ALBERTO ROLLO
A (in)justiça eleitoral
A Ficha Limpa trouxe absurdos jurídicos capazes de fazer corar um primeiranista de direito, e a ação da Justiça Eleitoral piora a situação. Veja o caso de Osasco
Cada vez mais, a Justiça Eleitoral vem se tornando restritiva no exame da participação dos candidatos.
Sou de uma época em que a Justiça Eleitoral homenageava a participação. Na dúvida, o registro do candidato era aprovado e deixava-se ao povo o direito da livre escolha.
Em momento recente da evolução da lei eleitoral, criou-se um artigo, por lei ordinária, restringindo a participação de candidatos, quando qualquer restrição sobre o tema só poderia ser feita por lei complementar. A diferença é que a lei ordinária exige o voto só da maioria dos parlamentares presentes, enquanto a lei complementar exige a maioria dos votos de todos os parlamentares.
Por criação jurisprudencial, desrespeitando lei de regência sobre o tema, passou a ser decidido pelo Judiciário Eleitoral que a não aprovação de contas de campanha era suficiente para impedir candidatos de participarem do processo eleitoral.
O advento da Lei da Ficha Limpa trouxe consigo alguns absurdos jurídicos capazes de fazer corar qualquer primeiranista de qualquer faculdade de direito pelo país.
Houve momento em que não se estabeleceram enquadramentos para casos futuros, mas situações passadas. O candidato condenado a três anos de inelegibilidade em 2004, tendo cumprido a pena em 2007, não pôde se candidatar em 2012. Desprezou-se a coisa julgada e a pena cumprida.
A leitura atenta da Lei da Ficha Limpa até exibe algo a favor dos candidatos: a nova redação da alínea "g" do artigo 1º, inciso I. Na redação original, ela entendia inelegível o candidato que tivesse cometido alguma irregularidade, alguma improbidade relativa às contas de gestão. A nova redação exige improbidade tenha cometida por ato doloso.
Entretanto, o Judiciário Eleitoral, além de avocar-se o direito de dizer, à margem de outras opiniões, quem praticou ato de improbidade, passou a julgar se tal ato era doloso ou não, desprezando os legitimados para propor ação acerca do tema.
Para entender, vale observar um caso exemplar: o julgamento do registro do candidato Celso Giglio, que terminou por impedir o registro de sua candidatura. Ele havia tido seu registro deferido pela Zona Eleitoral de Osasco, mas teve seu registro indeferido pela Corte Eleitoral Paulista e pela Corte Superior Eleitoral.
As contas de gestão da Prefeitura de Osasco do ano 2004, relativas a esse candidato, haviam sido desaprovadas pelo Legislativo local, em clara manobra política para torná-lo inelegível. Tal desaprovação foi remetida ao Ministério Público local, para as providências devidas.
O promotor concluiu que não deveria propor ação por inexistir ato de improbidade. O Conselho Superior do Ministério Público Paulista, com a legitimação ativa para propor ação por improbidade contra Giglio, arquivou o procedimento, pois "ações de improbidade devem ser para casos relevantes. Devem ser apenas para casos sérios, de evidente intuito de causar prejuízo ao erário; o que não se verifica no presente caso".
O Judiciário eleitoral, porém, arvorou-se o papel de acusador, invadindo a seara do Ministério Público. A Corte Superior Eleitoral, após o pleito, contrariando a disposição inicial da Constituição que dá todo o poder ao povo, determinou que Giglio, mesmo com 10 mil votos a mais do que o segundo colocado, está impedido de exercer o poder -apesar de não ter cometido, como disse o Ministério Público paulista, nem ato de improbidade, quanto mais com a prática de dolo.
Esse é caso em que o julgamento eleitoral substituiu a vontade do povo. Tenho plena consciência da posição politicamente incorreta aqui assumida. Mas não abro mão do direito de opinar de acordo com minha consciência, após 48 anos de exercício na área do direito eleitoral.
Sou de uma época em que a Justiça Eleitoral homenageava a participação. Na dúvida, o registro do candidato era aprovado e deixava-se ao povo o direito da livre escolha.
Em momento recente da evolução da lei eleitoral, criou-se um artigo, por lei ordinária, restringindo a participação de candidatos, quando qualquer restrição sobre o tema só poderia ser feita por lei complementar. A diferença é que a lei ordinária exige o voto só da maioria dos parlamentares presentes, enquanto a lei complementar exige a maioria dos votos de todos os parlamentares.
Por criação jurisprudencial, desrespeitando lei de regência sobre o tema, passou a ser decidido pelo Judiciário Eleitoral que a não aprovação de contas de campanha era suficiente para impedir candidatos de participarem do processo eleitoral.
O advento da Lei da Ficha Limpa trouxe consigo alguns absurdos jurídicos capazes de fazer corar qualquer primeiranista de qualquer faculdade de direito pelo país.
Houve momento em que não se estabeleceram enquadramentos para casos futuros, mas situações passadas. O candidato condenado a três anos de inelegibilidade em 2004, tendo cumprido a pena em 2007, não pôde se candidatar em 2012. Desprezou-se a coisa julgada e a pena cumprida.
