segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Na Alemanha, parlamentar gay não vê problema em fazer parte do partido conservador


Na Alemanha, parlamentar gay não vê problema em fazer parte do partido conservador

Jornais Internacionais - Der Spiegel 
 Fritz Stockmeier

  Jens Spahn é um parlamentar conservador de 32 anos. Ele também é gay. Em uma entrevista para a “Spiegel”, o membro da União Democrata Cristã conservadora descreve como isso moldou sua carreira política e avalia quão longe a Alemanha avançou nos direitos civis de gays e lésbicas.


Spiegel - Sr. Spahn, há dois anos nós lhe perguntamos pela primeira vez se estaria disposto a nos conceder uma entrevista sobre sua vida como membro gay do Parlamento por um partido político conservador. O que o fez hesitar por tanto tempo?
Spahn - Porque meu lado gay não tinha nada a ver com a forma como me defino como político. Eu não me concentro em temas gays em detrimento de outros assuntos políticos. Em vez disso, como especialista em saúde, eu busco resolver os problemas atuais. Eu não queria que meu modo de viver e amar exercesse um papel maior do que a substância do meu trabalho.


Spiegel - E o que o fez mudar de ideia a respeito de falar conosco?
Spahn - Eu quero enviar um sinal. Há muitos gays entre os conservadores da Alemanha que estão descontentes com seu partido. Todavia, essa será minha primeira e última entrevista a respeito de minha sexualidade.


Spiegel - O senhor é membro do Parlamento há 10 anos. Colegas já lhe perguntaram com frequência se você tinha uma parceira feminina em sua vida?
Spahn - Para todos aqueles que perguntaram, eu respondi de modo honesto que tenho um parceiro masculino. Eu nunca fiz segredo da minha homossexualidade.


Spiegel - Isso exerceu um papel quando você buscou a indicação por seu distrito para concorrer a uma cadeira no Bundestag há 11 anos?
Spahn - Quando se trata dos procedimentos internos de indicação de um partido político, as pessoas sempre procuram por áreas onde um candidato possa ser vulnerável. Minha orientação sexual e minha idade –eu tinha apenas 21 anos naquela época– certamente não agradaram a todos na ocasião. Vários indivíduos tentaram transformar minha homossexualidade em tema de debate. Eu reconhecidamente achei isso incômodo.


Spiegel - Que tentativas foram feitas?
Spahn - Em alguns casos, membros do partido expressaram preocupação. Eles perguntavam: “Como poderemos vencer em um distrito fortemente católico com alguém como ele?”


Spiegel - Na época, você considerou subir ao palanque e dizer: “Eu sou gay”?
Spahn - Não! Isso não tem nada a ver com minha política e com minhas convicções políticas. Consequentemente, eu não queria ficar exibindo isso – especialmente não no meu discurso de indicação. Hoje, uma declaração dessas não impediria ninguém na minha região natal de Münsterland, no oeste da Alemanha, onde gays ocupam altas posições cobiçadas em associações locais.


Spiegel - “Desde que ele não tente tocar em mim, eu não me importo.” Foi isso o que o primeiro chanceler alemão do pós-guerra, Konrad Adenauer, disse em resposta ao rumor de que seu ministro das Relações Exteriores, Heinrich von Brentano, era gay. Essa ainda é a postura básica da União Democrata Cristã (CDU) – eles aceitam formalmente a homossexualidade, mas a consideram um tanto desconcertante?
Spahn - Eu preciso perguntar em resposta, não é essa a postura de grande parte de nossa sociedade? Os conservadores são apenas uma parte dessa sociedade. É claro que ainda há pessoas que têm reservas. Mas eu acho que um membro da CDU em Münsterland está em melhor posição de promover a tolerância do que um funcionário público de esquerda do Partido Verde da cidade de Colônia. Afinal, há uma boa chance de que ninguém dê ouvido a ele lá.


Spiegel - Quando você percebeu que sentia atração por homens?
Spahn - Na puberdade, aos 15 ou 16 anos, quando desenvolvi minha sexualidade. Felizmente eu tenho pais maravilhosos. Eu não tive que fazer muito esforço para me explicar –mães têm um bom instinto para essas coisas. Meus pais logo disseram: está tudo certo do jeito que é. Meus amigos também reagiram bem. Você tem que entender, eu vim de uma cidade pequena de 3.700 habitantes, e mesmo assim houve um alto grau de aceitação desde o início. Isso me ajudou a ter uma atitude relaxada a respeito.


