domingo, 29 de dezembro de 2013

Simulações avançadas podem amenizar transtornos para quem vai ao espaço


Os desafios em baixa gravidade

Além de treinamento intenso, a experiência de ir para fora da Terra demanda cuidados como a preservação da saúde óssea e muscular. Especialistas apostam em simulações ainda mais avançadas para amenizar os transtornos 

Vilhena Soares
Estado de Minas: 29/12/2013 


Brasília – “Estar apaixonado é livrar-se da gravidade.” Essa é uma das definições de Sting para o amor escrita na autobiografia intitulada Fora do tom. Será que a experiência é semelhante à de um astronauta no espaço? Na prática, talvez seja mais desconfortável a perda da sensação dos pés no chão do que a descrita na figura de linguagem. Ainda assim, ir para além do planeta Terra é uma experiência que fascina quem já teve a chance de senti-la na pele, tira o sono de quem a espera e habita a mente de muitos aficcionados pelo espaço sideral.

Marcos Pontes, tenente-coronel da Força Aérea Brasileira, é o único astronauta brasileiro a ter ido ao espaço. Ele foi escolhido em 1998 pela Agência Espacial Brasileira e pela Agência Espacial Americana (Nasa). Durante dois anos, participou de treinamentos e fez a viagem em 2006 à Estação Espacial. Pontes explica que a experiência exigiu muito preparo físico. “O ambiente espacial é bastante hostil para a saúde dos astronautas. Muita gente pensa que ‘treinar como um atleta’ (parte física) é pré-requisito para ser astronauta. Negativo. O principal é a saúde em perfeita ordem”, detalha.

Segundo Pontes, até se tonar um astronauta profissional, são necessários muitos anos de curso e treinamento. Teorias sobre os sistemas das espaçonaves, práticas em simuladores, aulas de geologia, astronomia, medicina, paraquedismo, além de exames médicos, fazem parte da formação. No caso do astronauta brasileiro, depois de dois anos de qualificação básica e de cinco anos e meio de treinamento avançado, ele se dedicou durante dois anos à especialização. “Minha qualificação é de astronauta especialista de missão, um tipo de mecânico de espaçonave. Hoje, faço parte do time de astronautas de manutenção da Estação Espacial Internacional”, diz.

 Apesar do árduo trabalho exigido, Pontes destaca o quão interessante foi a experiência de ir ao espaço. “Uma missão espacial nos ensina muito. Nesse sentido, valeu. Quanto a recomendar, eu não desejaria que alguém tivesse que passar por tudo o que eu passei antes e depois do voo. O durante é o melhor”, conta. De volta à Terra, o tenente-coronel sentiu os efeitos da viagem no funcionamento do corpo.

Segundo Amâncio Friaca, astrofísico da Universidade de São Paulo (USP), a gravidade é um dos maiores problemas enfrentados pelos astronautas. “De fato, a microgravidade é o principal problema caso a pessoa fique por longos períodos no espaço. Ocorre, nesse caso, perda óssea e muscular. Depois de semanas a bordo de uma estação espacial, a pessoa se enfraquece tanto que, ao retornar à Terra, tem que ser abrigada em macas e acolchoados especiais até se recuperar plenamente. Medicação e exercícios no espaço evitam esse problema”, declara.

Friaca aponta que é possível evitar os efeitos antes da viagem espacial. A curto prazo, medicação, programas de exercícios e simulação da gravidade em compartimentos de naves em rotação ajudam. “Sistemas de acompanhamento do clima espacial para a emissão de alertas com o recolhimento dos astronautas em abrigos dentro da nave e blindados contra a radiação também são medidas interessantes”, destaca.

Bem-estar tecnológico Para o astrofísico, novas tecnologias tendem a eliminar os aspectos desagradáveis da experiência. No caso dos primeiros astronautas em Marte, por exemplo, ele aposta na criação de minibiosferas artificiais, capazes de permitir a vida humana no ambiente alienígena. “A longo prazo, a terraformação de Marte, ou seja, uma engenharia de nível planetário para torná-la mais similar à Terra, e o redesign genético do ser humano numa nova criatura adaptada a um ambiente alienígena também ajudarão”, completa.

O astronauta Marcos Pontes acredita que o processo será semelhante ao sofrido pelo tráfego aéreo tradicional. “Com o desenvolvimento do mercado de turismo espacial, os sistemas ficarão cada vez melhores, como aconteceu com as aeronaves comerciais da Boeing, Airbus, Embraer etc. Agora, quanto aos problemas de gravidade, radiação e desorientação espacial, deve demorar mais tempo para termos soluções práticas.”

Minutos no espaço Pedro Doria Nehme, 20 anos, estudante do curso de engenharia elétrica da Universidade de Brasília (UnB), vive a expectativa e a espera de ir ao espaço. Ele foi o ganhador de um concurso da empresa Internacional KLM (companhia aérea). Como vencedor da viagem Space Flight, ele tem direito a uma vaga na nave Lynch, da Space Expedition Corporation (SXC). A aeronave fará um voo comercial ao espaço no início de 2014. O desafio do concurso foi adivinhar em que ponto do céu um balão de alta altitude monitorado por câmeras e GPS poderia parar. Nehme chutou e acertou.

O estudante acredita que uma das maiores dificuldades que vai enfrentar na viagem serão as mudanças de velocidade. “A minha viagem vai ser diferente das comuns porque vai durar uma hora. No espaço, ficarei de 10 a 20 minutos. Não é a mesma preocupação com a saúde em uma viagem de longo prazo. Em compensação, as manobras rápidas que serão feitas para retomar a velocidade horizontal da aeronave, em que você sente quatro vezes a velocidade do seu corpo, podem ser desconfortáveis”, destaca. Apesar das dificuldades, Nehme acredita que a experiência será marcante em sua vida. “Minha expectativa é alta, poucas pessoas viram a Terra de cima. Acho que será uma experiência única e com uma visão deslumbrante.”

Cotidiano estranho
Veja alguns detalhes do dia a dia dos astronautas que vivem na Estação Espacial Internacional
Roupas espaciais
Apesar de os engenheiros tentarem tornar as roupas espaciais confortáveis, elas precisam, antes de tudo, proteger contra um dos maiores problemas enfrentados em órbita: a radiação. Assim, os trajes usados em passeios no espaço, fora da ISS, são pressurizados, fornecendo oxigênio e removendo o dióxido de carbono, além de manterem uma temperatura confortável. Os famosos macacões também precisam ser largos para que o astronauta possa mover seu corpo mais facilmente

Comer
Hoje, a maior parte da comida espacial se parece bastante com a consumida na Terra. O que começou como uma pasta sem gosto, espremida em um tubo parecido com os de creme dental, avançou muito. Os astronautas de hoje têm direito até a refeições criadas por célebres chefs de cozinha

Dormir
Na ISS, há cabines individuais com sacos de dormir amarrados à parede. O astronauta simplesmente se enfia no saco e relaxa os músculos

Banheiros
São unissex e contêm um pequeno vaso sanitário para resíduos sólidos e um urinol em formato de mangueira com um funil na extremidade. Por conta da falta de gravidade, os equipamentos contam com uma sucção para que os dejetos não saiam flutuando pelo ambiente — o que, mesmo assim, pode ocorrer de vez em quando, dando um trabalho extra para a limpeza do local.

 
    
 

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