domingo, 29 de dezembro de 2013

Regina Teixeira da Costa-No consultório de Freud‏


No consultório de Freud 

Regina Teixeira da Costa - reginacosta@uai.com.br
Estado de Minas: 29/12/2013





Vamos fechar o ano publicando a carta do amigo e psicanalista Antonio Quinet contando sua experiência. Desejo aos nossos leitores um excelente 2014.

“Caros amigos,

Escrevo para compartilhar com vocês a grande emoção que foi encenar minha peça na casa de Freud em Londres, onde ele foi para o exílio em 1938 e morreu um ano depois. Com ajuda internacional, Freud, fugindo do nazismo, mudou-se de Viena com a família e levou todo o mobiliário de seu consultório e toda sua magnífica coleção de antiguidades. Foi ali, na sua casa e em seu consultório, em Maresfield Gardens, que encenei Hilda & Freud – Collected words, peça sobre a análise da poeta Hilda Doolittle com Freud (efetuada em 1933, em Viena). Levar o teatro para dentro do Freud Museum para mim foi a great thing!

http://www.freud.org.uk/events/75234/-hilda-freud-collected-words/

Nossa peça fez parte do tema anual em exposição no Freud Museum: Mad, bad and sad: women and the mind doctors. Para a nossa surpresa, boa parte de uma das salas é dedicada a HD e sua análise com Freud. Fizemos cinco apresentações, de 12 a 16 de novembro, para 20 espectadores da peça itinerante que lindamente o Freud Museum chamou de uma “promenade performance”, na qual a última cena foi no consultório de Freud, intacto até hoje. A lotação esgotou uma semana antes da estreia. Diversos guias de espetáculo de Londres anunciaram nossa peça, que contou com o apoio da Embaixada do Brasil.

Foi a primeira vez que o Freud Museum recebeu uma peça encenada em seus aposentos e o impacto foi grande – segundo os diretores e o público – ao verem naquele local, que é um museu, atores darem vida ao protagonista da psicanálise e a uma paciente sua.

A estreia de Hilda & Freud, em 12 de novembro, foi um dos dias mais emocionantes da minha vida. A peça foi se construindo ao longo de 12 meses, para ser encenada especialmente “no último endereço (de Freud) neste planeta”. E ela veio à luz. E os iluminados fomos nós, os criadores dessa obra que se abriu em cena como um acontecimento.

O não naturalismo de nossa opção de montagem deixou logo claro que não se tratava de uma reconstituição histórica, e sim de apresentação contemporânea de nossa leitura da relação de Hilda com Freud. A interpretação brechtiana do narrador/Freud, o relato e as alucinações de Hilda por Ana Vicentini, a música eletroacústica (composta por José Eduardo e Marcus Neves) com as vozes originais de Freud, Hilda e dos atores, a trilha sonora tocada ao vivo pelo José Eduardo com alaúde, as projeções de vídeos de Diogo Fujimura, a direção de movimento de Regina Miranda, os figurinos de Beto de Abreu (que vestiu a atriz psicanalista com um tecido impresso com uma carta de Freud e com um para-quedas), tudo contribuiu para essa criação em inglês da Cia. Inconsciente em Cena, ou melhor, Unconscious on Stage Co. E contamos com a iluminação de Annabel e Alê. Entramos na série de intervenções contemporâneas, graças a nossa curadora, Danuza Machado, realizadas nos últimos anos pelo Freud Museum – na série de Louise Bourgeois, Sophie Calle etc.

Dawn Kemp, a diretora do museu, despediu-se de mim dizendo: “Thank you very much for being Freud” (‘‘Muito obrigado por ter sido Freud’’). O privilegiado fui eu, pela grande oportunidade de apresentar Freud, em sua própria casa, com suas palavras feitas minhas, com minhas palavras feitas dele. Privilégio de fazer Freud, em meio a seus objetos preciosos e a civilizações tão arcaicas, no ambiente povoado pelas vozes de toda a humanidade e de todos seus pacientes, cujas tragédias e comédias o fizeram construir uma disciplina e uma prática que transformou o destino de vários homens, entre os quais me incluo.

Há experiências que são transformadoras. E essa foi uma delas. Foi literalmente um ato, daqueles em que o sujeito sai renovado, que configura um antes e um depois. Assim foi, para mim, o ato de dar voz e corpo, graças ao teatro, a Freud como analista de Hilda Doolittle, viver seu amor pelo deciframento do inconsciente, experimentar seu desejo de saber e seu entusiasmo pelos pequenos grandes achados de cada um. E sentir na pele o terror que Freud viveu na época do nazismo. E seu amor e admiração por Hilda Doolittle. E apresentar seu processo de fazer o outro transformar-se. E quem se transformou fui eu.” 

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