sábado, 10 de novembro de 2012

Álvaro Pereira Júnior


Transar e correr em São Paulo
Os atletas estrangeiros não entendem se eram "saudados como heróis ou ridicularizados como otários"
"Vim morar no Brasil por uma razão: sexo!"
Pesquei esse fragmento de conversa em um jantar recente onde era o único brasileiro.
Um grupo de correspondentes estrangeiros em São Paulo se reunia para recepcionar um jornalista importante, também de fora do Brasil, que passava uns dias na cidade.
Um dos gringos presentes, meu amigo, me chamou. Quinta-feira, dia complicado no trabalho, mas não ia perder essa. Saí tarde da Redação, cheguei com o jantar quase no final, caipirinhas fervendo nas sinapses anglo-saxônicas. Escutei a frase que abriu esta coluna, em inglês, quando me aproximava da mesa.
Nascido e criado na capital paulista, sempre tive essa dúvida: "Por que um estrangeiro vem espontaneamente morar no Brasil, especialmente em São Paulo?".
Fiz uma brincadeira qualquer, me apresentei à turma. No íntimo, pensei: "Sexo! É claro!".
Rio, Jericoacoara, Arembepe, esses destinos até consigo compreender. Têm uma beleza natural tão avassaladora, e um modo de vida tão distante de EUA e Europa, que faz sentido um europeu/americano despencar ali em busca de uma virada total na vida.
Mas... São Paulo? É uma metrópole como qualquer outra, e, pior, provavelmente mais feia, suja e insegura. Uma de suas poucas atrações, a vida noturna, torna-se cada vez mais perigosa, com arrastões, violência fora de controle etc.
Sentei à mesa dos gringos meio com vergonha, mais ou menos como o chefe que leva a sério convite para tomar um chope com a equipe, chega bem na hora em que estava sendo malhado, e aí deixa o povo sem assunto.
Por sorte, os estrangeiros já estavam suficientemente bêbados para pouco se importar com minha presença. Expliquei quem eu era, que trabalhava no "Fantástico" e que também escrevia esta coluna na Folha. O mais jovem, aquele que tinha vindo morar no Brasil para pegar gente, perguntou em que dia. "Sábado." "Ah, nunca vi. Sábado eu não leio jornal. Estou sempre de ressaca."
Vou generalizar, peço desculpas, mas costumava dividir os estrangeiros que vivem no Brasil em dois tipos:
1) os indignados, que, por mais tempo que passem aqui, não se conformam com a malemolência e a desorganização;
2) os deslumbrados, que gostam do Brasil justamente por suas mazelas, curtem um sambinha, vão morar em um barraco e acham tudo bonito.
Mas essa é uma divisão antiga. Esses moradores estrangeiros de hoje parecem enxergar melhor os prós e contras da vida brasileira/paulistana. Vou dar mais um exemplo.
O jornalista americano Seth Kugel mora parte do ano em São Paulo. Ele tem um blog (na verdade, vários, mas eu acompanho só um) em que relata suas experiências por aqui.
Esclareço que não conheço Kugel. Apesar de, aparentemente, termos amigos em comum, nunca o vi mais gordo.
Pois bem, em um post recente, ele descreve como convenceu um colega de infância, Doug, também dos EUA, a passar uns dias em São Paulo e a tentar amar a cidade (leia em is.gd/vPbuuq).
Depois dos esperados sustos com a monstruosidade do trânsito e da poluição ("estilo Cidade do México em 2006", segundo Doug), vêm elogios à comida, à onipresença de lugares servindo cafezinho e até ao espírito gregário dos paulistanos (só um gringo mesmo para achar isso; brasileiros de outros Estados nos julgam fechados demais).
Até que Doug propõe uma espécie de desafio. Que, em vez de pegar ônibus, eles percorressem correndo os oito quilômetros que separam o centro do parque Ibirapuera.
Aí eu me identifiquei. É que, de um ano para cá, tenho feito o mesmo ao chegar a qualquer cidade. Em Sapporo (Japão), Frankfurt, San Juan (Porto Rico), Los Angeles, no Rio... É só sair correndo que dá certo.
Nessas horas, penso: "Será que um estrangeiro conseguiria fazer o mesmo em São Paulo?". Fiquei feliz por Seth e Doug tirarem a prova.
A corrida deles é uma tortura, "desviando do tráfego, da fumaça dos ônibus e dos olhares incrédulos". Uma galera em um boteco começa a gritar. Os atletas não entendem se eram "saudados como heróis ou ridicularizados como otários". Cobertos de fuligem e quase surdos, acabam chegando ao "Ibira". Kugel resume: "Brutal".
Mais tarde, caíram na noite para relaxar. Sou capaz de apostar que se deram bem. Lembra da primeira linha deste texto?
cby2k@uol.com.br

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