Ailton Magioli
Estado de MInas: 10/11/2012
Bem-humorado, Francisco Bosco recorre ao cantor e compositor baiano Tom Zé para fugir da tentativa de traçar um perfil de seu público leitor. "Toda vez que ouço falar em público-alvo, me abaixo com medo de levar um tiro", diverte-se o poeta, letrista, filósofo e escritor carioca, de 36 anos, que está lançando Alta ajuda, pela Foz Editora. O livro, um dos que marcam a estreia da nova editora, reúne 35 textos publicados por ele nos últimos tempos na imprensa. Impiedosamente reescritos, segundo a editora, Alta ajuda é retrato fiel daquilo que o também escritor e compositor José Miguel Wisnik detectou no jovem autor, diante da naturalidade dele para refletir sobre o tudo e o nada, temas complexos e cotidianos, o eterno e o efêmero da nossa existência.
“A ética do escritor é escrever para ninguém”, dispara Francisco Bosco, chamando a atenção para o fato de “ninguém” aqui significar todos numa perspectiva não sociológica. “As diferenças mais evidentes entre a resposta do leitor de livro e aquela do leitor de jornal”, reflete, “são da ordem da escala e da rapidez: muito mais pessoas leem e comentam minhas colunas no jornal do que o fazem com meus livros, e muito mais rápido também. Por outro lado, as respostas a livros tendem a ser mais densas e profundas. Já fiz muitas amizades com leitores de meus livros. E as fiz também com autores de livros pelos quais me interessei”, relata.
O fato novo no tema, na opinião do autor, é o advento das redes sociais. “Por meio delas, torno-me acessível a qualquer leitor. E, com efeito, muitas pessoas comentam minhas colunas, no meu mural, semanalmente. Quando fazem com civilidade, é proveitoso, mesmo que contestem meus argumentos (sobretudo se o fazem). Mas, como se sabe, o mundo digital hospeda um vasto ressentimento contra qualquer tipo de hierarquia (erroneamente associada a autoritarismo), e então, frequentemente, há comentários agressivos, que em geral são fracos (os sujeitos que mantêm uma relação forte com o conhecimento dificilmente são agressivos, pois sabem que o conhecimento é uma errância sem fim), logo inúteis”, acrescenta.
Segundo Francisco, a escolha dos temas sobre os quais escreve no dia a dia são orientadas pelo que ele pode chamar de “meu método”. “Desde meu livro Banalogias, o que caracteriza meu método é identificar e revelar dimensões estruturais por meio de pequenos detalhes. Em Alta ajuda, por exemplo, mostro como o vício de atirar-se no chão, típico de jogadores brasileiros, é um reflexo do modo como a legalidade se deu na formação do Brasil”, detecta o jovem escritor, que não foge às inevitáveis polêmicas da imprensa.
Ao abordar temas como a agressão do ator Marcelo Faria aos seguranças de uma casa noturna carioca, por exemplo, ele não fugiu da crítica ao comportamento das celebridades que se multiplicam no Rio de Janeiro. “Mais uma vez, o que me interessou ali foi mostrar como uma mera briga em boate revela nada menos do que a crise pela qual a canção popular está passando. A música popular brasileira foi formada segundo uma ideia – um ideal – de conciliação entre "raças" e classes”, afirma o jovem escritor.
“Isso está presente em sua estrutura formal (rítmica africana, melodia e harmonia europeias), em suas letras (que elogiam a miscigenação, a mulata que é a tal) e em seus encontros (entre brancos de classe média e pretos do morro, por exemplo). Mas tudo isso foi desmentido nessa briga. Como foi e é desmentido cotidianamente na realidade brasileira. O surgimento dos Racionais marca o momento em que esse desmentido não pôde mais ser edulcorado ou recalcado. De lá pra cá, a canção popular não foi mais a mesma”, garante Francisco Bosco.
Indisciplinar Para os que se surpreenderam com a parceria estreante de pai e filho no disco As mil e uma aldeias, que João Bosco lançou em 1997, Francisco Bosco avisa: “Não escrevo mais letras de música há já uns seis anos”. E não pretendo voltar a escrevê-las”, reforça a ideia, lembrando que o interesse dele pela canção se transformou em um interesse teórico e crítico.
“Quanto à minha parceria com meu pai, também ela passou por esse mesmo processo, e hoje minha colaboração com ele é a de alguém que o ajuda a compreender o próprio trabalho, ocupando o lugar de uma espécie de produtor conceitual, como foi no seu último disco de inéditas, Não vou pro céu.... Aliás, tenho visto outros filhos de cancionistas dos anos 1960/70 fazerem isso, como agora o Pedro Baby, que relançou a Baby no mundo, digamos, secular.”
