Palavra acesa
O cantor e compositor Zeca Baleiro convida os amigos e transforma em canções a poesia de José Chagas. Fagner, Ednardo e Chico César são algumas das participações especiais
Kiko Ferreira
Estado de Minas: 16/02/2014
Zeca Baleiro, depois de projeto dedicado a Hilda Hilst, volta a casar música e literatura |
Dez
anos depois de gravar e lançar o ótimo Ode descontínua e remota para
flauta e oboé, com 10 poemas de Hilda Hilst transformados em (boa)
música, Zeca Baleiro volta a celebrar a literatura com A palavra acesa
de José Chagas. O veterano poeta, maranhense nascido na Paraíba, em
outubro de 1924, tem 20 livros lançados e tem na bagagem elogios de
Drummond, Gullar e Wilson Martins. A carreira literária começou com
Canção da expectativa, de 1955, e pouco ultrapassou os limites do
Maranhão.
Baleiro teve oportunidade de conviver com o poeta na infância, em São Luís, na casa do poeta, boêmio e jornalista Paulo Nascimento Moraes, na função de... saxofonista. Esta intimidade com a música certamente colaborou para que seus poemas “A palafita” e “Palavra acesa” virassem canções e tenham sido gravados pelo Quinteto Violado no LP Até a Amazônia?!, de 1979. A segunda, que ficou conhecida como tema do personagem Zé Galinha, vivido por Osmar Prado, na novela Renascer, batiza o disco, bolado e produzido por Zeca e pelo poeta Celso Borges, com André Oliveira, Samme Araya e a mineira Rossana DeCelso, sócia de Baleiro na gravadora Saravá.
Aberto com o próprio poeta, lendo trecho de “Os telhados”, de 1965, sobre trilha de Zeca, o livro, digo, disco, já mostra sua densidade na segunda faixa, Os canhões do silêncio, em que o autor da melodia, Assis Medeiros, dá a gravidade necessária a versos que falam de “vasta paz de poeira” e ”ira da carne acesa”. Já Chico Saldanha suinga (com Tássia Campos) em A cidade era feita de poesia, com melodia sinuosa para versos que tratam de trem e poesia numa abordagem que julga o canto “a voz tardia de uma mensagem que se perde no ar”.
Um sol que, em vez de iluminar, incendeia é a chave do Campoema, retrato do camponês em eterna luta tornado música e cantado por Cesar Teixeira. Fagner, que nos anos 80 produziu dois projetos semelhantes, Poetas de Nova York (sobre poemas de García Lorca) e Homenagem a Pablo Picasso, comparece como contido intérprete, ao lado da portuguesa Susana Travassos, da envolvente melodia que Baleiro fez para o poema “Noturno nº 2”, um monumento épico e insone.
Outro talentoso maranhense, infelizmente desconhecido do público, Josias Sobrinho, é autor de A vida é ciranda, defendida com delicadeza pela baiana Márcia Castro. A leveza carnavalesca relaxa ouvidos antes da leitura curta e seca de José Chagas para “Poema II” abrir espaço para Palavra acesa, de Fernando Filizola, com a voz de Baleiro lembrando o Fagner da fase Ave noturna, sensação reforçada pelos violões de Tudo Marcondes. Uma histórica associação das vozes de Chico César e Ednardo emociona com Sobrado, na melodia de Chico sobre versos que poderiam ter sido feitos pelo cearense, com seu jogo de palavras descrevendo um sobrado que simboliza a história da cidade, seus tempos e templos.
Outro maranhenese, Nosly, que já foi Nosly Júnior e morou em BH, canta e divide com Celso Borges a melodia de A ceia do mundo, com ar espanholado e dramaticidade ibérica. A sonoridade mais contemporânea dá os ares da versão que Lula Queiroga e Silvério Pessoa oferecem para a já clássica A palafita (Fernando Filizola/Toinho Alves). O último capítulo é um “Poema III”, lido por José Chagas sobre trilha de Zeca Baleiro, com ares cabralianos e duras críticas ao turismo feito de poeira, à minuta, como às farsas eleitorais, com a figura marcante de “um boi que morreu de tanto/ ser forçado a carnavais/ que são aqui o encanto/ das áreas oficiais”. Um final digno da poesia de um mestre que merece melhor (re)conhecimento.
Baleiro teve oportunidade de conviver com o poeta na infância, em São Luís, na casa do poeta, boêmio e jornalista Paulo Nascimento Moraes, na função de... saxofonista. Esta intimidade com a música certamente colaborou para que seus poemas “A palafita” e “Palavra acesa” virassem canções e tenham sido gravados pelo Quinteto Violado no LP Até a Amazônia?!, de 1979. A segunda, que ficou conhecida como tema do personagem Zé Galinha, vivido por Osmar Prado, na novela Renascer, batiza o disco, bolado e produzido por Zeca e pelo poeta Celso Borges, com André Oliveira, Samme Araya e a mineira Rossana DeCelso, sócia de Baleiro na gravadora Saravá.
Aberto com o próprio poeta, lendo trecho de “Os telhados”, de 1965, sobre trilha de Zeca, o livro, digo, disco, já mostra sua densidade na segunda faixa, Os canhões do silêncio, em que o autor da melodia, Assis Medeiros, dá a gravidade necessária a versos que falam de “vasta paz de poeira” e ”ira da carne acesa”. Já Chico Saldanha suinga (com Tássia Campos) em A cidade era feita de poesia, com melodia sinuosa para versos que tratam de trem e poesia numa abordagem que julga o canto “a voz tardia de uma mensagem que se perde no ar”.
Um sol que, em vez de iluminar, incendeia é a chave do Campoema, retrato do camponês em eterna luta tornado música e cantado por Cesar Teixeira. Fagner, que nos anos 80 produziu dois projetos semelhantes, Poetas de Nova York (sobre poemas de García Lorca) e Homenagem a Pablo Picasso, comparece como contido intérprete, ao lado da portuguesa Susana Travassos, da envolvente melodia que Baleiro fez para o poema “Noturno nº 2”, um monumento épico e insone.
Outro talentoso maranhense, infelizmente desconhecido do público, Josias Sobrinho, é autor de A vida é ciranda, defendida com delicadeza pela baiana Márcia Castro. A leveza carnavalesca relaxa ouvidos antes da leitura curta e seca de José Chagas para “Poema II” abrir espaço para Palavra acesa, de Fernando Filizola, com a voz de Baleiro lembrando o Fagner da fase Ave noturna, sensação reforçada pelos violões de Tudo Marcondes. Uma histórica associação das vozes de Chico César e Ednardo emociona com Sobrado, na melodia de Chico sobre versos que poderiam ter sido feitos pelo cearense, com seu jogo de palavras descrevendo um sobrado que simboliza a história da cidade, seus tempos e templos.
Outro maranhenese, Nosly, que já foi Nosly Júnior e morou em BH, canta e divide com Celso Borges a melodia de A ceia do mundo, com ar espanholado e dramaticidade ibérica. A sonoridade mais contemporânea dá os ares da versão que Lula Queiroga e Silvério Pessoa oferecem para a já clássica A palafita (Fernando Filizola/Toinho Alves). O último capítulo é um “Poema III”, lido por José Chagas sobre trilha de Zeca Baleiro, com ares cabralianos e duras críticas ao turismo feito de poeira, à minuta, como às farsas eleitorais, com a figura marcante de “um boi que morreu de tanto/ ser forçado a carnavais/ que são aqui o encanto/ das áreas oficiais”. Um final digno da poesia de um mestre que merece melhor (re)conhecimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário