O GLOBO - 29/12/2013
Feliz mergulho no Arpoador dia 31, feliz longa lista de metas para ser toda descumprida
Assisti
ao monstro de olhos azuis chamado Tônia Carrero, perguntada em
entrevista sobre se era feliz, responder calmamente: “sou feliz e
infeliz várias vezes ao dia”. Bingo. A felicidade vai e vem o tempo
todo. Ou, convenhamos, seria um tédio de matar. É então nesse espírito,
de estar feliz, significando que se estará infeliz daqui a pouco e feliz
de novo e infeliz, e assim por diante vida afora, que desejo aos
compadres felicidades no ano que vem.
Feliz mergulho no pôr do
sol no Arpoador dia 31, feliz longa lista de metas para o ano para ser
descumprida inteira. Feliz virada de ano uma hora antes da meia-noite,
pobres ouvidos dos bichos, feliz fogos de artifícios. Feliz volta de
Copacabana de metrô, feliz carteira batida, feliz ressaca no primeiro
dia do ano. Feliz garis achando moedas, celulares, joias, amuletos e
calcinhas na areia. Feliz alagamentos causados por bueiros entupidos
pelo lixo que devia ser jogado no lixo, não no chão. Feliz leitura de
“Fim”, o romance de estreia da Fernanda Torres. Feliz deslizamentos nas
encostas durante o verão e o estaremos providenciando. Feliz
quaresmeiras floridas, feliz andorinhas voando em direção ao Norte.
Feliz esquenta de carnaval, feliz grito de carnaval, feliz carnaval,
feliz saltos quebrados no carnaval, feliz ar-condicionado para não ouvir
o carnaval lá fora. Feliz crise no relacionamento por conta do
carnaval, feliz desfile das campeãs. Feliz, então, acho que agora sim,
ano novo.
Feliz volta às aulas, feliz primeira ida para a
primeira aula. Feliz de quem tem aulas para ir. Feliz palmas para os
guerreiros professores. Feliz fotos de servidores públicos com maços de
dinheiro sob roupas de baixo. Feliz despedida de uma misógina enrustida
do comando da comissão dos direitos humanos. Feliz psicodélicas
previsões de crescimento da economia, feliz contas públicas mais mal
maquiadas do que aquelas velhinhas inglesas que não enxergam mais nada e
aplicam a sombra verde acima das sobrancelhas e o batom vermelho no
buço.
Feliz outono no Rio. Feliz cheiro de jasmim à noite. Feliz
páscoa, feliz dieta pós-páscoa, feliz construção do Pavilhão da Esdi,
feliz deslumbrante luz de maio, feliz tucanos nas palmeiras, que comem
os filhotes dos outros pássaros, mas apanham do bem-te-vi. Feliz
macacos-prego levando seu bolo de fubá árvore acima. Feliz tigre na
cabeça no botequim da esquina. Feliz branquinha no balcão. Feliz
inaugurações de piscinões binários. Feliz inaugurações de construções em
ruínas. Feliz noites dormidas na rua sob marquise estreita com chuva
forte tendo papelão e jornal como cobertor. Feliz mês das noivas, feliz
provas de vestido, feliz provas de amor, feliz provas de fidelid… Feliz
dia das mães. Feliz luz nos morros de manhã bem cedinho, feliz pedras no
meio do caminho. Feliz imbecis pichando a estátua do poeta. Feliz
explosão de bueiros. Feliz muros grafitados. Feliz esperança de que a
Rita Lee venha morar no Rio. Feliz anúncio de banco vendendo mais
endividamentos a “você, a pessoa mais importante do mundo para nós”.
Feliz carga tributária. Feliz estádios com obras atrasadas precisando de
mais e mais dinheiro.
Feliz chopinho na esquina, feliz nada pra
fazer. Feliz festa na laje, feliz baile funk. Feliz chão, chão, chão,
chão. Feliz sorriso do Nelson Sargento. Feliz feijoada da tia Surica.
Feliz coalizações lisérgicas para disputar a presidência da pobre
República. Feliz alianças que dão vergonha na gente. Feliz promessas
humanamente incumpríveis, feliz direito de votar. Feliz voto. Feliz
melhor projeto para o Brasil. Feliz água de coco no calçadão. Feliz
multa por jogar lixo no chão. Feliz compre seu carro novo, compre seu
carro novo compre seu carro novo. Feliz paciência no trânsito. Feliz
trens e ônibus atrasados, abarrotados, feliz vagões femininos. Feliz
cadeias piores que o inferno. Feliz salve a seleção. Feliz compre sua
TV, compre sua TV, compre sua TV, compre sua TV, compre sua TV. Feliz
Copa “do Mundo da Fifa”. Feliz seja lá o que tiver de ser. Feliz Lei
Maria da Penha. Feliz Flip. Feliz crianças atingidas por balas perdidas e
sumiços de trabalhadores sem qualquer explicação. Feliz pelada, feliz
pedalada, feliz futevôlei na praia. Feliz biscoito Globo, feliz mate
gelado. Feliz possibilidade de ver o Ferreira Gullar zanzando por
Copacabana.
Feliz sequência de ondas verdes parecendo esmeralda
líquida. Feliz ondas, feliz vacas, feliz caldos. Feliz fale mais, fale
mais, fale mais, fale mais, fale mais. Feliz “este número de telefone
não existe”. Feliz parada gay. Feliz feriado de Zumbi dos Palmares.
Feliz turistas na favela, feliz meninos jogando bola. Feliz bicicletas
roubadas. Feliz juiz filho da puta. Feliz dicas de livros da Cora. Feliz
topless em paz. Compadres queridos, um feliz ano todo.
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