O desejo de Francisco Bosco é se tornar cada vez um escritor melhor. “O que no meu caso significa aprimorar minhas ideias, e torná-las cada vez mais claras e inventivas. Como sou um ensaísta transdisciplinar – ou talvez seja mais exato dizer indisciplinar (mas não indisciplinado) – tenho às vezes uma espécie de nostalgia da disciplina. Então, quem sabe um dia eu realize uma obra de maior fôlego, dentro de uma disciplina. Mas desconfio que meu caminho será radicalizar o sentido oposto e me tornar cada vez mais um escritor que escreve ensaios, e que portanto fala da posição do escritor, que é a posição da vida, e não de uma disciplina qualquer”, esclarece.
Lugar nenhum Em um mundo de crise generalizada, o jovem autor diz que tende a pensar como o ambientalista Paul Guilding: “O mundo será obrigado a passar por um colapso de grandes proporções, cujo resultado será o fim do capitalismo como o conhecemos. Já não faz sentido essa produtividade alienada das necessidades humanas, que só serve para aumentar desigualdades sociais e retroalimentar o sistema, que está destruindo a passos largos o ecossistema da Terra. Não temo esse colapso (ao contrário, desejo-o), pois não estou entre aqueles que esperam ansiosamente o Iphone 6 ou a nova boutique do Fashion Mall”.
E o Brasil, Francisco Bosco, tem jeito? “O Brasil está tentando – com imensas dificuldades – trocar o jeitinho pelo jeito. Mas temo que quando ele finalmente consiga chegar ‘lá’, o lugar que ele tanto buscou não será mais o mesmo. Em outras palavras, estamos apostando nos valores modernos europeus justamente quando os próprios europeus já sabem que esses valores estão falindo. A ironia é que os europeus, por sua vez, desejam em nós aquilo que nós mesmos estamos abandonando: certo amadorismo, hedonismo, relaxamento, uma submissão do princípio da realidade ao princípio do prazer”, reflete Francisco Bosco.
Com vontade de saber
Para o autor do recém-lançado Alta ajuda, “num país de baixo letramento, como o Brasil, o surgimento de uma nova editora, cuja proposta é editar livros ‘sérios’ (isto é, que não subestimam a subjetividade dos outros) é sempre uma boa notícia”. Mesmo sem conhecimento suficiente para abordar a questão da renovação do público da literatura no país, Francisco Bosco diz que tende a pensar que o Brasil, embora lentamente, esteja avançando em educação, logo em vontade de conhecimento.
O que precisa ser feito para atrair a juventude para a leitura? “Investir intensamente em educação, o que significa investir também nos educadores. É fundamental que os educadores sejam capazes de manter viva todo o tempo a relação entre a leitura e a realidade, o conhecimento e a vida. Às vezes a leitura é praticada e defendida de uma forma anacrônica, alienante, e então os alunos não conseguem compreender de que modo aquilo pode lhes servir na vida”, conclui.
Alta ajuda
• De Francisco Bosco
• Editora Foz, 160 páginas
“A ética do escritor é escrever para ninguém”, dispara Francisco Bosco, chamando a atenção para o fato de “ninguém” aqui significar todos numa perspectiva não sociológica. “As diferenças mais evidentes entre a resposta do leitor de livro e aquela do leitor de jornal”, reflete, “são da ordem da escala e da rapidez: muito mais pessoas leem e comentam minhas colunas no jornal do que o fazem com meus livros, e muito mais rápido também. Por outro lado, as respostas a livros tendem a ser mais densas e profundas. Já fiz muitas amizades com leitores de meus livros. E as fiz também com autores de livros pelos quais me interessei”, relata.
O fato novo no tema, na opinião do autor, é o advento das redes sociais. “Por meio delas, torno-me acessível a qualquer leitor. E, com efeito, muitas pessoas comentam minhas colunas, no meu mural, semanalmente. Quando fazem com civilidade, é proveitoso, mesmo que contestem meus argumentos (sobretudo se o fazem). Mas, como se sabe, o mundo digital hospeda um vasto ressentimento contra qualquer tipo de hierarquia (erroneamente associada a autoritarismo), e então, frequentemente, há comentários agressivos, que em geral são fracos (os sujeitos que mantêm uma relação forte com o conhecimento dificilmente são agressivos, pois sabem que o conhecimento é uma errância sem fim), logo inúteis”, acrescenta.
Segundo Francisco, a escolha dos temas sobre os quais escreve no dia a dia são orientadas pelo que ele pode chamar de “meu método”. “Desde meu livro Banalogias, o que caracteriza meu método é identificar e revelar dimensões estruturais por meio de pequenos detalhes. Em Alta ajuda, por exemplo, mostro como o vício de atirar-se no chão, típico de jogadores brasileiros, é um reflexo do modo como a legalidade se deu na formação do Brasil”, detecta o jovem escritor, que não foge às inevitáveis polêmicas da imprensa.
