sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Em defesa do Museu do Índio - Cleonice Pitangui Mendonça


Estado de Minas: 09/11/2012 

No ano em que comemoramos 90 anos do nascimento de Darcy Ribeiro, uma de suas obras, o Museu do Índio, por ele criado no Bairro Maracanã em 1953, recebe um ataque do governo do estado do Rio de Janeiro. Em nota oficial, expedida em 18/10, o governador Sérgio Cabral anuncia a demolição do museu para oferecer mobilidade maior às pessoas no entorno do Maracana, durante a Copa do Mundo em 2014. O museu, única instituição oficial no país dedicada exclusivamente às culturas indígenas, foi transferido para o Bairro do Botafogo em 1978. À época do funcionamento do museu próximo ao Maracanã, o marechal Rondon e Darcy Ribeiro costumavam ali receber os índios.

A falta de visão do governador com essa atitude, eliminando de um bem cultural de significado ímpar para a nossa história e cultura, causa-nos estranheza, pois nos faz pensar que o governador parece não saber que esse bem cultural faz referência aos primeiros povos que habitavam a terra a se transmutar no Brasil. Falta maior é não capitalizar o Museu do Índio para a Copa de 2014, tombando-o, recuperando-o, preservando-o e o transformando num exemplo positivo de como o Estado trata os nossos primeiros habitantes, num país formado de diferentes humanidades, como diria Darcy Ribeiro. Existe vitrine melhor para a visita de turistas do mundo inteiro, que estarão aqui para a Copa, do que essa, situada ao lado de um dos nossos maiores estádios, onde ocorrerá parte dos jogos?
A nossa Carta Magna, dispondo sobre a cultura, diz em seu artigo 216: 
“Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Nesse sentido, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), já acionado, tomar as medidas necessárias para o reconhecimento do imóvel como patrimônio cultural. 

Uma movimentação em defesa desse nosso patrimônio foi iniciada pela Fundação Darcy Ribeiro com o lançamento de um manifesto, em 26 de outubro de 2012, dia do aniversário de noventa anos de Darcy Ribeiro, e pelos indígenas, que ora ocupam o prédio, realizando rituais de canto e dança como forma de resistência não violenta. Os indígenas, que tradicionalmente nos oferecem lições de como lidar na preservação do meio ambiente, agora nos ensinam sobre a defesa do patrimônio deles e do nosso. Que as autoridades competentes detentoras do poder político ajam em consonância com tais ações a favor da não destruição do imóvel, acatando laudo do Iphan, pela preservação do prédio. 

Ao receber o título de Doutor Honoris Causa pela Sorbonne, em 1979, Darcy Ribeiro aceitou a honraria pelos méritos de seus fracassos que, no entanto, atestavam a sua dignidade. Um deles era a luta em defesa dos índios do Brasil que continuavam condenados à aniquilação, haja vista, hoje, a situação dos Guaranis-caiovás, com grande repercussão e causando espanto no mundo. A preservação do Museu do Índio deve mostrar uma visão de Estado que faça justiça aos nossos primeiros habitantes, apontando na direção de uma política de direitos tão cara ao discurso oficial. 

Darcy Ribeiro dizia que somos uma nova Roma, tardia e tropical, construindo-nos como uma nova civilização, orgulhosa de si mesma. “Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as culturas.” O ato do governador Sérgio Cabral aponta para o oposto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário