segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Escancarando a alma - Sérgio Rodrigo Reis‏

Nome do primeiro escalão da música popular brasileira, a cantora Marina Lima abre o coração no livro Maneira de ser. Esta é sua primeira experiência com a literatura 

Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 26/11/2012 

Uma noticia ruim para os fãs: Marina não pensa em gravar

A cantora Marina Lima confessa que nos últimos anos viveu numa zona de desconforto. “Precisava produzir, tinha várias coisas ruminando e não via perspectiva”, diz. “Foi quando abri uma porta e fui”, conta, falando do momento em que resolveu mudar-se do Rio de Janeiro para São Paulo, e encontrou o que procurava: novos e velhos amigos, outros assuntos e, acima de tudo, trabalho. O clima favorável veio junto a um desafio: escrever um livro. “Tentei que fosse de partituras, mas não quiseram. A mudança e as pessoas ao meu lado me encorajaram e resolvi fazer.” Maneira de ser (232 páginas, R$ 53), título da primeira canção da artista, batiza sua estreia na literatura.

O livro, lançado pela Editora Língua Geral, é uma publicação diferente. Marina Lima aparece em capítulos, em grande parte apresentados pelos títulos de suas canções: Criança, eu sei; Charme do mundo; Um homem pra chamar de seu e Pra terminar. Também se revela em textos confessionais que falam da mãe, pai e irmãos, imprensa, moda e, é claro, sua música. Mas é bom deixar claro que não se trata de uma biografia. Não era a intenção. O desejo da cantora era criar um caderno íntimo, filtrado pelo afeto. “Desde pequena entrei em contato com a angústia, o limite, a falta e o medo. Isso se traduziu numa sensação de não pertencimento a lugar algum. (...) E essa se tornou uma questão central na minha vida.”

Polêmicas – ou melhor verdades – fazem parte da vida da artista. O livro não evita assuntos delicados. “O que menos se deseja, tanto homossexuais quanto, acredito, negros também, é um sentimento de piedade. O jogo virou”, avisa. Também não ignora temas ásperos, como quando foi acusada de se vender ao mercado fonográfico ao gravar Uma noite e meia. “Essa música, de certa maneira, foi precursora do axé. Uma coisa totalmente vira-lata, que o povo adorou, mas muitos jornalistas viraram a cara. Acharam vulgar. E me vi tantas vezes justificando o fato de tê-la gravado, que comecei a encher o saco. Não fazia sentido ter que provar, a cada entrevista, que não estava me prostituindo ou que não era uma aproveitadora musical.”

Marina está feliz com a fase escritora. Está satisfeita com a repercussão do livro e cuidando pessoalmente de trabalhar este outro lado da carreira. Pelo menos de imediato não espera lançar novo disco. “Não estou bem certa de que as pessoas estão querendo novamente me ouvir”, resigna-se. Porém, adianta que não deve demorar tanto. Sobre o momento atual, resume numa imagem: “Se fosse um cachorro, neste instante estaria abanando o rabo (ri)”. 

COM A PALAVRA
A artista se define e conta o que a motivou a escrever


PERFIL
“Marina Correia Lima, carioca, cantora e compositora brasileira, nascida em 1955, filha dos piauienses Ewaldo e Amélia. Autora de inúmeros sucessos na música brasileira. Morou grande parte da vida no Rio de Janeiro e, atualmente, reside em São Paulo. Maneira de ser é o título da primeira canção que compôs, e também do seu primeiro disco.”

ALTERNATIVAS
“Não sou a típica carioca e tenho a ver com o lado atípico da cidade. Tem pessoas como eu que acabam sem espaço lá. São Paulo se abriu para mim e me mantém excitada. O lugar que busquei encontrei. Mas tinha alguns detalhes que, na prática, não sabia, como conviver com a poluição. Fico chateada porque os paulistas e nós que vivemos aqui não merecemos. Alguém tem que cuidar disso e tem jeito. As pessoas passam à margem, como se não tivesse saída. Claro que tem!”

MEDOS
“Hoje, o que me dá medo é não mais me perder. Não voltar a amar. É me sentir só demais. Por enquanto ainda não devo voltar com a parceria musical com o meu irmão Cícero. Mas já existe uma aproximação entre nós. O livro permitiu isso. Não gostaria de falar da intimidade porque não quero cometer uma indiscrição que ele possa não gostar. Não tenho nada a queixar dele em público: é a única pessoa que restou em minha família.”

SAUDADE
“O mais difícil ao escrever o livro foi encontrar o tom certo para a carta que escrevo para minha mãe, que morreu há alguns anos. Ali queria ser somente filha. Não queria ser piegas, não me interessava. Ao mesmo tempo, tenho uma loucura por ela.”

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