AULO GALA
TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil está abandonando o tripé macroeconômico (meta de inflação, superavit primário e câmbio flutuante)?
NÃO
Princípios intactos, mas com pragmatismo
Os pilares de nossa política econômica continuam intactos, só que as metas passaram a ser usadas com bom senso, não de modo dogmático.
Começo pela questão fiscal.
O Brasil tem hoje uma das posições fiscais mais robustas do mundo. Basta ver nossos custos de captação de dinheiro no mercado internacional. Nunca pagamos tão pouco para captar a prazos longos, indicação clara de que o mercado vê a robustez de nossas contas públicas.
É fato que o Ministério da Fazenda já admitiu que não cumpriremos a meta cheia do superávit primário (diferença entre receitas e despesas não financeiras) neste ano, mas isso deve ser analisado em perspectiva.
Num contexto de forte desaceleração mundial e local, ter algum resultado primário é louvável. Basta comparar o resultado de nossas contas publicas de 2011 com as de outros países emergentes ou mesmo ricos. Outra comparação possível é a da nossa relação dívida/PIB, cerca de 35%, uma das menores do mundo. Poucos países apresentam tal solidez.
O sucesso dos últimos dez anos, claro, não permite leniência com o futuro. Mas usar essa margem de manobra em momentos difíceis como o atual me parece fazer total sentido.
Melhor ainda, aliás, se o superavit não for atingido graças às bem-vindas desonerações tributarias. Também não é demais lembrar que os cortes da Selic estão trazendo grande economia fiscal. O deficit nominal zero (que conta os gastos com juros) está logo ali. O governo Dilma não abandonou a solidez fiscal.
Sobre a questão da inflação, a mesma lógica se aplica.
O principio está correto, continua sendo seguido. Novamente, a meta central de inflação de 4,5% não será atingida. Devemos fechar o ano com um IPCA próximo a 5,5%. Mas daí a dizer que a inflação está fora do controle -ou que o governo abandonou a meta- há um longo caminho.
O grande vilão da inflação por aqui, neste ano, foi a subida de preços de alimentos por causa da seca americana. O Banco Central poderia ter combatido (talvez em vão) essa subida com aumentos da Selic, mas é preciso pensar: qual o dilema enfrentado pelo BC nesse caso?
Subir a taxa de juros e agravar ainda mais o nível de atividade econômica no Brasil? Ou acomodar o choque e tolerar uma inflação 1% maior?
O mesmo dilema surgiu em 2011. O BC optou nessas duas ocasiões por não sacrificar ainda mais o já combalido nível de atividade para seguir dogmaticamente o centro da meta.
A subida de preços dos últimos dois anos se deveu ao aquecimento do mercado de trabalho e a importantes choques de oferta nos preços dos alimentos. Vários países emergentes apresentavam inflação de 12 meses em linha com a brasileira (ou maior) em outubro último. Nossa inflação não está fora de controle.
Finalmente, a política cambial.
Há sim um piso informal de R$ 2 que o governo tenta defender. Mas ele é momentâneo, não uma taxa fixa e formal nem uma garantia para o futuro, um comprometimento. O regime formal de câmbio continua sendo o flutuante -ainda que, no contexto atual, flutue muito pouco, mas nada impede que isso mude.
O governo sabe que o cálculo de uma taxa "correta" ou "adequada" para o câmbio é muito complexo e dinâmico. Mas não saber exatamente qual a taxa "correta" não significa que se ausentar totalmente seja o melhor caminho. O mercado comete muitos exageros para cima e para baixo, como bem sabemos. Um comportamento contracíclico do governo não me parece algo ruim.
A experiência internacional é bastante clara. Não precisamos chegar no extremo da China, que acumulou mais de US$ 3 trilhões comprando reservas. Basta olhar o que fazem países como Coreia do Sul, Japão, Tailândia, Malásia e Colômbia.
Os pilares macroeconômicos são iguais. Agora, há mais pragmatismo.
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