Ao abordar temas como a agressão do ator Marcelo Faria aos seguranças de uma casa noturna carioca, por exemplo, ele não fugiu da crítica ao comportamento das celebridades que se multiplicam no Rio de Janeiro. “Mais uma vez, o que me interessou ali foi mostrar como uma mera briga em boate revela nada menos do que a crise pela qual a canção popular está passando. A música popular brasileira foi formada segundo uma ideia – um ideal – de conciliação entre "raças" e classes”, afirma o jovem escritor.
“Isso está presente em sua estrutura formal (rítmica africana, melodia e harmonia europeias), em suas letras (que elogiam a miscigenação, a mulata que é a tal) e em seus encontros (entre brancos de classe média e pretos do morro, por exemplo). Mas tudo isso foi desmentido nessa briga. Como foi e é desmentido cotidianamente na realidade brasileira. O surgimento dos Racionais marca o momento em que esse desmentido não pôde mais ser edulcorado ou recalcado. De lá pra cá, a canção popular não foi mais a mesma”, garante Francisco Bosco.
Indisciplinar Para os que se surpreenderam com a parceria estreante de pai e filho no disco As mil e uma aldeias, que João Bosco lançou em 1997, Francisco Bosco avisa: “Não escrevo mais letras de música há já uns seis anos”. E não pretendo voltar a escrevê-las”, reforça a ideia, lembrando que o interesse dele pela canção se transformou em um interesse teórico e crítico.
“Quanto à minha parceria com meu pai, também ela passou por esse mesmo processo, e hoje minha colaboração com ele é a de alguém que o ajuda a compreender o próprio trabalho, ocupando o lugar de uma espécie de produtor conceitual, como foi no seu último disco de inéditas, Não vou pro céu.... Aliás, tenho visto outros filhos de cancionistas dos anos 1960/70 fazerem isso, como agora o Pedro Baby, que relançou a Baby no mundo, digamos, secular.”
O desejo de Francisco Bosco é se tornar cada vez um escritor melhor. “O que no meu caso significa aprimorar minhas ideias, e torná-las cada vez mais claras e inventivas. Como sou um ensaísta transdisciplinar – ou talvez seja mais exato dizer indisciplinar (mas não indisciplinado) – tenho às vezes uma espécie de nostalgia da disciplina. Então, quem sabe um dia eu realize uma obra de maior fôlego, dentro de uma disciplina. Mas desconfio que meu caminho será radicalizar o sentido oposto e me tornar cada vez mais um escritor que escreve ensaios, e que portanto fala da posição do escritor, que é a posição da vida, e não de uma disciplina qualquer”, esclarece.
Lugar nenhum Em um mundo de crise generalizada, o jovem autor diz que tende a pensar como o ambientalista Paul Guilding: “O mundo será obrigado a passar por um colapso de grandes proporções, cujo resultado será o fim do capitalismo como o conhecemos. Já não faz sentido essa produtividade alienada das necessidades humanas, que só serve para aumentar desigualdades sociais e retroalimentar o sistema, que está destruindo a passos largos o ecossistema da Terra. Não temo esse colapso (ao contrário, desejo-o), pois não estou entre aqueles que esperam ansiosamente o Iphone 6 ou a nova boutique do Fashion Mall”.
E o Brasil, Francisco Bosco, tem jeito? “O Brasil está tentando – com imensas dificuldades – trocar o jeitinho pelo jeito. Mas temo que quando ele finalmente consiga chegar ‘lá’, o lugar que ele tanto buscou não será mais o mesmo. Em outras palavras, estamos apostando nos valores modernos europeus justamente quando os próprios europeus já sabem que esses valores estão falindo. A ironia é que os europeus, por sua vez, desejam em nós aquilo que nós mesmos estamos abandonando: certo amadorismo, hedonismo, relaxamento, uma submissão do princípio da realidade ao princípio do prazer”, reflete Francisco Bosco.
Com vontade de saber
Para o autor do recém-lançado Alta ajuda, “num país de baixo letramento, como o Brasil, o surgimento de uma nova editora, cuja proposta é editar livros ‘sérios’ (isto é, que não subestimam a subjetividade dos outros) é sempre uma boa notícia”. Mesmo sem conhecimento suficiente para abordar a questão da renovação do público da literatura no país, Francisco Bosco diz que tende a pensar que o Brasil, embora lentamente, esteja avançando em educação, logo em vontade de conhecimento.
O que precisa ser feito para atrair a juventude para a leitura? “Investir intensamente em educação, o que significa investir também nos educadores. É fundamental que os educadores sejam capazes de manter viva todo o tempo a relação entre a leitura e a realidade, o conhecimento e a vida. Às vezes a leitura é praticada e defendida de uma forma anacrônica, alienante, e então os alunos não conseguem compreender de que modo aquilo pode lhes servir na vida”, conclui.
Alta ajuda
• De Francisco Bosco
• Editora Foz, 160 páginas
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