segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A vida nas telas - Ana Clara Brant‏

Cinema brasileiro aposta no filão das biografias. Sucesso de produções como 2 filhos de Francisco e Gonzaga - De pai para filho justificam o investimento 

Ana Clara Brant
Estado de Minas: 26/11/2012 
Provavelmente, um dos primeiros filmes biográficos feitos no Brasil é Tico-tico no fubá, de 1952, sobre o compositor Zequinha de Abreu. Produzido pela Companhia Vera Cruz e com direção de Adolfo Celi, o longa-metragem tinha Anselmo Duarte no papel do protagonista e Tônia Carrero como Branca, a grande paixão de Zequinha. Desde então, vez por outra as chamadas cinebiografias apareciam nas telas pelo país, mas nos últimos anos, especialmente depois da retomada do cinema nacional, em 1994, com Carlota Joaquina, princesa do Brazil – apesar da forma polêmica que retratou a família real portuguesa e narrou a trajetória da espanhola que se casou com o herdeiro do trono, dom João VI –, esse gênero passou a ser mais explorado. O público do cinema já pôde conhecer mais a fundo personalidades como Cazuza, Heitor Villa-Lobos, Chico Xavier, Zuzu Angel, Olga Benário, Garrincha, Heleno de Freitas, o ex-presidente Lula e até Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha. 

Responsável por um dos filmes biográficos de maior sucesso da história do cinema brasileiro, 2 filhos de Francisco – A história de Zezé di Camargo e Luciano, o diretor Breno Silveira lançou recentemente Gonzaga – De pai pra filho, que mostra a conturbada relação entre Gonzagão e Gonzaguinha e que já bateu o público de 1 milhão de espectadores. E o diretor avisa: sua próxima empreitada deve ser mais uma cinebiografia, mas ainda não definiu sobre quem. “Tenho vários projetos interessantes. Algumas biografias estão comigo há anos, como a do navegador Amyr Klink, que pretendo fazer algum dia e que, inclusive, cheguei a escrever o roteiro, assim como a do Éder Jofre; e tem também a história do Lampião, que me fascina bastante”, diz.

Breno conta que, quando filmou 2 filhos de Francisco, não queria produzir algo semelhante tão cedo, mas começou a perceber o quanto o assunto é instigante e como é importante para um país conhecer a sua própria história e seus personagens. “E a biografia serve a esse propósito. O Brasil é um país muito novo e carente disso. O cinema mundial investe nesse filão há muito tempo e acho extremamente válido esse movimento por aqui. É bom pra gente se entender”, acredita. 
O cineasta acrescenta que há muitos desafios quando se embarca em iniciativas como a de Gonzaga ou 2 filhos de Francisco, até porque cada um narra o seu ponto de vista e o aprofundamento é mais intenso. Mas o que deve importar é mostrar o personagem da maneira como ele realmente é. “Biografia é sempre mais complicado de fazer do que outro tipo de filme. É difícil ser completamente fiel às datas; tem sempre um questionando se aconteceu em tal dia ou não. Todo mundo tem a sua própria história na cabeça.” 

“No caso de 2 filhos de Francisco“, lembra Breno Slveira, “o Zezé contava de um jeito, o Luciano de outro, o seu Francisco tinha uma versão totalmente distinta. Não que eles estejam errados, mas as pessoas têm visões diferentes sobre a mesma coisa. O que conta é entender um pouco o conteúdo e a alma desses personagens. É isso que a gente não pode trair. Os detalhes não importam”, destaca.

Emoção Quem também está envolto com uma grande história é o diretor, produtor e roteirista Antônio Carlos da Fontoura que acaba de finalizar Somos tão jovens, ainda sem data de estreia, e que vai mostrar como Júnior se transformou em Renato Russo, o maior mito do rock brasileiro. A produção, que tem Thiago Mendonça como protagonista – o ator já interpretou outra figura da vida real, o sertanejo Luciano – mostra a Brasília de 1976 a 1982, quando começaram a surgir bandas como Aborto Elétrico e Legião Urbana, e o papel de Renato Manfredini nesse processo. 

“Ele é o motor de toda aquela turma da capital federal que tinha gente como Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá, Dinho Ouro Preto”, justifica Fontoura. “Já tivemos documentários sobre ele, mas é o primeiro e único filme já feito sobre o Renato Russo até hoje. Sinto uma responsabilidade e um desafio enormes, porque é impressionante como o Renato abraçou todas as gerações. Os fãs já estão em polvorosa com o lançamento do filme; jovens que nem conheceram o Renato vivo. É a história de um mito.”

