domingo, 23 de dezembro de 2012

O mapa da cultura

FOLHA DE SÃO PAULO

DIÁRIO DE PEQUIM
Não existe arte na China
Porco agridoce ou exercício narcisista?
FABIANO MAISONNAVE
SEMPRE Provocador, Ai Weiwei comprou briga com mais de um colega ao afirmar que "o mundo artístico chinês não existe" e que "é impossível para uma sociedade totalitária criar qualquer coisa com paixão e imaginação".
Seu texto, publicado no mês passado no jornal britânico "The Guardian", foi uma reação à exposição "Arte da Mudança: Novas Direções da China", que recém saiu de cartaz na galeria Hayward, em Londres. O artista comparou a exposição a "pratos tradicionais chineses, como porco agridoce". "As pessoas comerão e dirão que é chinês, mas é simplesmente uma oferta consumista, oferecendo pouco de uma genuína experiência de vida da China de hoje."
Muitos viram na crítica um exercício de narcisismo. O britânico Paul Gladston, especialista em arte chinesa, escreveu na publicação "Randian" que o histórico de confrontos de Ai Weiwei com o Estado, incluindo quase três meses na cadeia, embora admirável, não é a única forma de agir contra o regime autoritário.
Gladston afirma que há exemplos na mostra em Londres de "respostas codificadas aos absurdos trágicos" da sociedade chinesa. Ele menciona o artista Liang Shaoji, cujo uso de bichos-da-seda vivos produzindo fios sobre esculturas de aparência enferrujada seria um contraponto "às noções do Partido Comunista de progresso científico-racional".
Brasil na tela chinesa
"O Palhaço", de Selton Mello, foi escolhido o melhor filme do 3º Festival de Cinema Brasileiro em Pequim, realizado no mês passado pela Brapeq (Brasileiros em Pequim), organização da comunidade local dos expatriados.
"[Os palhaços] são como um cacto do Brasil, sempre crescendo em direção à luz", justificou a atriz Feng Bo, um dos cinco membros do júri, todos chineses.
No voto do público, o filme mais bem recebido foi "Xingu", de Cao Hamburger. O festival teve oito sessões, com um público total de pouco mais de mil pessoas. Foram exibidos ainda "Amanhã Nunca Mais", "Heleno, o Príncipe Maldito", "A Hora e a Vez de Augusto Matraga", "Trabalhar Cansa" e "Capitães da Areia".
Por outro lado, a censura barrou "O Abismo Prateado", de Karim Aïnouz, "Como Era Gostoso o Meu Francês", de Nelson Pereira dos Santos, e "Uma Longa Viagem", de Lúcia Murat.
V de Vingança, prato frio
Há sete anos, ninguém se surpreendeu quando "V de Vingança", sobre um anarquista que usa bombas contra um governo totalitário, foi barrado das telas chinesas.
Por isso, mais de um queixo foi ao chão no dia 14, quando o filme foi transmitido, sem cortes, pela estatal CCTV, cujos métodos costumam ser parecidos aos da emissora orwelliana retratada no longa.
A exibição foi um dos temas mais comentados naquele dia nas redes sociais chinesas, segundo levantamento do "China Digital Times". Apesar de proibido nos cinemas, o longa é bastante conhecido graças às cópias piratas, tanto nas ruas quanto na internet.
Despedida
Este é o meu último Diário de Pequim. Após quase três anos, deixo a capital chinesa de volta ao Brasil. Peço desculpas pelo tema recorrente da censura, mas, concordando em parte com Ai Weiwei, é impossível ignorar o regime quando se trata de avaliar a produção artística.
Minha grande decepção foi com o cinema. As produções mais recentes são bem menos ousadas do que as de duas décadas atrás, quando o mundo se surpreendia com "Adeus, Minha Concubina" (1993), de Chen Kaige, e vários outros. Zhang
Yimou, diretor de "Tempo de Viver" (1994), censurado na China, hoje é mais conhecido pela abertura da Olimpíada de 2008 e pelo recente "Flores da Guerra" (2011), rasteira propaganda antijaponesa.
Por outro lado, a ficção literária parece abrir caminhos mais interessantes. O vencedor do Prêmio Nobel deste ano, Mo Yan, Yu Hua e Yan Lianke conseguem descrever com brilho a loucura da violenta história recente chinesa, banida dos livros escolares e dos museus.
É do atrito entre o monopólio do poder do Partido Comunista e a crescente circulação de ideias que a produção artística seguirá se alimentando. Desnecessário que todos sejam irreverentes como Ai Weiwei. Mas seria triste a maioria capitular como Zhang Yimou.

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