Zero Hora - 16/02/2014
Nem uma, nem duas, mas oito pessoas me enviaram e-mails exigindo que eu
me posicionasse sobre a acusação de que Woody Allen abusou sexualmente
de uma filha adotiva quando esta tinha sete anos. Isso mesmo, eu, que
não sou irmã, prima, esposa, advogada, terapeuta, amante ou vizinha do
Woody Allen, senti como se me jogassem tomates em plena rua. E agora, o
que você nos diz sobre seu ídolo, hein, hein?. Me chamaram para a briga.
Não deixo de admirar os filmes do Polanski mesmo ele tendo sido
acusado de abuso sexual, nem deixo de me emocionar com a obra de Picasso
mesmo sabendo que ele tinha um caráter peçonhento, e não vou deixar de
reverenciar a filmografia do Woody Allen mesmo que um dia se comprove
sua depravação – da qual sigo duvidando. Mia Farrow, sim, é que não me
parece de confiança.
Estou sendo tendenciosa? Ora, estou sendo hiper, super,
megatendenciosa, pois é incômodo acreditar que um sujeito com capacidade
de transformar neuroses em tiradas geniais, um homem que extrai o
melhor de seu elenco, que é fiel à sua equipe técnica, que ama o jazz,
que não se deixa bajular por tapetes vermelhos, que deu ao mundo filmes
como Manhattan, Hannah e Suas Irmãs, Crimes e Pecados, Match Point e
tantas outras obras-primas, vá ferrar com a vida de uma garotinha. É a
palavra de um contra o outro, então me dou o direito de escolher de que
lado ficar.
A questão é pessoal, familiar e intricada. Allen leva sobre os
ombros as acusações de ter seduzido a jovem Soon-Yi, adotada por Mia
Farrow e o ex-marido dela, André Previn. Segundo Allen, ele e Soon-Yi
nunca tiveram relação de pai e filha nem mesmo moravam sob o mesmo teto
(ele e Mia moravam em casas separadas e a moça morava com a mãe). O
romance vingou e estão casados até hoje, e lá se vão uns 20 anos – não
era um capricho, como se vê. Mas foi suficiente para deixar a ex-esposa
ferida em seu orgulho e a opinião pública disposta a julgar o diretor
sem atenuar nada.
Será Woody Allen um tarado, um pedófilo, um cara que deveria estar
atrás das grades? Não acredito, mas tudo pode nesse mundo maluco. Ainda
assim, devemos deixar de admirar o trabalho daqueles que não vivem com
retidão? Se um presidiário escrever uma emocionante peça de teatro ou
esculpir magistralmente, não merecerá reconhecimento pelo que faz pela
arte, a despeito do que fez contra a sociedade? Deixo aqui essas
perguntas porque não tenho resposta conclusiva para a questão. Mas vale
lembrar aquela máxima de Nelson Rodrigues: se soubéssemos o que cada um
faz na intimidade, ninguém cumprimentaria ninguém.
Tomara que nenhuma agressão tenha acontecido de fato, mas se
aconteceu, sinto muito, não conseguirei gostar menos dos filmes de Woody
Allen. Apenas deixarei de cogitar ter um filho com ele – vá saber.
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