Estado de Minas: 23/12/2012
“This country is sick” – disse-me a colega do Departamento de Espanhol e Português da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Mal tinha chegado lá em 1965 para lecionar. Meu escritório na universidade dava para as pacíficas e milionárias colinas de Bervely Hills; mais adiante, Hollywood e todas as nossas fantasias adolescentes. E minha colega ali dizendo: “Este país está doente”.
Levei um susto. A frase dela não batia com o que eu via. Estava encantado com tudo. No câmpus americano havia uma liberdade política e erótica de deixar o jovem professor mineiro encantado e confuso. E as butiques de Westwood reproduziam a colorida cultura hippie de São Francisco.
Mas a colega dizia: “This country is sick”. O verbo, em inglês, é ambíguo: é ou está doente?
Meses antes de chegar a Los Angeles, havia ocorrrido um riot na região de Watts: moradores negros tocaram fogo no bairro e o caos se alastrou a outras regiões. Era o início de uma série de revoltas que incendiariam o país nos anos seguintes. Os negros, os índios, as mulheres e os homossexuais lutavam por seus direitos. Era a parte contestatória da América. Mas os EUA se atolavam no Vietnã e eu tinha que ensinar aos alunos como colocar os pronomes em português, enquanto os soldados americanos iam colocando bombas em Suoi Ca Valley, Ben Hoa e Tan Son.
Eu morava diante de um cemitério de soldados mortos nas guerras em que os EUA se meteram imperialisticamente ao longo de sua história. Volta e meia um aluno meu era convocado para o Vietnã. Salvei alguns deles, porque só mandavam para a guerra os que tinham nota menor que 7. Era o tempo da guerra fria e os morros ao redor estavam pontuados de radares. No câmpus, na última sexta-feira do mês, havia sempre treinamento, as sirenes tocavam e as pessoas procuravam um abrigo antiatômico. Para mim, aquilo era filme de ficção. Hollywood era ali perto. Eu, às vezes, ia lá. A Disneylândia estava logo ali adiante.
Quando, 12 anos mais tarde, fui para a Universidade do Texas, em Austin, uma das trágicas referências no câmpus era a torre de onde um atirador havia matado 14 pessoas e ferido 31. O massacre havia ocorrido em 1966, quando eu pacificamente dava aulas na Ucla.
O rapaz lá de cima da torre em Austin era um fuzileiro que matou a facadas e tiros a mãe, na residência de ambos. Tem qualquer coisa parecida com o que ocorreu agora em Newtown, pois o recente assassino começou por matar a mãe. No caso de Austin, o fuzileiro pegou um rifle 700-6mm, foi para aquela torre e atirou durante 96 minutos até ser morto pela polícia.
Fecharam o acesso à torre, porque, em 1968 e 1975, algumas pessoas, morbidamente, se suicidaram jogando-se lá de cima.
Por que me lembrei agora daquela frase da colega da Ucla – “this country is sick”?
Não considerávamos a Noruega um país sadio? Por que, então, aquele rapaz resolveu matar dezenas de pessoas que faziam piquenique numa ilha?
A Suécia não é, para muitos, um paraíso? Por que alguém matou o primeiro-ministro Olof Palme quando ele saía do cinema?
Por que mataram vários membros da família Gandhi na Índia?
Pode alguém alegar que matar presidentes, reis e imperadores é esporte, a que se dedicam alguns, como se fosse caça aos pombos.
O Brasil não é um país tranquilo? Segundo o imaginário estrangeiro, é o paraíso do samba e do sexo, lugar cheio de palmeiras e inconsequências. Então, por que aquele rapaz matou pessoas naquela escola no subúrbio do Rio? Será que a cultura americana, que tem tantas coisas maravilhosas, está contaminando mortalmente outros países no que ela tem de negativo?
Há dois elementos presentes em todos esses massacres. Primeiro: as armas; segundo: todos os criminosos eram homens jovens. Tirem disso as conclusões que puderem.
De repente, olho por acaso a televisão: a mesma TV que comenta horrorizada o massacre de Newtown exibe um filme americano em que um jovem inteligente e esquisito, como são descritos os assassinos dos massacres, gasta todo o dia com jogos de guerra, fechado em seu quarto e suas fantasias. Mal se relaciona com a família e com o mundo. O filme passa por comédia. Mas o horror está ali.
A doença se espalhou.
