do tempo, oh! inclemência da idade!
Vamos rever a cena desde princípio, agora que sabemos o que está acontecendo ou por acontecer. Repito: um bar onde os coroas se reúnem para tomar sua cerveja e se esparramam em cadeiras e banquinhos pela calçada e, de repente, irrompe uma ninfa desfilando vaporosa junto a eles. A literatura está cheia de narrativas semelhantes. Principalmente a poesia do final do século passado. As mulheres desfilavam e os homens se extasiavam. Havia até ruas para isso. E a música popular, modernamente, registrou na Garota de Ipanema esse esvoaçar de juventude diante dos siderados sátiros.
Abre-se um corte no tempo e no espaço. Todos, absolutamente todos, no bar como que sentindo os apelos do feromônio, erguem suas narinas na direção do vestido que libera aliciante juventude. Ah! O feromônio! Não se sabe de onde ele vem, que trilha é essa que vai traçando por onde passa o objeto do desejo. O feromônio é responsável também pela preservação da espécie. E aqueles machos sentiram no vento e nos olhos a mensagem do desejo.
Já quando era olhada de frente, a moça atraía instintos e olhares. Mas agora que passou, o decote no ombro, os braços de fora, certos volumes discretos ondeando sob o vestido, desencadeiam alucinações não ditas, apenas olhadas, imaginadas. Ela é um tsunami em pessoa.
E o pior: ela vem e ela lá vai de mão dada com outro macho.
E o casal jovem passa indiferente.
Indiferente?
Ou sabem que estão desnorteando os velhos machos na campina? Esse senhores de meia-idade parecem aqueles alces cedendo (a contragosto) o terreno ao mais jovem e forte.
Os dois jovens passam triunfantes.
E aí (como ocorre nos momentos ritualísticos e sagrados) rompe-se o véu do tempo e do templo. Aqueles senhores, exilados em sua idade, em suas barriguinhas alimentadas com cerveja e torresmo, acobertados por sua inapelável calvície, sentem uma feroz saudade de sua juventude. A cena ocorre no presente, mas eles estão no passado, trespassados. E a beleza e o desejo passam diante deles, inatingíveis, arrogantes, como algo na linha do horizonte.
Um desejo saudoso, impotente, ausente, distante, já vivido, se agita na memória dos hormônios.
E a moca vai passando inalcançável. Sem saber (ou sabe?) que está sendo despida, percorrida, lambida, possuída pelos olhos ávidos e impotentes dos velhos sátiros confinados em torno de um desolado e frio copo de cerveja.
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