A leitura atenta da Lei da Ficha Limpa até exibe algo a favor dos candidatos: a nova redação da alínea "g" do artigo 1º, inciso I. Na redação original, ela entendia inelegível o candidato que tivesse cometido alguma irregularidade, alguma improbidade relativa às contas de gestão. A nova redação exige improbidade tenha cometida por ato doloso.
Entretanto, o Judiciário Eleitoral, além de avocar-se o direito de dizer, à margem de outras opiniões, quem praticou ato de improbidade, passou a julgar se tal ato era doloso ou não, desprezando os legitimados para propor ação acerca do tema.
Para entender, vale observar um caso exemplar: o julgamento do registro do candidato Celso Giglio, que terminou por impedir o registro de sua candidatura. Ele havia tido seu registro deferido pela Zona Eleitoral de Osasco, mas teve seu registro indeferido pela Corte Eleitoral Paulista e pela Corte Superior Eleitoral.
As contas de gestão da Prefeitura de Osasco do ano 2004, relativas a esse candidato, haviam sido desaprovadas pelo Legislativo local, em clara manobra política para torná-lo inelegível. Tal desaprovação foi remetida ao Ministério Público local, para as providências devidas.
O promotor concluiu que não deveria propor ação por inexistir ato de improbidade. O Conselho Superior do Ministério Público Paulista, com a legitimação ativa para propor ação por improbidade contra Giglio, arquivou o procedimento, pois "ações de improbidade devem ser para casos relevantes. Devem ser apenas para casos sérios, de evidente intuito de causar prejuízo ao erário; o que não se verifica no presente caso".
O Judiciário eleitoral, porém, arvorou-se o papel de acusador, invadindo a seara do Ministério Público. A Corte Superior Eleitoral, após o pleito, contrariando a disposição inicial da Constituição que dá todo o poder ao povo, determinou que Giglio, mesmo com 10 mil votos a mais do que o segundo colocado, está impedido de exercer o poder -apesar de não ter cometido, como disse o Ministério Público paulista, nem ato de improbidade, quanto mais com a prática de dolo.
Esse é caso em que o julgamento eleitoral substituiu a vontade do povo. Tenho plena consciência da posição politicamente incorreta aqui assumida. Mas não abro mão do direito de opinar de acordo com minha consciência, após 48 anos de exercício na área do direito eleitoral.
EDUARDO DE CARVALHO ANDRADE
TENDÊNCIAS/DEBATES
A volta do perfeito fracassado brasileiro
Brincar com a inflação no Brasil é um crime, o BC dá cervejinha a um ex-alcoólatra. E favorecer setores da indústria só atende a lobbies, não ao desenvolvimento
Os desenvolvimentistas ficaram longe do comando da política econômica no país da volta das eleições livre até o fim do governo Lula, com exceção do relâmpago governo Itamar e suas políticas pró-fusquinhas.
Nesse período, talvez justamente por causa disso, o país conseguiu realizar dois importantes avanços: econômico, com a estabilidade macroeconômica, e social, com uma melhora na distribuição de renda e no padrão de vida do brasileiro médio.
Mas, no governo Dilma, infelizmente eles voltaram. Não é difícil entender como conseguiram, mas é fácil ver que é algo a se lamentar.
De fato, com a crise mundial, vários governos passaram a adotar políticas impensáveis há pouco tempo.
O governo suíço estabeleceu um piso para a sua moeda. O Fed (banco central americano) escolhe setores a serem beneficiados através da compra de papéis diretamente no mercado. O governo americano assumiu a gestão de empresas para evitar a falência. O governo argentino persegue consultorias com previsões de inflação diferentes das oficiais, expropria empresas e impõe controles comerciais e cambiais.
Parece que, de repente, todos os experimentos econômicos, por mais esdrúxulos, são permitidos para substituir o fracasso do mercado. No Brasil, os desenvolvimentistas voltaram com o seu receituário para resolver os problemas do país.
Eis: basta desvalorizar a moeda, reduzir a taxa de juros para padrões internacionais e com isso obter maiores taxas de crescimento, mesmo com a inflação mais alta. Basta escolher os setores da indústria a serem beneficiados com crédito subsidiado, aumento das alíquotas de importação, redução selecionada de impostos, estabelecimento de um mínimo de conteúdo nacional na compra governamental.
Voltar com essa mesma combinação de políticas fracassadas no passado é esquecer as lições da história.
Em primeiro lugar, o Banco Central do Brasil deveria continuar com um único mandato: baixa inflação.
Num país com tradição de taxas de inflação elevadas, brincar com a inflação é um crime. É oferecer uma cervejinha para um ex-alcoólatra. É arriscar com a volta da indexação da economia, com consequências nefastas para os ganhos sociais dos últimos anos. Política monetária simplesmente não é capaz de gerar crescimento econômico sustentado.
O argumento de que até o país mais desenvolvido do mundo, os EUA, tem um duplo mandato para a política monetária (e que portando deveríamos imitá-lo) é um equívoco.
Os EUA estão em guerra contra a depressão econômica. Numa guerra vale muita coisa. Mas essa certamente não é a situação brasileira.
