O Globo 09/11/2012
Às vésperas de completar dois meses na pasta, a ministra Marta Suplicy prega uma distribuição mais equilibrada de recursos entre brancos e negros, defende a fiscalização do Ecad e anuncia interferência na política de patrocínio das estatais
PLÍNIO FRAGA
Enviado especial a Brasília
plinio.fraga@oglobo.com.br
Prestes a completar dois meses no cargo, no próximo dia 13, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, 67 anos, afirmou ontem que trabalhará para a criação de um órgão fiscalizador independente para acompanhar a atuação do Ecad, escritório responsável pela arrecadação dos direitos autorais no Brasil.
— Vou seguir a recomendação da CPI do Senado. Não é nada demais ter fiscalização externa em um órgão que detém o monopólio. Só no Brasil é assim — disse Marta ao GLOBO em seu gabinete no Ministério da Cultura, em Brasília.
A ministra contou que pretende dar uma marca de “inclusão social” à sua gestão no ministério, com programas como o Vale Cultura (que prevê R$ 50 para gastos em cultura para quem ganha até cinco salários mínimos), a construção de 360 CEUs das Artes — centros de produção cultural dotados, por exemplo, de biblioteca somente com livros artísticos — e a aplicação de projetos e editais de incentivo à produção da cultura negra.
— Eles sofrem preconceito, sim. Têm menos meios de acesso, de formulação de projetos. E, quando conseguem, ninguém patrocina. Querem que o Brasil chegue ao ponto dos Estados Unidos? Você viu a imagem que colocaram de uma corda enforcando aquela cadeira que o Clint Eastwood entrevistou na propaganda do Romney contra Obama? — questionou a ministra, que anunciou ainda editais para a revelação de escritores jovens negros, que serão convidados a participar de caravanas pelo país, a coedição de livros, prêmios e incentivos à arte negra por meio do prêmio Grande Otelo, da Funarte.
Marta afirmou que pretende permanecer no cargo de ministra da Cultura até o final do mandato da presidente Dilma Rousseff:
— Não sou candidata ao governo de São Paulo. Pode escrever. Estou no projeto de reeleição da presidente Dilma.
Muito gripada, com a voz rouca e tomando um produto natural à base de limão e sal para a garganta, Marta ainda aconselhou o fotógrafo do GLOBO, no momento em que este transmitia fotos para o jornal de seu computador:
— Esta foto está bonita. A outra não. O queixo levantado me deixa muito arrogante.
l A senhora acha que conseguiu pacificar a cultura, após a polêmica gestão anterior?
Fiquei satisfeita com o acolhimento do povo da cultura. As coisas começaram a andar: Vale Cultura, nova lei Rouanet, nova lei do direito autoral. Fui convidada para destravar e dar uma marca do governo Dilma à Cultura. Só tenho dois anos para isso. Há também os 360 CEUs das Artes, já licitados. Vamos dar chances a milhares de talentos terem onde se expressar. Os talentos não nascem necessariamente nos locais mais privilegiados. É o Bolsa Família da alma.
l No Vale Cultura, já há um acordo para retirar aposentados e servidores públicos dos beneficiários, o que, para o governo, torna o projeto que está no Congresso insustentável?
Você acha que estou fazendo o que aqui? Foi retirado tudo. Conversei com o presidente da Câmara, Marco Maia. Disse que com aposentado e servidor não havia possibilidade de a presidente aceitar. Ele sugeriu que fosse enviada uma medida provisória. Eu contrapropus que fosse enviado um projeto da frente parlamentar de cultura para restituir a ideia original. O projeto já tem mais de cem assinaturas. Vai ter muita força e será votado até o final do ano.
l Que entraves a senhora enfrenta no Procultura, a lei que substituirá a Rouanet?
O Ministério da Fazenda entregou ontem ao deputado Pedro Eugenio (PT), relator na Câmara, o estudo dos impactos das isenções previstas. Ele está sendo muito habilidoso e deve entregar seu relatório na semana que vem. Conversamos sobre algumas arestas. Áreas que tiravam nossa autonomia, o que achávamos inaceitável. Mas ele foi muito flexível na conversa, muito determinado em alguns pontos. Mas tenho que respeitar a autonomia do deputado.
l Um estudo do Ipea mostrou que até 1995 a maior parte do dinheiro da área da cultura vinha do ministério. Já em 2010 o perfil havia mudado. Mais de 90% era dinheiro incentivado, sem pagar imposto. como a senhora analisa esses números?
Incomoda bastante. Acredito que a cultura não é tratada como instrumento de desenvolvimento econômico. Em muitos países é subsidiado para ter uma política de Estado. Em virtude da pouca importância que se tem dado à cultura por todos os governos é que foi desenvolvido um método bastante engenhoso, que funciona, mas tira das mãos do ministério a possibilidade de fazer uma política de Estado mais forte. Temos certos controles sobre a lei Rouanet. Vamos fazer agora, por exemplo, 30 Pontos da Cultura Negra. Vamos descobrir novos autores negros, que serão incluídos num projeto da Biblioteca Nacional de Caravana de Escritores. Você já pensou, um jovem autor negro de 17, 18 anos, viajando pelo país ao lado de escritores consagrados para divulgar sua obra?
l A senhora não teme críticas à chamada racialização da cultura em razão de medidas como essa?
Pessoas que dizem isso não têm os números da realidade. Os números das desigualdades regionais se aplicam também aos negros. Dos projetos da lei Rouanet para análise, 71 são do Norte e 5.374 do Sudeste. É um absurdo. Na distribuição de valores o Norte recebe 1,6% e o Sudeste, 67%. Com os negros ocorre algo semelhante. Porque eles têm menor condição de acesso a meios para elaborar e depois, quando são aprovados pela lei Rouanet, não conseguem captar. É mais ou menos como a região Norte. Ninguém quer patrocinar. É péssimo falar isso. Mas o que vamos fazer? Cruzar os braços? Ver chegar numa situação como a dos Estados Unidos, onde a coisa ficou tão acirrada? Você viu na TV uma mulher que colocou uma cadeira na televisão e a enforcou? Isso remete à Ku Klux Klan. Não temos isso aqui, mas corremos riscos quando o (pastor Silas) Malafaia sai fazendo campanha do jeito que fez. Isso é o que temos de evitar. Não a possibilidade de os negros terem uma vida melhor e oportunidades iguais. São projetos de inclusão social na cultura que queremos no governo Dilma. Estamos agora no patamar de incluir o alimento da alma.
l A senhora disse que pretende interferir na política de patrocínio das estatais. Como pretende fazer isso?
Foi uma incumbência que a presidente me deu. Não veio da minha cabeça. Ela falou: interfira na política das estatais, porque quero uma política de Estado. É uma oportunidade boa. Mas na premência de que estou tendo de conversar com uma quantidade enorme de atores ainda não me debrucei sobre isso. Mas o farei. Vou analisar estatal por estatal. vou conversar porque as presidências dessas estatais são ocupadas por companheiros. Não teremos nenhum problema em uma ação conjunta. Não virá tudo para mim. O ministério era inoperante nesse sentido. Agora está empoderado para ter essa conversa.
l Sobre a nova lei dos direitos autorais, como anda a negociação?
Estamos caminhando para o máximo de liberdade com o mínimo de apropriação indevida na obra do autor. São linhas finas. Estou estudando. Sobre Ecad, já tenho o que falar. Conversei com muitos grupos. O Ecad é um órgão importante, tem que ser mantido, tem que ser independente. Não há queixas por parte dos músicos mais famosos. Existe um mar de queixas dos músicos menos conhecidos. O Ecad tem razão quando diz que muitos músicos estão decadentes, tocam menos, e não aceitam isso. E me fizeram ver que não conseguem ter acesso a tudo, já que o Brasil é enorme, não dá para se apropriar de todas as informações sobre onde as músicas são tocadas. Eles acreditam que têm transparência absoluta. não foi o que escutei dos outros lados. Em nenhum país do mundo um órgão que tem o monopólio não é fiscalizado. Só no Brasil. Minha posição é ir de acordo com a CPI do Senado e defender um órgão externo de fiscalização. A decisão de ter um órgão externo já tomei. Acredito que será bom para todos. A composição será decidida. Não vamos estar fazendonada de excepcional.
l A senhora apoia a nova lei das biografias que está em debate no Congresso?
Estou de acordo. Não é preciso autorização do biografado, mas ele entra na Justiça caso queira reparação.
l A senhora havia resistido à indicação do expresidente Lula de Fernando Haddad como candidato a prefeito de São Paulo. Como viu a vitória dele?
Eu era contra porque eu teria uma vitória mais fácil. Mas o Lula acertou. O momento era de impor uma pessoa diferente. Ele renovou o partido. Mas eu tive uma participação importante. Quando o bilhete único entrou em debate no primeiro turno, usei minha credibilidade no setor de transportes para ajudar Haddad. Foi ali que Russomanno escorregou.
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