Spiegel - Em 1995, você ingressou na organização jovem da CDU, a União Jovem. Na época, a CDU era ainda mais tensa em relação à homossexualidade do que hoje. O que levou você a entrar para o partido?
Spahn - Você também poderia perguntar: um acumulador de milhagem aérea pode fazer parte do Partido Verde? (Nota do editor: isso é uma referência a um antigo escândalo envolvendo o uso por importantes membros do Partido Verde de benefícios de acúmulo de milhas aéreas.) Ou um empresário independente ser um membro do Partido Social Democrata? Eu me envolvi na política devido ao conflito em torno da energia nuclear. Na época, o professor nos perguntava toda segunda-feira porque não participamos da manifestação contra usinas nucleares no domingo. Isso provocou um reflexo saudável em mim. Eu não quis permitir que meu professor ditasse o que eu supostamente deveria pensar. Ingressar na CDU foi a decisão certa –eu não me arrependo até hoje.


Spiegel - Seu colega Volker Beck, um parlamentar assumidamente gay pelo Partido Verde, certa vez disse a respeito de políticos gays: “Qualquer um que inicie sua carreira com a decisão de manter isso em segredo, nunca conseguirá deixar isso para trás”. Você concorda?
Spahn - Essa declaração certamente era mais válida 20 anos atrás do que hoje. Na época, a homossexualidade era um grande problema para os políticos e eu sou grato a Volker Beck e outros pelo que lutaram para conseguir. A Alemanha em 2012 é diferente da Alemanha em 1995. Qualquer pessoa que hoje sinta que precisa viver uma vida dupla por ser gay é movido por um medo que considero infundado.


Spiegel - Ao digitar seu nome no Google, a primeira sugestão do autocompletar é “Jens Spahn gay”. Isso incomoda você?
Spahn - Não. Minha impressão é de que muitos políticos jovens são pesquisados no Google com esse termo, especialmente se forem magros. Experimente! Eu considero notável o fato disso aparentemente permanecer tão interessante. Mas, honestamente, eu não me importo com o que aparece associado a mim no Google.


Spiegel - Você se sentiu grato ao prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, do Partido Social Democrata (SPD) de esquerda, quando ele cunhou sua famosa frase em 2001: “Eu sou gay e está tudo bem”?
Spahn - Eu acompanhei isso de perto quando era jovem e sou grato por isso. A verdade é que ser gay não é uma realização política por si só. Não é suficiente para constituir uma plataforma política.


Spiegel - Seu companheiro de partido, Ole von Beust, diz que, pelo menos entre os conservadores da Alemanha, um político gay poderia ascender no máximo a governador estadual.
Spahn - Governador certamente é um cargo que não pode ser desprezado! Mas eu não acho que existam limites. Um gay poderia supostamente se tornar chanceler.


Spiegel - Por que a CDU enfrentou dificuldades por tanto tempo para chegar a um acordo com a questão da homossexualidade?
Spahn - Na condição de partido cristão, a CDU nunca esteve na vanguarda da mudança social, e também não precisa liderar essas mudanças. Nossa missão é diferente. Nós incorporamos várias posições e trabalhamos para promover uma aceitação mais ampla.


Spiegel -Você sabe o que a chanceler de seu partido, Angela Merkel, disse em 2000 em reação ao plano de introduzir uniões civis para casais de gays e lésbicas, apresentado pela então coalizão de situação, do SPD e do Partido Verde?
Spahn - Não.


Spiegel - Ela disse que era uma “aberração sociopolítica”.
Spahn - Bem, sabe como é...


Spiegel - Soa estranho, não?
Spahn - Isso ocorreu há quase 13 anos. De lá para cá, toda nossa sociedade, incluindo os conservadores, avançou muito. E o aspecto positivo é que nenhum partido apresentou maior progresso nesse assunto do que os conservadores.


Spiegel - Você quer dizer que a CDU e o casamento gay seriam uma boa combinação atualmente?
Spahn - O primeiro-ministro britânico, David Cameron, fez a seguinte declaração admirável: “Eu não apoio o casamento gay apesar de ser conservador. Eu apoio o casamento gay porque sou conservador”. Como conservadores, nós ficamos felizes quando duas pessoas assumem legalmente a responsabilidade uma pela outra, nos bons e nos maus momentos. Há modo de vida mais consistente com os valores tradicionais?


Spiegel - Qual é a sensação de estar em um grupo parlamentar com colegas como Norbert Geis, que considera ser gay como sendo uma “perversão da sexualidade” e diz: “O apóstolo Paulo considera isso um pecado. Eu vejo da mesma forma”?
Spahn - É claro que me irrita mais do que quando um colega diverge em suas opiniões sobre a construção de uma estrada. Mas os conservadores também refletem nossa sociedade neste assunto –e posições, como as de Norbert Geis, ainda podem ser encontradas na Alemanha. É preciso se envolver nesses debates e persistir. Eu não posso chegar até essas pessoas dando as costas e me permitindo ser insultado.
Tradutor: George El Khouri Andolfato        

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