20/09/2010
Estado de Minas
Dia desses, zapeando canais na TV, dei com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, sendo entrevistado ao vivo no programa Roda viva, da TV Cultura/SP. Lúcido e sereno aos 75 anos, falou do início da carreira, ainda garoto, da longa trajetória como executivo de emissoras de televisão, das estratégias para implantar um modelo de programação em rede nacional, dos métodos para alcançar a audiência que tem hoje a TV Globo, da qual está afastado desde 1997.
Embora o entrevistado estivesse inspirado, as perguntas dispersivas tiravam o foco ou ficavam redundantes, ao menos para quem conhece o ramo.
Mas, no final, surgiu o inesperado, a fagulha de poesia e humanidade –o que interessa, enfim! Indagado se,com a idade, estaria mais alegre ou mais triste,Boni responde mais ou menos o seguinte: “A alegria seria um processo de mascarar a realidade; estando vivo, você pode ter,e deve ter, momentos de alegria e tristeza. Mas, a vida, como um todo,é assustadora. Outro dia, estava falando com minha mãe, que tem 94 anos,e ela me disse: ‘Meu filho,não quero me queixar de nada. A vida foi maravilhosa.
Mas não vale a pena.’”Seu humor não exclui pungente emoção.A poesia e a filosofia nascem do choque do banal com o transcendental.
As inesperadas falas finais lançaram sem querer um programa trivial ao cerne de uma questão filosófica. Espanta num executivo afeito a decisões rápidas à luz de pesquisa de opinião, no fogo da guerra de audiência, atado a orçamentos, visão estratégica e limites de programação! Função para alguém sovado em gestão de crise, com energia, disposição, nervos de aço, coragem, ousadia e truculência. Mas, quando a vida se acumula, a reflexão é espontâneaenatural, vem no olhar.
Difícil discordar que a vida é assustadora. Basta pensar no imponderável absurdo de dois momentos apenas. Entre o nada-anterior e o óvulofecundado, entre o não-ser e o ser. É assustador não consultar o-que-virá se ele quer vir. Consulta de resto impossível por não ter a quem fazê-la. E se, por absurdo, tivesse,comque critério o-que-virá iria responder? Passamos por essa etapa, e aqui estamos, à espera do segundo momento: entre a vida-presente e o nada-que-virá, entre o ser e o exser.
É assustador não nos consultar se queremos ir.
Consulta de resto impossível, por não ter quem a faça.Ese, por absurdo, tivesse, por que nos perguntaria? É assustador estarà mercê de, súbito, mudarmos de etapa. É também assustador que, há zilhões de anos por aqui, não tenhamos assimilado nossa finitude,e chamarmos de assustadora a uma etapa de ciclo sabido natural.
A vida vale a pena, a dor,o sofrimento de viver? Avaliar, do alto de 94 anos, que,embora maravilhosa, a vida não vale a pena, diverte e, ao mesmo tempo, deixa embatucado, entre surpreso e desapontado.
É engraçado viver tanto e, afinal, achar que não valeu a pena. Sugere que foram grandes as expectativas e enormes as exigências de quem, comparativamente, parece ter sido privilegiada. Ou, quem sabe, não oculta sutil pedido de compensação em eventual vida futura! Comparações e aparências nada significam nesse caso. Nascimento, vida e morte são pessoais, e de percepções subjetivas. Somos ilhas num mar que nos separa. Mas desaponta quando se vai cedo de uma vida que nem sempre foi maravilhosa, sem sequer ter tempo de saber se valeu a pena – prova de que a vida não é justa! A vida é assustadora e, por isso, maravilhosa.
Uma vez vivo, é só vivê-la. O instinto vence o medo e a vivemos quase como se fosse eterna – até que o fim a surpreenda. E quando ele chega, a perda é tão absoluta que já não vive o único ser capaz de a avaliar. Por isso, não faz sentido indagar se a vida vale a pena! E, convenhamos, há alguma alternativa a essa vida, por mais assustadora que seja?
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