sexta-feira, 9 de novembro de 2012

CIÊNCIA » Falta de chuva abalou os maias-Max Milliano Melo‏

Análise de estalagmites em caverna leva cientistas a concluir que não houve preparo para período de seca, tornando essa civilização mais vulnerável aos ataques espanhóis e astecas 

Max Milliano Melo
estado de Minas: 09/11/2012 

Por quase 2 mil anos, os maias foram os soberanos da América Central. O grupo ocupou regiões do Sul do México, da Guatemala, de El Salvador, de Honduras e de Belize desde o ano 1000 a.C., desenvolvendo uma complexa cultura composta por modernas técnicas de agricultura, uma rica arquitetura que incluía pirâmides, além da única forma de escrita desenvolvida na América Pré-colombiana. Uma das contribuições para a cultura atual foi um calendário que iniciou a lenda de que o mundo acabará em dezembro deste ano. Pois, para os maias, o fim da linha foi bem mais precoce. A civilização sucumbiu no século 16. Primeiro, parcialmente dominada pelo império asteca, que se expandia na região; depois, dizimada pelos espanhóis.
 
Mas o que teria levado o grupo, dono de tecnologias tão modernas como o sistema de esgoto — desenvolvido amplamente pela Europa no século 18 —, a sucumbir frente a outra civilização ainda em fase de expansão? Pesquisadores de vários países acreditam ter encontrado a principal causa: as mudanças climáticas. O artigo de capa da edição de hoje da revista Science mostra que foram alterações na temperatura e no ciclo de chuvas que levaram os maias à crise e ao enfraquecimento, abrindo caminho para a dominação asteca e espanhola.
Como desenvolveram um complexo sistema de escrita, dados históricos sobre a civilização já estavam disponíveis para os cientistas, que, com base neles, suspeitavam que a questão climática pudesse ter tido alguma relação com o declínio maia. Contudo, faltavam indícios físicos. Esses vestígios  foram encontrados pelos cientistas na caverna de Yok Balum, na fronteira de Belize com a Guatemala, ao sul da antiga cidade maia de Caracol. Lá, um conjunto de estalagmites guarda registros climáticos desde a pré-história. A velocidade de crescimento e a composição das estalagmites dependem da frequência e da intensidade das chuvas. 
De posse desses dados, os cientistas analisaram diversas inscrições nas rochas em todas as cidades maias, dando um olhar especial àquelas relacionadas a guerras e batalhas, criando, assim, um “índice da guerra”. “Os textos históricos esculpidos em monumentos de pedra fornecem um rico acervo de guerras, de casamentos, de adesões de reis e rainhas, da captura e do assassinato de guerreiros de grupos concorrentes. Os eventos são incrivelmente bem datados com o calendário maia”, explica Douglas Kennett, da Pennsylvania State University, nos Estados Unidos. “O fim de uma tradição de escultura em pedra entre os anos 800 e 1000 marca o colapso generalizado da tradição maia clássica”, completa. A atenção especial às informações sobre guerras deve-se ao fato de esses eventos representarem momentos de desestabilização social.

Explosão demográfica Com as informações climáticas conseguidas na caverna de Yok Balum e do histórico social decifrado nas paredes das construções que ainda resistem aos dias de hoje, os pesquisadores começaram a cruzar os dados e chegaram à conclusão que dois eventos opostos foram decisivos para o fim da civilização. “As quantidades anormalmente elevadas de chuvas favoreceram um aumento na produção de alimentos e uma explosão na população entre os anos 450 e 660”, conta o pesquisador norte-americano. 
Esse período foi acompanhado por uma quantidade menor de guerras e outros conflitos regionais, demonstrando que, com a ampliação da população, houve um fortalecimento da unidade central do grupo. “Isso levou à proliferação de cidades como Tikal, Copan e Caracol pelas planícies maias”, completa o pesquisador Douglas Kennett. Apesar de ter possibilitado o auge da civilização, o período de bonança tornou catastrófica a fase que se seguiu.
Os dados climáticos extraídos das pedras da caverna mostram que uma seca extremamente severa substituiu o período “das vacas gordas”. “A tendência duradoura de quatro séculos foi pontuada por uma série de grandes secas que provocaram um declínio da produtividade agrícola e contribuíram para a fragmentação social e o colapso”, completa o arqueólogo. “A mais severa seca (entre 1020 e 1100) ocorreu após o colapso generalizado do império e pode estar associada ao fato de a população ter diminuído amplamente na região”, completa. 
Após a perda do poder central ocasionada por guerras por comida e água, a civilização sofreu com epidemias de fome e de doenças, diminuindo ainda mais a quantidade de habitantes. “Depois de anos de dificuldades, uma seca quase secular iniciada por volta do ano 1020 selou o destino maia no período clássico”, afirma o especialista James Baldini, outro autor da pesquisa e integrante do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Durham, no Reino Unido.

Desastre repetido
 Os pesquisadores comparam o evento a outra seca ocorrida na região cerca de 500 anos depois. “Ao longo dos séculos, as cidades sofreram um declínio em suas populações e os reis maias perderam poder e influência”, afirma Douglas Kennett. “A ligação entre a longa seca do século 16 com as más colheitas, a morte, a fome e a migração para o México fornece um análogo histórico, apoiado pelas amostras de estalagmites da caverna, para a tragédia sociopolítico e para o sofrimento humano experimentado periodicamente pelos maias do período clássico.”
Os especialistas lembram, contudo, que não foi a seca por si só a causadora do colapso da famosa civilização. “A ascensão e a queda dos maias é um exemplo de como uma civilização sofisticada pode decair quando não tem sucesso ao se adaptar a uma mudança climática”, explica o britânico James Baldini. Assim, a seca só conseguiu eliminar o complexo grupo porque foi antecedida por um período de bonança aliado à despreocupação com questões ambientais. “Períodos de elevada precipitação aumentaram a produtividade dos sistemas agrícolas, levando a um crescimento da população e a sobrexploração de recursos. O clima progressivamente mais seco, então, levou à desestabilização política e a guerras quando os recursos se esgotaram”, completa.

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