A ideia do longa partiu do empresário musical Luiz Fernando Borges, um dos amigos mais próximos do roqueiro e que, aliás, também assina o roteiro de Somos tão jovens. Antônio Carlos da Fontoura ressalta que Borges foi quem o uniu aos Manfredini e isso foi essencial para o resultado final da produção, que conta com o aval da família. “A mãe, dona Maria do Carmo, a irmã Carmem Teresa e o filho Giuliano assistiram a algumas cenas e se emocionaram, principalmente com a performance do Thiago, que está impressionante. Ele canta, toca de verdade e incorporou o Renato. Todos ajudaram, e a Carmem e o Giuliano fazem até uma pontinha no filme”, revela Fontoura. 

POLêMICAS
Um projeto de lei de autoria do deputado Newton Lima (PT/SP) pode permitir que o leitor brasileiro tenha acesso irrestrito 
a informações biográficas de figuras públicas. A proposição, aprovada pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e que está na agenda para ser discutida na Comissão de Constituição e Justiça, visa ampliar a liberdade de expressão, a informação e o acesso à cultura e alterar os artigos 20 e 21 do Código Civil, que hoje permitem a parentes, herdeiros ou qualquer pessoa citada no texto requerer a não publicação de informações consideradas indevidas. O tema tem provocado controvérsias. O diretor Breno Silveira acredita que o assunto deve sim ser debatido, mas admite não ter opinião formada. “A questão do direito autoral ainda está meio confusa, é complexa. Temos que debater sim, mas não sou nem a favor do atual formato e nem do que está sendo proposto”, resume.

O QUE VEM POR AÍ
Renato Russo (Somos tão jovens)
Marina Silva (Marina e o tempo)
João Carlos Martins (João)
Irmã Dulce (Irmã Dulce)
Zé do Caixão (Maldito)
Tim Maia (Tim Maia)
Elizabeth Bishop e Lota de Macedo     de Moraes (Flores raras)
Frank Aguiar (Os sonhos de um sonhador – A história de Frank Aguiar)
Joãosinho Trinta (Trinta)
Nise da Silveira
Elis Regina
Pixinguinha
Ayrton Senna

História de uma pioneira 
Ana Clara Brant
Outro projeto que deve chegar às telas em breve é a ficção baseada na vida de Nise da Silveira (1905–1999). Discípula de Carl Jung, a médica alagoana dedicou sua vida à psiquiatria e manifestou-se radicalmente contra as formas agressivas de tratamento de sua época, como o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoque e lobotomia. A dra. Nise da Silveira foi a primeira mulher a assumir o cargo de psiquiatra no Hospital da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro. 

A produção marca a estreia de Roberto Berliner em longa-metragem de ficção, ele que é conhecido por seu trabalho com documentários. O filme ainda não tem título, mas no papel principal está a atriz Glória Pires. “A história dela merecia esse registro porque é sensacional. É uma heroína que desenvolvia um trabalho pioneiro na psiquiatria em uma sociedade extremamente machista”, resume o cineasta, que também foi produtor de outra cinebiografia, Bruna Surfistinha.

Berliner diz que, como é um documentarista, gosta muito do real e de histórias das pessoas que realmente existiram e que muitas vezes são tão incríveis que nem os roteiristas seriam capazes de criar personagens tão intensos e completos. “Acho que a gente precisa exaltar as grandes figuras da nossa história. Os filmes permitem isso, e a plateia acaba ficando encantada com o que vê. Nem imagina que existam pessoas tão fantásticas e que de fato existiram”, afirma.

Palavra de especialista
Literatura contribui
Paulo Sérgio Almeida
cineasta e diretor da empresa Filme B

“Filmes baseados em biografias sempre deram bons resultados. De uns anos para cá, esse fenômeno se intensificou devido ao sucesso de livros que se tornaram verdadeiros best-sellers. O roteirista já pega praticamente pronta uma história. O cinema vem acompanhando os lançamentos editoriais. A vida de uma pessoa conhecida sempre atraiu público porque geralmente ela já tem um séquito de fãs e uma histórica rica. É um filão muito bem explorado tanto no cinema brasileiro como no norte-americano. Produzir cinebiografias faz um bem enorme à memória nacional e ao país porque possibilita tornar pública a vida e a obra de figuras que muitas vezes ficariam no ostracismo. Ou até mesmo permite revelar um lado pouco conhecido de ídolos, como Gonzagão e Gonzaguinha, citando um exemplo mais recente. Temos uma dívida enorme com outros personagens importantes e por isso acho que o cinema deve explorar ainda mais esse filão. O mercado e o público sempre aprovam e agradecem.”


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