Estamos todos doentes. A violência é um produto. Rende dinheiro. E, é servida de maneira comercial e corriqueira. E, quando nos atinge, ficamos perplexos porque não sabemos mais o que é jogo ou realidade.
Levei um susto. A frase dela não batia com o que eu via. Estava encantado com tudo. No câmpus americano havia uma liberdade política e erótica de deixar o jovem professor mineiro encantado e confuso. E as butiques de Westwood reproduziam a colorida cultura hippie de São Francisco.
Mas a colega dizia: “This country is sick”. O verbo, em inglês, é ambíguo: é ou está doente?
Meses antes de chegar a Los Angeles, havia ocorrrido um riot na região de Watts: moradores negros tocaram fogo no bairro e o caos se alastrou a outras regiões. Era o início de uma série de revoltas que incendiariam o país nos anos seguintes. Os negros, os índios, as mulheres e os homossexuais lutavam por seus direitos. Era a parte contestatória da América. Mas os EUA se atolavam no Vietnã e eu tinha que ensinar aos alunos como colocar os pronomes em português, enquanto os soldados americanos iam colocando bombas em Suoi Ca Valley, Ben Hoa e Tan Son.
Eu morava diante de um cemitério de soldados mortos nas guerras em que os EUA se meteram imperialisticamente ao longo de sua história. Volta e meia um aluno meu era convocado para o Vietnã. Salvei alguns deles, porque só mandavam para a guerra os que tinham nota menor que 7. Era o tempo da guerra fria e os morros ao redor estavam pontuados de radares. No câmpus, na última sexta-feira do mês, havia sempre treinamento, as sirenes tocavam e as pessoas procuravam um abrigo antiatômico. Para mim, aquilo era filme de ficção. Hollywood era ali perto. Eu, às vezes, ia lá. A Disneylândia estava logo ali adiante.
Quando, 12 anos mais tarde, fui para a Universidade do Texas, em Austin, uma das trágicas referências no câmpus era a torre de onde um atirador havia matado 14 pessoas e ferido 31. O massacre havia ocorrido em 1966, quando eu pacificamente dava aulas na Ucla.
O rapaz lá de cima da torre em Austin era um fuzileiro que matou a facadas e tiros a mãe, na residência de ambos. Tem qualquer coisa parecida com o que ocorreu agora em Newtown, pois o recente assassino começou por matar a mãe. No caso de Austin, o fuzileiro pegou um rifle 700-6mm, foi para aquela torre e atirou durante 96 minutos até ser morto pela polícia.
Fecharam o acesso à torre, porque, em 1968 e 1975, algumas pessoas, morbidamente, se suicidaram jogando-se lá de cima.
Por que me lembrei agora daquela frase da colega da Ucla – “this country is sick”?
Não considerávamos a Noruega um país sadio? Por que, então, aquele rapaz resolveu matar dezenas de pessoas que faziam piquenique numa ilha?
A Suécia não é, para muitos, um paraíso? Por que alguém matou o primeiro-ministro Olof Palme quando ele saía do cinema?
Por que mataram vários membros da família Gandhi na Índia?
Pode alguém alegar que matar presidentes, reis e imperadores é esporte, a que se dedicam alguns, como se fosse caça aos pombos.
O Brasil não é um país tranquilo? Segundo o imaginário estrangeiro, é o paraíso do samba e do sexo, lugar cheio de palmeiras e inconsequências. Então, por que aquele rapaz matou pessoas naquela escola no subúrbio do Rio? Será que a cultura americana, que tem tantas coisas maravilhosas, está contaminando mortalmente outros países no que ela tem de negativo?
Há dois elementos presentes em todos esses massacres. Primeiro: as armas; segundo: todos os criminosos eram homens jovens. Tirem disso as conclusões que puderem.
De repente, olho por acaso a televisão: a mesma TV que comenta horrorizada o massacre de Newtown exibe um filme americano em que um jovem inteligente e esquisito, como são descritos os assassinos dos massacres, gasta todo o dia com jogos de guerra, fechado em seu quarto e suas fantasias. Mal se relaciona com a família e com o mundo. O filme passa por comédia. Mas o horror está ali.
A doença se espalhou.
Estamos todos doentes. A violência é um produto. Rende dinheiro. E, é servida de maneira comercial e corriqueira. E, quando nos atinge, ficamos perplexos porque não sabemos mais o que é jogo ou realidade.
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