Desenvolvimentistas se inspiram nas experiências asiáticas para justificar a escolha de setores prioritários da indústria. Mas mesmo os burocratas considerados mais competentes do mundo, os japoneses, escolheram, em geral, empresas "losers" em vez de "winners" na implantação da sua política industrial. Na Coreia, os setores beneficiados não registraram taxas de crescimento da produtividade maiores do que os demais, e várias empresas beneficiadas simplesmente faliram. Uma leitura mais apropriada é que os países foram bem sucedidos apesar da intervenção dos seus burocratas.
Mesmo que burocratas asiáticos soubessem escolher os setores de forma apropriada, os nossos não sabem. A nossa experiência atesta que quem se beneficia das benesses governamentais, em geral, são empresas grandes, com poder de pressão e lobby, e em setores com déficit comercial, sem relação com eficiência.
Quem paga a conta são os consumidores e os produtores (que se tornam ineficientes), obrigados a comprar, respectivamente, produtos e insumos caros e de baixa qualidade.
O peruano Álvaro Vargas Llosa escreveu os livros "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano" (Bertrand Brasil) e "A Volta do Idiota" (Odisseia), este se referindo ao retorno do velho populismo na região, com Hugo Chávez, Evo Morales e Néstor Kirchner. O termo é ofensivo, talvez apropriado para os políticos. No caso dos desenvolvimentistas, cabe lamentar a volta do perfeito fracassado brasileiro.
Nesse período, talvez justamente por causa disso, o país conseguiu realizar dois importantes avanços: econômico, com a estabilidade macroeconômica, e social, com uma melhora na distribuição de renda e no padrão de vida do brasileiro médio.
Mas, no governo Dilma, infelizmente eles voltaram. Não é difícil entender como conseguiram, mas é fácil ver que é algo a se lamentar.
De fato, com a crise mundial, vários governos passaram a adotar políticas impensáveis há pouco tempo.
O governo suíço estabeleceu um piso para a sua moeda. O Fed (banco central americano) escolhe setores a serem beneficiados através da compra de papéis diretamente no mercado. O governo americano assumiu a gestão de empresas para evitar a falência. O governo argentino persegue consultorias com previsões de inflação diferentes das oficiais, expropria empresas e impõe controles comerciais e cambiais.
Parece que, de repente, todos os experimentos econômicos, por mais esdrúxulos, são permitidos para substituir o fracasso do mercado. No Brasil, os desenvolvimentistas voltaram com o seu receituário para resolver os problemas do país.
Eis: basta desvalorizar a moeda, reduzir a taxa de juros para padrões internacionais e com isso obter maiores taxas de crescimento, mesmo com a inflação mais alta. Basta escolher os setores da indústria a serem beneficiados com crédito subsidiado, aumento das alíquotas de importação, redução selecionada de impostos, estabelecimento de um mínimo de conteúdo nacional na compra governamental.
Voltar com essa mesma combinação de políticas fracassadas no passado é esquecer as lições da história.
Em primeiro lugar, o Banco Central do Brasil deveria continuar com um único mandato: baixa inflação.
Num país com tradição de taxas de inflação elevadas, brincar com a inflação é um crime. É oferecer uma cervejinha para um ex-alcoólatra. É arriscar com a volta da indexação da economia, com consequências nefastas para os ganhos sociais dos últimos anos. Política monetária simplesmente não é capaz de gerar crescimento econômico sustentado.
O argumento de que até o país mais desenvolvido do mundo, os EUA, tem um duplo mandato para a política monetária (e que portando deveríamos imitá-lo) é um equívoco.
Os EUA estão em guerra contra a depressão econômica. Numa guerra vale muita coisa. Mas essa certamente não é a situação brasileira.
Desenvolvimentistas se inspiram nas experiências asiáticas para justificar a escolha de setores prioritários da indústria. Mas mesmo os burocratas considerados mais competentes do mundo, os japoneses, escolheram, em geral, empresas "losers" em vez de "winners" na implantação da sua política industrial. Na Coreia, os setores beneficiados não registraram taxas de crescimento da produtividade maiores do que os demais, e várias empresas beneficiadas simplesmente faliram. Uma leitura mais apropriada é que os países foram bem sucedidos apesar da intervenção dos seus burocratas.
Mesmo que burocratas asiáticos soubessem escolher os setores de forma apropriada, os nossos não sabem. A nossa experiência atesta que quem se beneficia das benesses governamentais, em geral, são empresas grandes, com poder de pressão e lobby, e em setores com déficit comercial, sem relação com eficiência.
Quem paga a conta são os consumidores e os produtores (que se tornam ineficientes), obrigados a comprar, respectivamente, produtos e insumos caros e de baixa qualidade.
O peruano Álvaro Vargas Llosa escreveu os livros "Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano" (Bertrand Brasil) e "A Volta do Idiota" (Odisseia), este se referindo ao retorno do velho populismo na região, com Hugo Chávez, Evo Morales e Néstor Kirchner. O termo é ofensivo, talvez apropriado para os políticos. No caso dos desenvolvimentistas, cabe lamentar a volta do perfeito fracassado brasileiro.
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