domingo, 23 de dezembro de 2012

Exposição detalha vida e obra de Godard

FOLHA DE SÃO PAULO

"Voyages en Utopie", concebida para o Beaubourg, em Paris, será apresentada pela primeira vez fora da França
Além da mostra de objetos, obras das últimas três décadas do diretor serão apresentadas
30.nov.2010/Getty Images
O cineasta francês Jean-Luc Godard vai ganhar uma exposição no Oi Futuro, no Rio de Janeiro, em maio do ano que vem
O cineasta francês Jean-Luc Godard vai ganhar uma exposição no Oi Futuro, no Rio de Janeiro, em maio do ano que vem
CÁSSIO STARLING CARLOSCRÍTICO DA FOLHA
Para uns tantos sobreviventes do século 20, o nome de Jean-Luc Godard, 82, tem valor divino. Designa uma lenda viva e ainda ativa da arte moderna, um dos últimos representantes de uma espécie em extinção, que enxergou no cinema um meio de ver e transformar o mundo.
Para a maioria, contudo, a assinatura de Godard continua a ser sinônimo de filmes que ninguém entende. Para todos, a vinda ao Brasil de "Voyages en Utopie" (viagens em utopia) é a possibilidade de compreender o alcance de uma obra ou de vencer o preconceito contra ele.
A exposição que ocupará o espaço do Oi Futuro, no Rio, de 7 de maio a 30 de junho de 2013, reúne um pouco do "caos organizado" que o cineasta montou na instalação que ocupou parte do famoso Centro Pompidou, o Beaubourg, em Paris, em 2006.
Mais importante do que trazer essa "relíquia", a exposição tem como função demonstrar que há outros modos de conceber e ver imagens em vez de apenas sermos colhidos em seu fluxo.
INÉDITA
"Inicialmente, consideramos fazer um compacto, mas alguns materiais, como uma maquete construída por Godard, eram frágeis e já não existem. A exposição que traremos é inédita, com base em outro projeto", esclarece Aída Marques, coordenadora da versão brasileira.
"Esta exposição será bastante distinta daquela do Beaubourg pela simples razão de que Godard não será o seu autor", esclarece o co-curador da exposição, Dominique Païni, ex-diretor da prestigiosa Cinemateca Francesa.
Godard desenvolveu com Païni um projeto para o Beaubourg, mas, na última hora, se desentendeu com o curador. Para cumprir o contrato com o museu, o cineasta expôs a maquete, agregou projeções de trabalhos recentes e assumiu a autoria.
Sem ressentimentos, Païni explicita o enfoque diverso da proposta que trará ao país. "Nós quisemos valorizar as três últimas décadas da produção de Godard, que são as menos conhecidas do público para o qual ele continua a ser o diretor de 'Acossado' e de "Desprezo'", explica.
"A exposição se organizará em torno de vários grandes temas, entre os quais estão a questão do autor Godard, a poética da 'pirataria' das imagens ou ainda a experimentação do cinema em múltiplos suportes."
DIVERSIDADE
Nas seis etapas do percurso, será possível mergulhar nos procedimentos criativos do diretor.
Cada espaço combina um aspecto de seu trabalho com elementos que servem de introdução por meio de imagens, sons e textos, cuja combinação ou dissonância elevam o trabalho do cineasta a um patamar de complexidade com reputação de "difícil".
"Podemos ver a obra de Godard como uma grande obra multimídia feita de colagens, de livros, de CDs, de ensaios em constante evolução". diz a curadora Anne Marquez, que também participou do projeto do Beaubourg.
"É, de fato, a diversidade de mídias que pretendemos valorizar, mostrando como, para Godard, o cinema começa com um papel e um lápis ou na relação entre duas imagens que vão produzir uma faísca", completa Marquez.
Parece viagem na utopia? Nem é tudo. Os mais dispostos ainda precisarão de fôlego para acompanhar a retrospectiva de tudo o que Godard assinou em mais de meio século de carreira.
O ciclo se fecha com todos os filmes dele feitos em película, seus ensaios, as produções publicitárias e os clipes, além de trabalhos exclusivos para a televisão em que o diretor usou o vídeo como suporte.

Curador leva cinema a espaço dos museus
DO CRÍTICO DA FOLHA
Manter viva a história do cinema no espaço dos museus não se resume a organizar mostras e preservar acervos.
Como demonstra o trabalho do curador Dominique Païni, o trânsito das salas de exibição para as exposições integra o amplo movimento de expansão do cinema para outros contextos e modos de consumo das imagens.
Depois de atuar como programador, distribuidor, produtor e de ocupar, de 1993 a 2000, o cargo de diretor do mais venerado acervo de cinema do mundo, a Cinemateca Francesa, Païni diversificou a programação do Beaubourg com exposições como "Hitchcock e a Arte" e "Jean Cocteau no Fio do Século".
"Na época em que fiz 'Hitchcock e a Arte', fui acusado de impor excessos subjetivos nas associações que propus entre os filmes e as obras de artes plásticas", diz Païni.
"Depois disso, surgiram outras propostas estimulantes e vários cineastas, como Agnès Varda, Harun Farocki, Chantal Akerman ou Apichatpong Weerasethakul agregaram possibilidades ao termo 'cinema exposto'."
Atualmente, Païni finaliza os detalhes de uma exposição em comemoração ao centenário do diretor italiano Michelangelo Antonioni, que será aberta em abril, em Ferrara, na Itália.
Na exposição de Antonioni, Païni diz seguir um mesmo princípio: confrontar a obra cinematográfica a obras de arte que pertencem a outras disciplinas, contemporâneas dos filmes do cineasta italiano.
"Diferentemente de Hitchcock, Antonioni é um cineasta bastante lúcido a respeito do lugar artístico, e não apenas industrial, que o cinema adquiriu."
"Por isso, eu não tive de 'inventar' referências, apenas reli atentamente o que ele disse e escreveu a respeito de seu trabalho", diz.
A exposição vai ocupar um grande palácio renascentista em Ferrara. "Isso também servirá para aproximar Antonioni das tradições da arte italiana. Eu adoraria que uma instituição no Brasil manifestasse a vontade de recebê-la", afirma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário